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Ágio: STJ com acertados fundamentos confirma entendimento dos contribuintes

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  • é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo–FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU–IICS e advogada em São Paulo.

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27 de setembro de 2023, 8h00

No último dia 5, os ministros da 1ª Turma do STJ (Superior Tribunal de Justiça), por unanimidade, deram parcial provimento aos Embargos de Declaração opostos pela Fazenda Nacional no âmbito do REsp. nº  2.026.473–SC.

O decidido põe fim a uma longa polêmica que se arrastava entre Fisco e contribuinte envolvendo o tema sensível do ágio e a dedutibilidade de sua amortização, para fins de Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro, na aquisição de participações societárias. O decidido, além de ser pioneiro no Judiciário, examina diversos temas envolvendo o ágio, os quais vêm sendo desafiados desde inícios deste século, pelas autoridades fiscais.

Spacca
O ágio sob comentário originou-se, pelo que consta dos termos do decidido, de operação societária de oferta pública de aquisição de ações de companhia aberta, conhecida pela sigla OPA, hipótese em que ações de uma companhia, detidas por terceiros no mercado, são objeto de oferta de aquisição, de tal sorte que sua controladora se torne a única detentora desse investimento. Esse procedimento é regulado, desde o ano de 1995, pela CVM (Comissão de Valores Mobiliários),  sendo atualmente objeto da Resolução CVM nº 85/22.

Nos termos da CVM, deve a OPA ser formulada pela própria companhia, por pessoa a ela vinculada, pelo administrador ou por pessoa a ele vinculado, sendo acompanhada, obrigatoriamente, de laudo de avaliação da companhia, objeto dessa operação, elaborado por terceiros, e realizada em leilão, em ambiente de mercado organizado de valores mobiliários, excetuada a hipótese de OPA por alienação de controle.

No caso julgado, observa-se que a estrutura financeira organizada para implementar a OPA exigiu a criação de uma entidade de propósito especial para cuidar da reorganização societária da companhia que estava fechando seu capital, a qual teve o encargo de adquirir as participações que estavam no mercado e, para isso, recebeu aportes, além de gerenciar os passos subsequentes ao fechamento.

Por fim, essa sociedade veículo foi incorporada pela própria companhia cujas ações estavam sendo objeto da OPA e o sobrepreço pago na aquisição dessas ações a valores de mercado, segundo o laudo, foi tratado como ágio, para fins fiscais. Embora esse modelo de transação, devidamente regulado, seja tradicional no mercado de capitais brasileiro e permita compor interesses das variadas partes envolvidas, enxergaram as autoridades fiscais na operação, entendimento confirmado pelo Carf (Conselho Administrativo de Recursos Fiscais), os seguintes problemas: (i) existência de ágio interno, gerado em operações entre entidades integrantes do mesmo grupo econômico; (ii) inserção de empresa veículo para fins de aquisição de participações societárias; (iii) impossibilidade de dedução do ágio por falta de propósito negocial na operação.

Ao longo do tempo operações envolvendo ágio vêm sendo estigmatizadas pelas autoridades, sem melhor análise de seu conteúdo e, de forma oportunista, afastadas com o uso de métodos e critérios contábeis que, muitas vezes, sequer estão regulados em lei, para fins fiscais.  Assim, iniciando-se pelo ágio interno vislumbrado pelas autoridades na transação, trata-se de figura oriunda da contabilidade, pois o controlador e suas controladas são por ela, contabilidade, vistos como uma unidade econômica e somente as operações com terceiros podem afetar essa unidade.

A divulgação desse conceito contábil nasce no ano de 1994[1], por força da emissão de documento anual denominado Ofício-Circular/CVM/SEP/SNC/, pela própria CVM, cuja finalidade é orientar as companhias abertas sobre os melhores procedimentos a serem adotados no balanço patrimonial a ser divulgado ao mercado, depois de auditado. Nesses documentos, ainda na década de 1990, começou a constar a restrição, pela CVM, de reconhecimento, para fins contábeis, do chamado ágio interno, por ser gerado entre empresas sob controle comum, uma vez que não há qualquer efeito dessa natureza que a contabilidade possa mensurar nas operações entre empresas do mesmo grupo, inclusive nas demonstrações financeiras consolidadas, pois nesse documento essas transações se anulam.

Aproveitando-se dessa determinação da CVM, coerente do ponto de vista econômico-contábil, as autoridades fiscais vêm concluindo, ainda que sem base em norma que assim disponha, pela  impossibilidade de reconhecimento, para fins tributários, de sobrepreço em operações de aquisição de participações societárias intragrupo, preferindo desconhecer que inexiste, do ponto de vista jurídico, a figura do grupo para fins de tributação e de pagamento de lucros, devendo operações de aquisição e venda societárias serem tratadas como executadas, individualmente, pelas sociedades que se envolvem na transação. Ou seja, conceitos contábeis não estão aptos a gerar efeitos tributários, exceto se decorrentes de determinações legais vigentes à época de cada operação.

Em 5/2014 foi editada a Lei nº 12973 que adaptou a legislação tributária federal, inclusive o Imposto sobre a Renda e a Contribuição Social sobre o Lucro, aos padrões contábeis do IFRS (International Financial Reporting Standards), a qual incluiu disposição expressa, em seu artigo 22, admitindo que na absorção de patrimônio de investida, por conta de incorporação, fusão ou cisão, o ágio por rentabilidade futura (goodwill) somente pode ser deduzido, para fins fiscais, se a transação que gerou esse ágio tiver ocorrido entre partes não dependentes.

Ou seja, até esta data não havia qualquer restrição ao reconhecimento do ágio interno, podendo ele ser deduzido, para fins de cálculo do Imposto sobre a Renda e da Contribuição Social sobre o Lucro, sem qualquer restrição. Esse era e é o pleito dos contribuintes, absolutamente correto e fundamentado. E o REsp. nº 2.026.473–SC foi decidido pelo STJ exatamente nesse sentido, confirmando o entendimento dos contribuintes, contrariamente ao que propugnam as autoridades fiscais.

 Dessa forma fica muito claro que a intervenção o Poder Judiciário pôs termo a uma disputa que, da parte do Fisco, tentou valer-se de argumentos extrajurídicos para defender apenas a arrecadação. O custo desse transtorno, para o contribuinte e o Fisco, é imenso considerando-se o tempo que a matéria levou para chegar ao STJ, quase vinte anos de disputa e de correspondentes custos.

O equívoco desse entendimento prevaleceu, a nosso ver, na formulação do dito artigo 22, da Lei nº 12.973/14, ao vedar o reconhecimento do ágio interno, pois sendo as sociedades entidades jurídicas independentes, é razoável que, existindo razões econômicas variadas, também se exija que as operações de aquisição de investimentos se façam mediante pagamento de ágio. Além disso, considerando-se que o tributo é devido por cada sociedade, individualmente, sendo o ágio uma parcela do custo de aquisição, vedar a sua dedução, não só após a incorporação da investida como em futura alienação do investimento, importa ofensa ao princípio da capacidade contributiva.

A exceção, por óbvio, corre por conta de operações simuladas, fraudadas ou de alguma forma contaminadas que comprometeriam o preço pago. Infelizmente, a tese formulada pelo Fisco bem como a elaboração desse dispositivo legal se fizeram à sombra de uma generalização de supostos vícios que nem sempre ocorrem, pois o universo empresarial conta com muito mais entidades cumpridoras de suas obrigações, do que o inverso.

No que tange ao suposto impedimento de inserção de empresa veículo, para fins de aquisição de participações societárias, andou muito bem o STJ ao afirmar que inexiste restrição legal ao seu uso. De fato, esclarece o ministro relator em seu voto que não há proibição legal para que uma sociedade seja criada como veículo para se implementar determinado negócio jurídico, afirmando que há razões reais, o chamado e procurado "propósito negocial" para isso, pois é razoável crer que as partes busquem compor seus interesses dessa forma.

Por fim exemplifica com investidores estrangeiros que necessitando ingressar recursos no País, usualmente se valem de veículos para implementar seus negócios, inclusive por conta de restrições legais, no caso de atividades reguladas.

 Observe-se, no caso sob análise que envolve uma OPA, que  tudo se faz de acordo com o determinado pela CVM, a qual admite a construção de estruturas dessa natureza, envolvendo transações entre partes ditas dependentes e empresa veículo, para construir o modelo financeiro do negócio jurídico que está sendo contratado e, mais, toda a operação é objeto de divulgação (fato relevante), existindo uma convocação para que todos os detentores de ações exercitem o seu direito de alienar para a companhia, observados os valores fixados no laudo de avaliação, para tanto. Com isso, a nosso ver, não se pode alegar simulação ou qualquer tipo de fraude, uma vez que todos esses fatos são claros, de conhecimento da CVM, bem como dos usuários das demonstrações financeiras, inclusive o Fisco.

Exemplificando, é de se destacar que para implementar essa estrutura de compra das ações são desenvolvidos, de acordo com a lei, diversos passos envolvendo a constituição, pela controladora do grupo, de empresa(s), que busca(m) recursos no mercado, a(s) empresa(s) veículo, inclusive por meio de instrumentos financeiros (debêntures, p.ex..),  ou são formadas com recursos do grupo, os quais são utilizados para adquirir as ações de terceiros que estão no mercado.

Como a compra se faz a valor de mercado, conforme laudo, é corriqueira a geração de ágio em decorrência da aplicação da metodologia de equivalência patrimonial, na adquirente das ações. Com isso conclui-se que houve a geração de ágio, como esclarece o STJ, agregando que o uso de empresa-veículo para o fim pretendido, jamais impediria a dedução do ágio por ausência de impedimento legal.

A esse propósito, a empresa-veículo nunca foi objeto de regulação por lei, portanto, a decisão do STJ é aplicável aos casos ocorridos antes e depois de 12/14. É certo que essa conclusão não é aplicável a operações que sejam feitas à margem da lei, com vícios que as tornem imprestáveis, tanto para fins de direito privado quanto para fins fiscais.

 Uma vez completada a compra das ações pela empresa-veículo, foi ela incorporada pela companhia, de tal sorte que o ágio pago nas compras, remanesce na companhia, suscetível de ser por ela aproveitado. Essa solução final também foi examinada pelo STJ que nela não viu ilegitimidade de vez que a operação considerada em seu todo, desde a aquisição, pela empresa veículo,  até a incorporação da veículo pela companhia, ocorreu entre partes não relacionadas ou dependentes, no caso, os acionistas que não estavam vinculados ao controlador por laços societários; houve a aquisição com efetivo pagamento de preço e de ágio fundado em rentabilidade futura e, por fim, houve a absorção de patrimônio (incorporação) entre investidora e investida (empresa-veículo), assim cumprindo-se todos os passos da lei para que o ágio gerado possa ser amortizado.

Como o STJ deixa claro, nem sempre a complexidade da estrutura negocial e societária adotada implica que a operação seja tida como inapropriada, para fins fiscais, como tentam as autoridades fazer crer.

 Por fim, cabe comentar a pecha de falta de propósito negocial na operação, como é corriqueiro ocorrer nas autuações dessa natureza feitas pelas autoridades fiscais. O STJ, de maneira clara e objetiva, relembra que embora seja justificável a preocupação das autoridades quanto às reorganizações societárias artificiais, não se permite à autoridade fiscal com o objetivo de buscar o "propósito negocial" das operações, impedir a dedutibilidade, por si só, do ágio sob os fundamentos alegados na autuação, p. ex. a existência de empresa-veículo, pois estaríamos diante de uma presunção suportada na ausência de causa jurídica na constituição da empresa veículo quando, à luz dos fatos, restou  evidenciado  que ela desempenhou seu papel com absoluta adequação.

Ainda, cabe considerar que há outros elementos importantes que afastam os vícios apontados na operação e que lhe dão substância jurídica a saber: (i) a OPA sempre passa pelo crivo da CVM, inclusive a constituição da empresa-veículo, bem como as condições da oferta de compra que ela faz,  que devem atender a todas as suas exigências, logo, parece fora de cogitação afirmar que o ágio amortizado não cumpre com as condições de dedutibilidade quando toda a transação foi examinada e aprovada pelo principal órgão regulador do mercado de capitais; (ii) as ações são compradas em leilão público, o que evidencia  a seriedade e dignidade da operação; (iii) as compras são feitas a valor de laudo, logo a valor de mercado no momento da transação, afastando-se dúvidas quanto às práticas de preço com a finalidade exclusiva de gerar ágios; (iv) a OPA resulta no cancelamento do registro da companhia como aberta, junto à CVM, logo imaginar que  transação dessa natureza e importância tenha sido feita apenas, com finalidades fiscais está fora de cogitação;  (v) efetiva liquidação de instrumentos de financiamento eventualmente criados pela empresa-veículo, p.ex. debêntures, para demonstrar a necessidade de toda a construção que se fez  e (v) incorporação da empresa veículo pela companhia.

É certo que outras operações, mediante o uso de empresa-veículo, que não passem pelo crivo da CVM, podem apresentar, em certas circunstâncias, vícios que as contaminem ficando evidenciado que o uso do veículo somente se fez para gerar o benefício fiscal de dedução do ágio. Nesse caso razão assistirá às autoridades fiscais, se assim demonstrado e provado.

Na hipótese objeto de decisão do STJ, entretanto, a operação é transparente e legítima e assim esse tribunal se manifestou, criando, felizmente, o primeiro precedente que muito ajudará os contribuintes em suas defesas e futuras reorganizações. É certo que essa decisão, da Primeira Turma, não significa a consolidação do entendimento dos contribuintes, pois para isso é necessário que haja confirmação da 2ª Turma do STJ e, por fim o decidido seja referendado pela 1ª Seção do STJ.

A despeito disso, repita-se, a decisão do STJ cumpre um papel extremamente importante, pois dá aos contribuintes a certeza de que sua operação é legítima e não maculada, como pretendiam as autoridades, podendo decisões dessa natureza alavancar o mercado de fusões e aquisições, de que o Brasil tanto necessita.

 


[1] O Ofício – Circular/CVM/SNC/SEP Nº 01/2004, substituído pelo Ofício-Circular/CVM/SNC/SEP/nº 01/200, consolidou todos os Ofícios editados a partir de 1994. 

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  • é mestra e doutora em Direito Tributário pela PUC-SP, professora no curso de mestrado profissional da Escola de Direito de São Paulo/FGV e nos cursos de especialização do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), do Instituto Brasileiro de Direito Tributário (IBDT) e da Escola de Direito do CEU—IICS e advogada em São Paulo.

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