Opinião

O que a nova lei europeia que regula o uso da IA indica para o Brasil

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3 de abril de 2024, 20h38

No dia último dia 13 de março, o Parlamento Europeu decidiu, por maioria dos votos, aprovar um conjunto de medidas para regulamentar o uso de inteligência artificial nos países da União Europeia. Essa decisão é importante e histórica por uma série de razões e o Brasil precisa olhar com muita atenção para esse marco regulatório.

O AI Act, como ficou conhecido esse conjunto de regras, foi construído a partir da metodologia de análise de riscos, classificando os sistemas de inteligência artificial como de riscos inaceitáveis, elevados ou altos, limitados ou mínimos. Essa metodologia é semelhante a um dos diversos textos que vêm sendo discutidos no Congresso brasileiro, o PL 2.338/2023 (PL IA), e que visa regulamentar o uso de IA no país.

O texto do PL da IA reflete a tendência global de buscar uma legislação de inteligência artificial que garanta transparência e os direitos dos cidadãos, promovendo um ambiente de inovação saudável e sustentável, nos levando a crer que a nossa legislação será muito semelhante à da UE.

Vale ressaltar que o tema da inteligência artificial está sendo discutido no Brasil desde 2020. O PL da IA, projeto mais avançado e com maiores chances de aprovação sobre o tema, pode ser votado pelo Congresso ainda no primeiro semestre deste ano.

Freio

A aprovação de uma lei sobre inteligência artificial vem gerando alguns debates. De um lado, todos sabemos que é extremamente importante um marco regulatório que guie tanto o mercado quanto o Judiciário com relação ao uso de IA, seus limites e implicações. Por outro lado, há um receio de que uma regulação tão restrita e com sanções fortes, seguindo os padrões do AI Act, possa frear o desenvolvimento da tecnologia.

Spacca

Fato é que os questionamentos acerca do uso de IA no Brasil já estão acontecendo e, atualmente, os casos que ensejam discussão jurídica são analisados à luz de legislações que não foram criadas especificamente no contexto de IA, como Código de Defesa do Consumidor, a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (LGPD) e as legislações de propriedade intelectual.

Parâmetros da lei e tendência legislativa

A legislação europeia, recém-aprovada, fixa parâmetros importantes para questões como definição de IA, aplicação das novas normas e categorias de risco, incluindo requisitos mínimos para sistemas usarem IA considerada de alto risco — pontos que já vemos refletidos nas versões mais atuais do PL brasileiro.

A nova lei da UE também fixa o que é terminantemente proibido, como uso de inteligência artificial para manipular comportamentos humanos que possam causar riscos ao próprio usuário ou a outras pessoas.

A tendência é que outros países, incluindo o Brasil, acelerem suas regulações sobre IA a partir da aprovação do AI Act pela UE e a tenham como parâmetro. Com isso, é importante que as empresas brasileiras que atuam como provedoras ou implementadoras de IA — assim como as que utilizam para algum dos seus processos — comecem, de fato, a se preparar para a regulação do tema.

Já estamos percebendo um movimento de grandes empresas brasileiras que usam/desenvolvem IA se antecipando à regulação e produzindo relatórios de impacto. Isso fica ainda mais evidente em empresas que prestam serviços de maneira global, sobretudo as entidades sediadas na UE. Nesses casos, assim como aconteceu quando da adequação ao GDPR, é comum que as medidas práticas já passem a ser adotadas pela empresa como um todo.

Monitoramento

Sem dúvida, a regulação da inteligência artificial exigirá que as empresas desenvolvam princípios claros de governança e invistam em programas que garantam o atendimento aos princípios legais que passam a vigorar, bem como no monitoramento dos sistemas de IA e do que vem sendo produzido e/ou melhorado.

TJ-PE

Entre as etapas centrais deste monitoramento está a identificação de dados usados pelos sistemas de IA, ou seja, identificar qual o tamanho dessa base e quais dados especificamente estão nela. Estipular precisamente qual será seu uso e antever consequências a partir de uma matriz de risco, além de criar parâmetros de segurança das informações e de conformidade com as legislações, incluindo de propriedade intelectual e proteção de dados, é crucial. Sem dúvidas, essa é uma preparação que exigirá das empresas um grande esforço e a colaboração de diversas áreas e profissionais.

Comparativo

De modo geral, vemos como um grande e importante avanço para o setor de tecnologia a definição de normas claras sobre o uso de IA na UE. Da mesma forma, os avanços na discussão doméstica, sobretudo nos últimos dois anos, nos permitiram chegar a um desenho de projeto que, ainda que não seja perfeito, traz avanços importantes guiados por boas práticas de controle de IA.

O texto atual, por exemplo, fixa direitos das pessoas afetadas, de alguma forma, por sistemas de inteligência artificial, entre eles a informação sobre a interação com programas que utilizam IA, a possibilidade de exigir a atuação humana quando alguma decisão que o afete por tomada por IA e o direito à proteção de dados e à privacidade.

Com relação à fixação de penalidades e multas, o AI Act, como mencionado, trouxe a possibilidade de aplicação de sanções decorrentes do não cumprimento de suas disposições que variam de acordo com a gravidade da infração e que podem chegar a 35 milhões de euros ou 7% do volume de negócios global anual do grupo, o que for maior.

No Brasil, por outro lado, o que se discute é a responsabilidade civil dos provedores de sistemas de IA que causem dano patrimonial, moral, individual ou coletivo. De acordo com o PL IA, dependendo do tipo de IA, a responsabilidade do provedor será objetiva ou subjetiva.

Uma outra questão relevante e polêmica no Brasil é relacionada à autoridade que terá competência para tratar do tema. ANPD, Anatel ou a autoridade competente deve mudar conforme a indústria afetada?

O caminho rumo a uma regulamentação eficaz da IA é desafiador, mas essencial para garantir os benefícios dessa tecnologia, mitigando seus potenciais riscos. Assim, é fundamental que o Brasil avance na construção de seu marco regulatório, visando a promoção da inovação de forma responsável e ética.

 

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