Questionável inexequibilidade da proposta prevista na Lei 14.133/2021
29 de setembro de 2023, 8h00
O inciso III do artigo 11 da Lei nº 14.133/2021 estabelece, como um dos objetivos do processo licitatório, evitar contratações com preços manifestamente inexequíveis, sem fixar, contudo, um critério estável, segundo o qual possa ser alcançável os parâmetros para que uma proposta possa ser considerada inexequível.
Em complemento ao inciso III do artigo 11, consta, neste mesmo dispositivo legal, também como objetivos do processo licitatório, evitar o sobrepreço e o superfaturamento, iniciando, desde o princípio da fase pré-contratual, um eloquente malabarismo para contratar por um preço "justo".
À míngua de um indicador claro concernente à inexequibilidade, ao menos em se tratando de obras e serviços de engenharia, o legislador foi assente em definir um percentual mínimo pelo qual uma proposta pode ser considerada exequível, passível de contratação.
De tal modo, conforme consta no § 4º do artigo 59, que trata da desclassificação das propostas, "no caso de obras e serviços de engenharia, serão consideradas inexequíveis as propostas cujos valores forem inferiores a 75% (setenta e cinco por cento) dos valores orçados pela Administração".
À vista disso, seguindo um mínimo raciocínio aritmético, impossível conceder desconto que ultrapasse 25% do preço estimado pela administração quando da elaboração do orçamento, sob pena de imediata desclassificação da proposta. É uma regra de tudo ou nada, pois que os "números" não suportam variações.
Entretanto, ainda que o legislador haja pretendido circunscrever limites neutros e equânimes para desclassificar propostas inexequíveis, cumprindo o desiderato do inciso III do artigo 11, várias vicissitudes e barreiras precisam ser moderadas nesse longo caminho, até que se atinja o preço ideal, assim dizendo, nem tão acima dos padrões de mercado (sobrepreço), tampouco abaixo do que possa ser realizável, evitando a inexequibilidade.
O legislador cria seu próprio embaraço, a começar pela redação do caput do artigo 61, o qual prescreve que "definido o resultado do julgamento, a Administração poderá negociar condições mais vantajosas com o primeiro colocado".
Exemplificativamente, pelo teor da norma prevista no § 4º do artigo 59, uma obra ou serviço de engenharia orçado em R$ 1 milhão poderá ter como vencedor um licitante que haja oferecido lance de no mínimo R$ 750 mil, 75% do preço orçado pela administração.
Tomando como base o exemplo acima, qual margem de negociação haverá para a administração em tal caso? Negociar para obter, na conformidade do caput do artigo 61, uma proposta mais vantajosa? Se sim, seria atrair a confessada inexequibilidade, em patente violação legal, tal porque não se pode conceder desconto sobre uma proposta que já se encontra no limite da acidental inexequibilidade.
A cincada normativa é assaz temerária, tal porque o § 1º do artigo 61 apenas admite a negociação com o segundo e demais classificados se a proposta do primeiro permanecer acima do preço máximo definido pela administração. Por consequência, o foco da administração é, inquestionavelmente, no preço máximo (sobrepreço) e não no preço mínimo. O traçado normativo indica esse percurso.
Em singelo grau de autenticidade à verdadeira pretensão normativa, pouca ou nada interessa à administração a inexequibilidade, maiormente porque autoriza, na circunstância da alínea "d" do inciso II do artigo 124, por acordo entre as partes (regra abonada pelo artigo 151), o reequilíbrio econômico-financeiro dos contratos já firmados, evitando, justamente, que o contrato siga a condição da proposta, possivelmente exequível na quadra do processo licitatório, porém de execução comprometida quando da efetuação do contrato.
Firmados tais pressupostos, nada há mais de ilusório e utópico que os critérios relacionados ao fator "preço de mercado", seja porque a administração pública não tem o pleno domínio do perfil macroeconômico encontrado no cenário nacional, seja, especialmente, porque o preço, inexequível segundo os burocráticos ditames da administração quando da apresentação da proposta, pode ser exequível para um licitante que trabalha com larga economia de escala.
Negociar é possível?
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