Opinião

Prequestionamento ficto nos recursos especiais ao Carf

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11 de abril de 2024, 15h17

O prequestionamento é um requisito essencial para a admissibilidade de recursos especiais, tanto no âmbito judicial quanto administrativo. Em nossa visão, é possível produzir fictamente o prequestionamento, inclusive no âmbito do processo administrativo federal.

Ao contrário do que sucede com o Superior Tribunal de Justiça (STJ), a Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) não tem atribuição para julgar recurso especial que “contrariar tratado ou lei federal (artigo 105, III, alínea ‘a’, da Constituição).

Afinal, a competência da CSRF abrange exclusivamente o julgamento de recurso especial fundado em divergência jurisprudencial quanto à interpretação de lei tributária (artigo 37, § 2º, II, do Decreto nº 70.235/1972).

Nesse contexto, o conhecimento do recurso especial no processo civil demanda que a lei federal violada tenha sido enfrentada pelo acórdão recorrido, o que representa o prequestionamento da matéria controvertida.

Por sua vez, o conhecimento do recurso especial administrativo demanda que a lei tributária tenha sido interpretada de forma divergente no âmbito do Carf. Para aferição dessa divergência interpretativa, é necessário que o acórdão recorrido tenha enfrentado a questão objeto da divergência jurisprudencial apontada, o que reflete o prequestionamento da matéria discutida.

No âmbito processual civil, o legislador positivou o “prequestionamento ficto” da matéria controvertida, especialmente para impedir que as partes ficassem reféns de provimentos jurisdicionais deficientes. Afinal, esses provimentos deficientes, por não terem enfrentado determinada questão, têm a potencialidade de impactar negativamente a admissibilidade dos recursos excepcionais contra eles interpostos.

Spacca

A esse respeito, o artigo 1.025 do Código de Processo Civil assim dispõe: “consideram-se incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de pré-questionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, caso o tribunal superior considere existentes erro, omissão, contradição ou obscuridade”.

No âmbito do processo administrativo, § 5º do artigo 118 do Regimento Interno do Carf parece ter incorporado o prequestionamento ficto ao dispor: “O recurso especial somente terá seguimento quanto à matéria prequestionada, cabendo a demonstração, com precisa indicação na peça recursal, do prequestionamento no acórdão recorrido, ou ainda no despacho que rejeitou embargos opostos tempestivamente ou no acórdão de embargos” (‘Ricarf’ — Portaria MF nº 1634, de 21 de dezembro de 2023).

Apreciação de recurso

Desse modo, para pavimentar a apreciação do mérito do recurso especial pela CSRF, a parte tem o ônus de opor embargos de declaração destinados a estimular o acórdão recorrido a enfrentar a matéria objeto de divergência jurisprudencial, de maneira a satisfazer o requisito do prequestionamento, ainda que ficto.

O manual de exame de admissibilidade de recurso especial do Carf (versão 3.1, de dezembro de 2018)[1] já sinalizava a viabilidade de produção ficta do prequestionamento, desde que o enfrentamento da matéria pelo acórdão recorrido fosse estimulado por embargos de declaração. Confira-se trecho extraído do Manual:

Observe-se que o sujeito passivo pode ter suscitado a matéria em sede de Recurso Voluntário. Entretanto, se o voto vencedor do acórdão recorrido silenciou sobre o tema, sem que o sujeito passivo tenha oposto os necessários Embargos de Declaração para suprir a omissão, considera-se que não houve o prequestionamento. Isso porque não há como efetuar o confronto entre recorrido e paradigma, se o recorrido sequer se pronunciou sobre a matéria suscitada” (página 38).

A viabilidade de produzir o prequestionamento ficto também foi reconhecida pela 1ª Turma da CSRF, conforme sugere trecho do voto condutor do Acórdão 9101-006.197, julgado em 14.07.2022 e relatado pela conselheira Edeli Pereira Bessa:

Assim, considerando que o cabimento de recurso especial dirigido às Turmas da CSRF somente se verifica se a decisão der à legislação tributária interpretação divergente da que lhe tenha dado outro Colegiado do CARF ou do antigo Conselho de Contribuintes, não detendo aquelas Turmas competência de apreciar violação de normas dissociada de um dissídio jurisprudencial, como seria o caso daquela que rege a apreciação de embargos no âmbito do CARF, tem-se que o art. 1025 do Novo Código de Processo Civil impõe, apenas, que se considerem incluídos no acórdão os elementos que o embargante suscitou, para fins de prequestionamento, ainda que os embargos de declaração sejam inadmitidos ou rejeitados, mas isto para eventual demonstração de dissídio jurisprudencial acerca da legislação de regência da oposição e apreciação de embargos de declaração no âmbito administrativo. Somente assim as Turmas da CSRF terão competência para se manifestar acerca da decisão que rejeitou os embargos de declaração e corrigir a falta eventualmente existente.”

Desse modo, para fins de preenchimento dos requisitos de admissibilidade do recurso especial interposto no âmbito do processo administrativo federal, é possível opor embargos de declaração destinados a provocar, ainda que fictamente, o prequestionamento da matéria controvertida para fins de demonstração da divergência interpretativa quanto à lei tributária.

 


[1] http://idg.carf.fazenda.gov.br/publicacoes/arquivos-e-imagens-pasta/manual-admissibilidade-recurso-especial-v-3_1-ed_14-12-2018.pdfacesso em 03.04.2024.

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