Reflexões Trabalhistas

Trabalho durante as férias e direito à remuneração dobrada

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22 de setembro de 2023, 13h19

A expressão férias vem do latim feriae, que significa repouso em honra dos deuses, e daí, dia de descanso, dias feriados, férias, festas. A história da Roma antiga revela que o povo comemorava, com jogos, sacrifícios e banquetes, o princípio e o fim das colheitas, vindimas etc., sendo tais festejos denominados de "férias", pois eram consagrados aos deuses e considerados dias de purificação.

Portanto, as férias são um período de descanso, que têm como objetivo a manutenção da saúde do empregado e a restauração de seu equilíbrio físico e psíquico.

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Trata-se de um direito fundamental, de caráter imperativo, que não pode ser objeto de renúncia, em que o empregado tem direito à remuneração integral, como se estivesse trabalhando.

A época de concessão das férias é determinada pelo empregador, independentemente da vontade ou autorização do empregado, desde que ocorra dentro dos doze meses seguintes à aquisição do direito, ou seja, dentro do período concessivo. A comunicação ao empregado do período de férias deve ser feita por escrito e com antecedência mínima de 30 dias.

Apesar de a Convenção Internacional nº 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, estabelecer que a concessão das férias será determinada pelo empregador, somente após consulta do trabalhador, a jurisprudência nacional entende que a decisão referente à época de concessão das férias é exclusiva do empregador, salvo no caso de empregado estudante, menor de 18 anos, que terá o direito de coincidir seu período de descanso com as férias escolares.

Assim, segundo a atual legislação trabalhista, após doze meses de trabalho, o empregado terá direito a 30 dias corridos de férias (desde que não tenha faltado ao serviço mais de cinco vezes sem justificativa).

Se as férias não forem concedidas dentro do período concessivo, o empregador pagará sua remuneração em dobro, inclusive a gratificação constitucional, podendo, ainda, o empregado ajuizar reclamação judicial para que a época do gozo das férias seja determinada por sentença.

Durante as férias, o empregado tem o direito de receber a remuneração habitualmente paga, acrescida da gratificação constitucional de 1/3 sobre o salário normal. O referido pagamento (remuneração e gratificação de 1/3) deve ser efetuado antecipadamente, ou seja, dois dias antes da concessão das férias, para garantir os meios econômicos necessários para que o trabalhador desfrute de seu merecido descanso.

Infelizmente, porém, é comum, nos dias de hoje, que o empregado continue a desenvolver suas atividades durante o período em que deveria estar descansando. Muitas vezes, em razão do tipo de atividade, mesmo não comparecendo presencialmente à empresa para trabalhar, o empregado continua conectado, respondendo e-mails, mensagens e até mesmo, participando de reuniões.

Neste caso, as férias não atingiram seu objetivo, pois o empregado não se afasta do ambiente estressante de suas atividades, para relaxar, praticar atividades de seu interesse, ou, simplesmente, para não fazer nada.

O trabalho, mesmo que à distância ou remoto, durante as férias, equivale à sua não concessão, garantindo ao empregado o direito de gozá-las em outra oportunidade, ou, na hipótese de rescisão do contrato de trabalho, o direito de recebê-las novamente.

Deste modo, se nas férias, o empregado continua a trabalhar, deverá o empregador pagá-las como se não tivessem sido concedidas, já que não foi atendida a finalidade do instituto que é o direito ao descanso anual.

Sobre o tema, inúmeras são as decisões que determinam o pagamento dos salários em dobro, quando comprovada a prestação de serviços no período de férias:

FÉRIAS TRABALHADAS. PAGAMENTO EM DOBRO. Comprovado o trabalho prestado durante o período de férias, o trabalhador faz jus ao respectivo pagamento em dobro, devidamente acrescido do terço constitucional. (TRT-3 – ROT: 00102648620225030005 MG 0010264-86.2022.5.03.0005, Relator: Marco Antonio Paulinelli Carvalho, Data de Julgamento: 29/03/2023, Decima Primeira Turma, Data de Publicação: 30/03/2023.)
FÉRIAS TRABALHADAS. PAGAMENTO DOBRADO DEVIDO. Evidenciada a prestação de serviços em período destinado à fruição de férias, é devido o pagamento dobrado destas, sem prejuízo da remuneração correspondente aos dias trabalhados. Recurso da autora a que se dá parcial provimento. (TRT-9 – ROT: 00012985020195090013, Relator: BENEDITO XAVIER DA SILVA, Data de Julgamento: 24/02/2022, 7ª Turma, Data de Publicação: 15/03/2022)
FÉRIAS TRABALHADAS. DOBRA DEVIDA. É devido o pagamento da dobra das férias, acrescida do terço constitucional, quando comprovada a prestação de serviço no período que seria destinado à fruição do período de descanso. (TRT-4 – ROT: 00205013320195040305, Data de Julgamento: 22/06/2022, 1ª Turma)

Porém, para que o pagamento em dobro seja concedido judicialmente, é fundamental que o empregado comprove, de forma inequívoca, a prestação de serviços durante as férias:

FÉRIAS TRABALHADAS. PAGAMENTO EM DOBRO. PROVA. Juntados aos autos os recibos de pagamento e concessão das férias, ao reclamante recai o encargo de comprovar ter laborado nos períodos indicados nos documentos. Assim não ocorrendo, é indevido o pagamento em dobro do descanso anual. (TRT-2 10013385320205020052 SP, Relator: ROSANA DE ALMEIDA BUONO, 3ª Turma – Cadeira 5, Data de Publicação: 31/05/2022)
FÉRIAS TRABALHADAS. ÔNUS DA PROVA. A concessão de férias é questão de saúde do trabalhador. Por isso, a legislação exige que o empregador mantenha os documentos relacionados à sua concessão, sendo seu ônus, portanto, comprovar o efetivo gozo das férias pelo empregado. Apresentados os avisos e recibos de férias devidamente assinados pelo empregado, o ônus de comprovar que se ativou no trabalho nos respectivos períodos, passa a ser da parte autora. (TRT-12 – ROT: 00011745720185120033, Relator: GISELE PEREIRA ALEXANDRINO, 5ª Câmara)

Conclui-se que as férias atendem aos objetivos justificadores dos intervalos e descansos trabalhistas, quais sejam, metas de saúde e segurança do trabalho, além da reinserção familiar, comunitária e política do empregado, para garantir a ampla recuperação das energias físicas e mentais, após longo período de prestação de serviços.

Neste contexto, por serem as férias um direito irrenunciável, uma vez obstado o empregado do gozo das férias, é devido o pagamento dobrado da respectiva remuneração, visto que a finalidade do referido instituto, qual seja, descanso anual, não foi atingida.c

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