Licitações e Contratos

Questionável inexequibilidade da proposta prevista na Lei 14.133/2021

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

29 de setembro de 2023, 8h00

O inciso III do artigo 11 da Lei nº 14.133/2021 estabelece, como um dos objetivos do processo licitatório, evitar contratações com preços manifestamente inexequíveis, sem fixar, contudo, um critério estável, segundo o qual possa ser alcançável os parâmetros para que uma proposta possa ser considerada inexequível.

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A despeito do obstáculo quanto à objetiva compreensão do termo, o artigo 59, III, testifica que serão desclassificadas as propostas que "apresentarem preços inexequíveis ou permanecerem acima do orçamento estimado para a contratação". Logo, inconteste o desafio da administração pública pela busca da proposta que atenda o ideal (mas quimérico) preço de mercado, é dizer, nem tão elevado, tampouco exageradamente abaixo da realidade mercadológica.

Em complemento ao inciso III do artigo 11, consta, neste mesmo dispositivo legal, também como objetivos do processo licitatório, evitar o sobrepreço e o superfaturamento, iniciando, desde o princípio da fase pré-contratual, um eloquente malabarismo para contratar por um preço "justo".

À míngua de um indicador claro concernente à inexequibilidade, ao menos em se tratando de obras e serviços de engenharia, o legislador foi assente em definir um percentual mínimo pelo qual uma proposta pode ser considerada exequível, passível de contratação.

De tal modo, conforme consta no § 4º do artigo 59, que trata da desclassificação das propostas, "no caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) dos valores orçados pela Administração".

À vista disso, seguindo um mínimo raciocínio aritmético, impossível conceder desconto que ultrapasse 25% do preço estimado pela administração quando da elaboração do orçamento, sob pena de imediata desclassificação da proposta. É uma regra de tudo ou nada, pois que os "números" não suportam variações.

Entretanto, ainda que o legislador haja pretendido circunscrever limites neutros e equânimes para desclassificar propostas inexequíveis, cumprindo o desiderato do inciso III do artigo 11, várias vicissitudes e barreiras precisam ser moderadas nesse longo caminho, até que se atinja o preço ideal, assim dizendo, nem tão acima dos padrões de mercado (sobrepreço), tampouco abaixo do que possa ser realizável, evitando a inexequibilidade.

O legislador cria seu próprio embaraço, a começar pela redação do caput do artigo 61, o qual prescreve que "definido o resultado do julgamento, a Administração poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado".

Exemplificativamente, pelo teor da norma prevista no § 4º do artigo 59, uma obra ou serviço de engenharia orçado em R$ 1 milhão poderá ter como vencedor um licitante que haja oferecido lance de no mínimo R$ 750 mil, 75% do preço orçado pela administração.

Tomando como base o exemplo acima, qual margem de negociação haverá para a administração em tal caso? Negociar para obter, na conformidade do caput do artigo 61, uma proposta mais vantajosa? Se sim, seria atrair a confessada inexequibilidade, em patente violação legal, tal porque não se pode conceder desconto sobre uma proposta que já se encontra no limite da acidental inexequibilidade.

A cincada normativa é assaz temerária, tal porque o § 1º do artigo 61 apenas admite a negociação com o segundo e demais classificados se a proposta do primeiro permanecer acima do preço máximo definido pela administração. Por consequência, o foco da administração é, inquestionavelmente, no preço máximo (sobrepreço) e não no preço mínimo. O traçado normativo indica esse percurso.

Em singelo grau de autenticidade à verdadeira pretensão normativa, pouca ou nada interessa à administração a inexequibilidade, maiormente porque autoriza, na circunstância da alínea "d" do inciso II do artigo 124, por acordo entre as partes (regra abonada pelo artigo 151), o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos já firmados, evitando, justamente, que o contrato siga a condição da proposta, possivelmente exequível na quadra do processo licitatório, porém de execução comprometida quando da efetuação do contrato.

Firmados tais pressupostos, nada há mais de ilusório e utópico que os critérios relacionados ao fator "preço de mercado", seja porque a administração pública não tem o pleno domínio do perfil macroeconômico encontrado no cenário nacional, seja, especialmente, porque o preço, inexequível segundo os burocráticos ditames da administração quando da apresentação da proposta, pode ser exequível para um licitante que trabalha com larga economia de escala.

Negociar é possível?

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  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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