Opinião

Proposta de reforma tributária: um salto no escuro

Autor

  • Mary Elbe Queiroz

    é advogada tributarista sócia da Queiroz Advogados Associados pós–doutora em Direito Tributário (Universidade de Lisboa – Portugal) Doutora em Direito Tributário (PUC-SP) mestre em Direito Público (UFPE) professora e presidente do Conselho Jurídico do Ibrei.

22 de setembro de 2023, 19h14

Sou a favor de uma reforma tributária que traga simplificação, transparência e equilíbrio entre a arrecadação e a obrigação de pagar tributo. Não é isso o que foi aprovado, porém, e ainda há muita promessa no ar.

É que lei complementar irá dizer tudo, isto é, foi dado um salto no escuro. Aprovou-se um novo sistema em que se desconhece até a alíquota do tributo (25% ou 30%). Não se pode aprovar uma reforma sem saber quanto vai se pagar. É certo que haverá aumento para quem paga.

E a longa transição? É porque não se sabe o impacto na economia, sobre contribuintes e arrecadação. Estados e municípios perderão a autonomia e ficarão à mercê de um conselho e de um fundo. Há muita promessa de geração de emprego e de mais investimentos, sem dizer como, quando e quanto. Impossível se prever todas as variáveis econômicas, inclusive, internacionais.

O Conselho Federativo (Conselhão) será o quarto poder do país? Ele terá mais poder do que o Executivo, o Legislativo, o Judiciário e os estados e municípios, e estes ficarão dependendo dos 54 membros do conselho.

A simplificação vai demorar, pois são mais de 150 alterações constitucionais com complexidade tributária, além de precisar de lei complementar e de outras normas. Durante oito anos, serão dez tributos. Some-se a complexidade atual com a dos cinco novos, e a reforma terminará daqui a 52 anos. Quem viver verá?

Foi aprovada a eliminação de cinco tributos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) e criados outros cinco: dois sobre valor agregado: o IVA dual, dividido em CBS (IVA Federal); o IBS (IVA subnacional), para estados, Distrito Federal e municípios; e o IS seletivo para produtos prejudiciais à saúde e ao meio ambiente (quais?). Continua o IPI (alíquota zero por oito anos) e continua a contribuição sobre iluminação pública. Foi permitido criar uma contribuição cumulativa, com tributação na origem e incidindo sobre exportações, para os estados sobre produtos primários e semielaborados que incidirá sobre todos os tributos (novos litígios).

Sobre a não cumulatividade que se diz plena, a compensação de débitos e créditos poderá ocorrer somente quando comprovado o pagamento do IBS, mais problemas para os adquirentes, inclusive indústria e comércio, que poderão não se creditar de tudo (há restrições para bens de uso e consumo) e todos deverão aguardar o vendedor pagar para compensar o crédito ou o adquirente pagar para compensar (inacreditável) e o IS será cumulativo. Os créditos acumulados em 2032 somente serão devolvidos em 20 anos.

Surgem problemas para os prestadores de serviços: a maior parte dos seus custos é mão de obra que não gera crédito. A carga será exorbitante, poderá majorar de 200% a 600%. É equivocado pensar que é rico quem consome serviço, todos são consumidores e ainda irá onerar a cadeia intermediária. A tributação do serviço não era menor (ideia errada), apenas diferente, o setor é o maior gerador de empregos e poderá estar no meio da cadeia onerando indústria e comércio.

O novo modelo irá pesar no bolso do consumidor final que pagará a conta, especialmente a classe média, os mais pobres terão a devolução do imposto (quem? como? quanto?).

Precisa ser esclarecido como funcionará o fundo para compensar as perdas estaduais/municipais. Com o IVA dual os estados perderão a capacidade de reduzir alíquotas e dar benefícios do ICMS para atrair investimentos, o dinheiro será distribuído por meio de cotas, mas não está claro o quanto cada estado e município irá perder ou ganhar. Há ainda o fundo nacional de desenvolvimento regional que ficará na mão da União para decidir como serão dados incentivos para o desenvolvimento de regiões menos favorecidas que ficarão de pires na mão.

Está prevista uma redução em até 60% do IVA dual para bens e serviços específicos, como: transporte público, medicamentos, dispositivos médicos, educação, agropecuária, alimentos e produtos de higiene pessoal; e atividades artísticas e culturais. Mesmo 60%, é um grande aumento, sem crédito.

Sobre o Simples Nacional, embora não seja extinto o regime, isso tenderá a acontecer. Se permanecerem as alíquotas atuais, os créditos dados serão baixos, afetando a concorrência entre elas e as demais empresas. Sair do Simples e ter uma tributação mais alta não é uma opção viável, pois o aumento afetará mais de 90% das empresas nacionais.

É preciso entender como ficarão regiões menos favorecidas que hoje têm incentivos fiscais, como a Zona Franca de Manaus e o Nordeste. Ficarão à mercê de um fundo com impacto muito maior no desenvolvimento do país?

O sistema financeiro, operações com imóveis, planos de saúde e loterias terão um regime específico e diferenciado, mas qual e por quê? Esse é um item crítico, apesar de a justificativa ser a de que o setor tem operação complexa, que não tem crédito e pode gerar aumento para o usuário. Ora, as sociedades de profissão regulamentada como de tecnologia, médicos, engenheiros, contabilistas e advogados, por exemplo, também são assim e não terão tratamento diferenciado. Além disso, o texto não deixa claro que tipo de benefício seria esse, o que só piora a situação e exige esclarecimentos.

Avanços importantes foram a unificação da legislação, tributação por fora e imposto no destino (para o IVA dual), a cesta básica nacional (quais produtos?), questão ambiental, produtos da saúde menstrual.

Cuidado com a importação acrítica de modelos, pois aqui a realidade é diferente, com 27 unidades federativas e 5.568 municípios.

Agora com a palavra o Senado, ao qual caberá ajustar a proposta, sob pena da ineficiência do modelo!

Autores

  • é advogada sócia de Queiroz Advogados Associados, coordenadora do curso de pós-graduação do IBET em Pernambuco, professora, pós-doutora pela Universidade de Lisboa, doutora em Direito Tributário (PUC/SP), mestre em Direito Público (UFPE), pós-graduação em Direito Tributário: Universidade de Salamanca – Espanha e Universidade Austral – Argentina, pós-graduação em Neurociência (PUC/RS), presidente do Instituto Pernambucano de Estudos Tributários, presidente do Conselho de Notáveis do Instituto das Juristas Brasileiras, membro Imortal da Academia Nacional de Ciências Econômicas e Políticas Sociais, membro do Comitê Superior de Assuntos Jurídicos e Legislativos da FIESP (CONJUR), membro do Conselho da Mulher da ACP, consultora da CNC, líder do Comitê Vozes do Grupo Mulheres do Brasil – Recife-PE e tem livros e artigos publicados e palestras no Brasil e exterior.

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