Opinião

Prescrição da pretensão executória e presunção de inocência do réu

Autor

  • Galtiênio da Cruz Paulino

    é mestre pela Universidade Católica de Brasília doutorando pela Universidade do Porto pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp orientador pedagógico da ESMPU ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

20 de setembro de 2023, 6h31

O Supremo Tribunal Federal, no ARE 848.107/DF (Tema 788 RG), firmou entendimento de que a prescrição da pretensão executória da pena fixada em sentença condenatória só iniciará com o trânsito em julgado para ambas as partes. 

Na ocasião, entendeu-se que é condição de exercício da pretensão executória do Estado a constituição definitiva do título judicial condenatório, visto que, com base no princípio da presunção de inocência, só é possível a execução de decisão condenatória após o trânsito em julgado.

Além disso, não se pode olvidar que a prescrição é resultado da inércia da parte, ausente quando não há o trânsito em julgado para ambas as partes da decisão condenatória, pois, enquanto pendente para um dos lados o trânsito em julgado, resta obstada a atuação da parte adversária.

Por fim, a adoção literal do artigo 112, inciso I do Código Penal [1], que fundamentava o entendimento de que a prescrição poderia se iniciar após o trânsito em julgado para a acusação, mesmo que pendente a análise de recurso da defesa, além de ferir a ordem jurídico-normativa, incentivava a interposição de recursos com fins meramente procrastinatórios, tornando ineficaz o processo penal, bem como ampliava o estado de violação à presunção de inocência do acusado, enquanto regra de tratamento, por meio da procrastinação desnecessária da marcha processual.

A presunção de inocência apresenta-se como um princípio de caráter informador do sistema processual penal, na medida em que deve nortear a aplicação das sanções penais, sempre respeitando valores como a dignidade da pessoa humana. Esse princípio deve estar presente no momento de aplicação da pena (in dubio pro reo), deve ser regra de tratamento do acusado e materializar uma projeção de igualdade do acusado frente ao aparato sancionador do Estado, objetivando que ele possa se defender de maneira plena. Tal princípio garante a todos que só serão acusados por meio de um processo justo, sem qualquer arbitrariedade ou viés condenatório.

A inocência, quando concebida como um status inerente ao acusado, redunda em uma regra de tratamento [2] cujo foco é a dignidade da pessoa humana, definida como "um direito fundamental associado ao direito à defesa" [3]. Assim, "antes da sentença final, toda antecipação de medida punitiva ou que importe o reconhecimento da culpabilidade viola esse princípio fundamental" [4].

Enquanto regra de tratamento, a presunção de inocência está diretamente relacionada com a celeridade processual. Em Portugal, por exemplo, será respeitada a presunção de inocência do acusado quando ocorrer a rápida solução da demanda criminal, ante a previsão na Carta Suprema portuguesa da necessidade de se buscar um julgamento "no mais curto prazo compatível com as garantias de defesa".

A resolução demorada para o processo, segundo Alexandre Vilela [5], enraíza na sociedade e no acusado "um sentimento de culpa" que não será afastado mesmo diante de uma decisão absolutória. Com a celeridade, objetiva-se evitar reações de vingança da vítima e fúria da população.

A respeitabilidade da justiça, visada pelo constituinte português, baseia-se na celeridade e na simplificação dos atos/procedimentos, sempre tendo em mente o respeito aos direitos fundamentais. O tempo posterga a dúvida sobre a inocência do arguido.

Nesse cenário, algumas consequências advindas do posicionamento anterior  que admitia o início do prazo prescricional quando a decisão condenatória transitava em julgado apenas para a acusação [6]  deixarão de ocorrer. É o caso do incentivo à interposição de recursos pela acusação com fins meramente procrastinatórios, buscando evitar o início do prazo prescricional. Por conseguinte, possibilita-se um contexto de solução processual-criminal mais célere, afastando, em caso de absolvição, de forma mais rápida, o "sentimento de culpa" que paira sobre o acusado em situações em que o processo que está respondendo está em curso.

 


[1] Artigo 112 – No caso do artigo 110 deste Código, a prescrição começa a correr: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

I – do dia em que transita em julgado a sentença condenatória, para a acusação, ou a que revoga a suspensão condicional da pena ou o livramento condicional;

(…)”

[2] SILVA, César Higa. El derecho a lapresunción de inocência desde elo unto de vista constitucional. Revista Derecho & Sociedad, nº 40, 2013, pp. 113-120.

[3] AGUILAR-GARCÍA, Ana. Presumption of innocence and public safety: a possible dialogue. Stability: International Journal of Security & Development, 3(1):41, pp. 5. Trad. Livre.

[4] GOMES FILHO,Antônio Magalhães. Presunção de inocência e prisão cautelar. São Paulo:Saraiva,1991,p.43.

[5] VILELA, Alexandre. Considerações Acerca da Presunção de Inocência em Direito Processual Penal. Coimbra: Coimbra, 2005, p.18.

Autores

  • é mestre pela Universidade Católica de Brasília, doutorando pela Universidade do Porto, pós-graduado em Direito Público pela ESMPU e em Ciências Criminais pela Uniderp, orientador pedagógico da ESMPU, ex-procurador da Fazenda Nacional e atualmente procurador da República e membro-auxiliar na Assessoria Criminal no STJ.

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