Trabalho Contemporâneo

A pergunta de R$ 1 bilhão: Direito do Trabalho, da empresa ou do trabalhador?

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19 de setembro de 2023, 11h01

A notícia trabalhista da semana foi a condenação da empresa Uber em dano moral coletivo de R$ 1 bilhão, além do reconhecimento do vínculo de emprego com os motoristas, decorrência de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Trabalho.

A questão de mérito da ação já foi muito debatida, as pessoas já firmaram seus entendimentos sobre o caso, existindo basicamente três correntes: pelo vínculo de emprego; por relação de trabalho sem vínculo (de preferência com uma nova regulamentação trabalhista); e por mera relação civil/comercial, em que o motorista apenas contrata com uma empresa de tecnologia o uso de um aplicativo mediante remuneração.

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Confesso que o tema já cansou, resta agora apenas esperar uma decisão final, pois óbvio que todos os recursos serão interpostos, cabendo a solução ao STF (Supremo Tribunal Federal), onde se imagina maior possibilidade de não enquadramento como relação de emprego, na esteira de julgamentos em que o caminho tem sido de reconhecer a liberdade de contratação e a dignidade de outras formas de se trabalhar que não a celetista.

Estranho, mas é o STF, e não a Justiça do Trabalho (e muito menos o Congresso), que tem mudado os rumos da evolução do Direito do Trabalho no Brasil.

Deixando tal polêmica de lado, bastante curioso é, novamente, perceber que a área trabalhista ainda não consegue superar algumas ideias do passado, da sua construção histórica decorrente do conflito capital-trabalho inerente a uma luta de classes, desejando uma intervenção estatal que possa tutelar o mais fraco dessa relação, ainda que atropelando seus interesses pessoais.

O Ministério Público do Trabalho, que parece encarnar apenas o viés de proteção ao trabalhador, e não necessariamente ao ordenamento jurídico ou ao interesse público, do alto de sua compreensão caridosa e movida por sentimentos benevolentes, insiste em provocar, à força e sem consultar os destinatários, as mudanças que considera necessárias para realização do bem ideal, pouco importam as consequências.

O tema foi muito bem tratado em artigo do jurista e querido amigo André Zipperer nesta mesma ConJur, uma das maiores autoridades do tema no Brasil. Recomendo a leitura.  Não preciso, portanto, reforçar o que já foi ali defendido.

Prefiro, neste espaço, refletir sobre o papel do Direito do Trabalho, disciplina tão querida e apaixonante sobre a qual me debruço há cerca de 30 anos e, de quebra, pensar se nós estamos utilizando essa ferramenta de forma adequada.

Geralmente quando nos deparamos com a doutrina trabalhista ficamos seduzidos pelo viés protetivo capaz de gerar Justiça Social. Acreditamos que o mal da nossa área reside na figura do capitalista empreendedor, que odiosamente explora a mão de obra e dela retira não apenas os meios de produção, mas os frutos do trabalho.

Em uma fórmula simplista, muitos acreditam que o remédio para sanar esta vil ação do capital, encarnado como empregador, é simplesmente retirar de um para transferir ao outro, reequilibrando a equação através de uma distribuição de renda realizada após o fim do contrato de trabalho e por força de decisão judicial.  Sim, a Justiça do Trabalho, atuando em tal mister, é, na verdade, uma Justiça de desempregados.

Funciona como uma espécie de vingança, ou de poupança diferida, ou de revalorização da remuneração após o contrato, pois a bem da verdade o valor real da força de trabalho somente é conhecido ao final, depois da intervenção estatal via ajuizamento da reclamação trabalhista. Algo como a máxima de que no Brasil até o passado é incerto.

Óbvio que essa forma de entender o Direito do Trabalho, como o mecanismo que viabiliza teoricamente este estado de coisas, produz a imensidão de ações trabalhistas (na casa dos milhões anualmente), gera enorme insegurança jurídica (cada juiz possui seu "entendimento"), dificulta o planejamento do empresário, enfim, tudo desestimulando o investimento e a atração de capital.

Atrair capital? Não é este o grande inimigo abstrato do ser humano trabalhador? Qual o problema de assim usarmos o Direito do Trabalho?  Se o capital produz a exploração, melhor aniquilar de uma vez por todas este vilão, certo?

Errado. E não há necessidade de estudar economia para compreender que o capital não é nem nunca foi inimigo do trabalhador e que, pasmem, sem capital não há Direito do Trabalho. A aversão ao capitalismo por quem é da área trabalhista constitui um paradoxo insano.

A área trabalhista precisa ser refundada, revista, incluindo em seu objeto de estudo, a empresa, a compreensão de que trabalho e capital são parceiros inseparáveis, fomentando a inovação para estimular cada vez mais a qualidade do capital humano, desejando crescimento econômico para que o bem estar geral possa ser alcançado.

O valor do trabalho agregado a investimentos (educação, qualificação, tecnologia etc.) produz uma espiral de riqueza que beneficia a todos, trabalhadores e empresários, aumentando a produtividade e, obviamente, o valor da remuneração de quem gasta energia de trabalho.

Fomentar novos modelos de negócios, permitir a inovação, viabilizar as mudanças na forma de gestão das empresas, incentivar através da segurança jurídica a realização de investimentos, estabelecer os limites para uso da força de trabalho, este é o real papel do Direito do Trabalho.

Decisões como a de R$ 1 bilhão, obviamente respeitando o entendimento do colega, podem gerar um efeito negativo muito maior do que simplesmente fechar a própria empresa condenada, se confirmada nas instâncias superiores, pois ao empresariado, nacional e internacional, fica sempre a tal espada de Dâmocles, suspensa apenas por um fio de cabelo, que qualquer juiz pode cortar.

Vivemos em um país cheio de riquezas, mas com contrastes absurdos. Convivemos com miséria absoluta em qualquer cidade desenvolvida, sendo já patente que o modelo de proteção de trabalho celetista, por si só, não resolve o problema das injustiças sociais que reinam em nosso meio.

A verdade é que o trabalhador subordinado, empregado, serve a um grande propósito de manutenção das coisas como estão, já que a ele jamais será dado reger a própria vida e interesses, incapaz, como hipossuficiente, de fazer a mais basilar das escolhas, o tipo de contrato de trabalho que deseja.

A imposição do vínculo de emprego, por incrível que pareça, pode ser mais um castigo ao trabalhador do que uma punição ao empresário.  Uma reprimenda para quem ousou sair dos limites de controle do Estado, pois via CLT não só se garantem direitos trabalhistas, mas a existência de toda a estrutura criada em torno do trabalho subordinado, incluindo nós, juízes.

Curiosamente, hoje mesmo há reportagem no sentido de que a decisão de 1 bilhão não agradou aos motoristas.  Pior que tenho certeza de que o MPT e a Justiça do Trabalho, de forma majoritária, não se importarão com o fato, pois assumem que sabem o que é melhor para os próprios afetados pela decisão, pobres explorados que não alcançam o benefício recebido.

O caminho celetista, louvável para sua época e em parte ainda justificável, peca por iludir o trabalhador quanto ao seu futuro, já que é da sua essência a permanência da dependência que necessita sempre de um garantidor.

Não há possibilidade de liberdade nem de autonomia, muito menos de empreendedorismo no mundo da CLT. Ao trabalhador a subordinação, ao empregador o risco, não apenas do negócio, mas da interpretação sob o viés intervencionista.

O grande erro é confundir o fenômeno do trabalho com a figura do trabalhador.  A ciência do Direito do Trabalho, na verdade, compreende tanto a empresa como o prestador de serviços. Precisamos erradicar as ideologias totalitárias, recheadas de boas intenções, que impregnam a compreensão da total dimensão da convivência entre capital e trabalho.  Entender a história e viabilizar sua evolução.

Da minha parte fica o compromisso como professor: que venha o Direito Empresarial do Trabalho. Em breve darei mais notícias.

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