Reflexões Trabalhistas

Os limites da autonomia negocial coletiva na Justiça do Trabalho

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho consultor jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos entre eles Direito Ambiental do Trabalho e a Saúde do Trabalhador.

15 de setembro de 2023, 9h19

Principal questão sobre negociação coletiva diz respeito a saber se os respectivos sujeitos podem tratar livremente de qualquer assunto trabalhista.

Não resta dúvida sobre a importância e necessidade da negociação coletiva para resolver conflitos de trabalho, como, aliás, está assegurada e mesmo prestigiada pela Carta constitucional brasileira de 1988, como consequência da liberdade sindical insculpida no seu artigo 8º e seguintes.

A importância da negociação coletiva é reconhecida pela Corte Suprema do país, in verbis:
"EMENTA: DIREITO DO TRABALHO. ACORDO COLETIVO. PLANO DE DISPENSA INCENTIVADA. VALIDADE E EFEITOS. 1. … 2. … 3. … 4. A Constituição de 1988, em seu artigo 7º, XXVI, prestigiou a autonomia coletiva da vontade e a autocomposição dos conflitos trabalhistas, acompanhando a tendência Supremo Tribunal Federal mundial ao crescente reconhecimento dos mecanismos de negociação coletiva, retratada na Convenção nº 98/1949 e na Convenção nº 154/1981 da Organização Internacional do Trabalho. O reconhecimento dos acordos e convenções coletivas permite que os trabalhadores contribuam para a formulação das normas que regerão a sua própria vida.(…)" (RE 590.415, PLENÁRIO, 30/04/2015. relator ministro Roberto Barroso).

Não obstante sua importância e necessidade, a negociação coletiva não é irrestrita em termos de matérias a serem por ela tratadas, encontrando limites e temperamentos nas normas de caráter indisponível, que, por isso, não podem ser derrogadas ao talante das partes.

O Direito do Trabalho tem por fundamento primeiro o princípio da proteção do trabalhador, visando exatamente contrabalancear o desequilíbrio econômico, social e político que há e sempre haverá entre empregados e empregadores.

Com a Lei nº 13.467/17, que promoveu reforma trabalhista no país, sobreveio como um dos seus principais objetivos a possibilidade de as condições negociadas entre patrões e empregados por intermédio de Convenção Coletiva ou Acordo Coletivo de Trabalho prevalecerem sobre as normais legais existentes, conforme disposto nos incisos do artigo 611-A da CLT.

A nova alteração legal trouxe permissivo mais amplo para a negociação coletiva, com a prevalência do negociado sobre o legislado em desfavor dos trabalhadores, atingindo até direitos sociais mínimos, o que viola os princípios norteadores do Direito do Trabalho brasileiro, como, por exemplo, o da prevalência da norma mais favorável, da irrenunciabilidade de direitos, da adequação setorial negociada e do princípio da vedação ao retrocesso social, expresso em diversas convenções internacionais ratificadas pelo Brasil.

Essa permissão de ampliação da negociação coletiva prevalecente sobre a lei, como nos parece, não assegura que sindicatos e empresas firmem instrumentos coletivos de trabalho regulando e flexibilizando, por exemplo, as cotas de aprendizagem e excluindo certas ocupações da base de cálculo dessas cotas, como já tem ocorrido. Também, a exemplo, tem ocorrido o mesmo em relação às cotas de pessoas com deficiência, diminuindo o número de vagas a serem preenchidas por trabalhadores aprendizes ou com deficiência. Também não podem tratar de normas sobre saúde, higiene e segurança do trabalho, que são indisponíveis e inderrogáveis ao talante das partes.

Negociação sobre esses itens, exemplificativamente falando, é imprópria, porque contraria a Constituição Federal e a legislação trabalhista que regulam matérias de ordem publica, de natureza indisponível, que não podem ser reguladas pelas partes em patamares abaixo da lei. Se for acima e para melhorar a condição dos trabalhadores, não haverá impedimento, pois estará de acordo com o princípio da norma mais favorável, que é o fundamento primordial da negociação coletiva, qual seja, atuar além da norma legal para melhorar a condição social dos trabalhadores, como preceitua o caput do artigo 7º da Constituição.

Neste ponto, cabe ponderar e lembrar que o artigo 611-B da CLT elencou as matérias que não podem ser objeto de negociação coletiva, que versem sobre direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores, assegurados pela Constituição Federal, destacando-se os incisos XXIII e XIV, que afirmam constituir objeto ilícito de CCT ou ACT a supressão ou a redução dos seguintes direitos, entre outros: proibição de trabalho noturno, perigoso ou insalubre a menores de 18 anos e de qualquer trabalho a menores de 16 anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de 14 anos (inciso XXIII); medidas de proteção legal de criança e adolescentes (inciso XXIV).

De qualquer forma, os permissivos sobre o que pode e não pode e como deve ser negociado decorrem da compreensão do artigo 7º da Constituição, que diz serem direitos dos trabalhadores o constante dos seus incisos, além de outros que visem à melhoria de sua condição social.

É nesse modelo que deve ser interpretado e aplicado o disposto no artigo 611-A da CLT, o qual não pode ser visto isoladamente.

Cabe lembrar que o Comitê de Perito da OIT se manifestou em 07/02/2018 sobre o disposto no artigo 611-A da CLT, trazido pela Reforma Trabalhista de 2017, alertando que tais disposições possibilitam a derrogação de direitos assegurados em lei, por intermédio de negociação coletiva, o que contraria preceitos inscritos nas Convenções 98 e 154 daquela Organização, ambas ratificadas pelo Brasil e incorporadas ao seu ordenamento jurídico.

Assim, a autonomia negocial das entidades sindicais e setor patronal, de regular, por intermédio de instrumentos normativos, termos e condições de emprego, não pode ser considerada absoluta, especialmente quando se desvia de sua finalidade essencial, que é o asseguramento dos direitos e garantias fundamentais dos trabalhadores e a melhoria da sua condição social, conforme preconiza o caput do artigo 7º da Constituição.

Autores

  • é doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP, professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal (UDF), mestre em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas, membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho, consultor jurídico, advogado, procurador regional do Trabalho aposentado e autor de livros jurídicos, entre eles, Ação Civil Pública na Justiça do Trabalho.

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