Transparência opaca

MPF tentou adesão do TCU a acordo de leniência que criaria fundação bilionária

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15 de setembro de 2023, 17h48

Diálogos entre procuradores da finada "lava jato" apreendidos na "operação spoofing", aos quais a revista eletrônica Consultor Jurídico teve acesso, mostram que os integrantes do Ministério Público tentaram a adesão do Tribunal de Contas da União ao acordo de leniência firmado pela J&F no bojo da autoapelidada "operação Greenfield".

José Cruz/Agência Brasil
Deltan Dallagnol estava em dúvida
sobre palestra para banco americano
José Cruz/Agência Brasil

Nas conversas, um procurador identificado como Paulo conta que participou —  com outra procuradora chamada Sara e Frederico Siqueira — de uma reunião com o ex-presidente do TCU Raimundo Carreiro e a equipe técnica do tribunal. 

"De início, eles expuseram que receberam com um pouco de surpresa o ofício nosso para que eles aderissem ao acordo ou participassem das tratativas de eventual aditamento/repactuação, mas registraram o apreço que trabalho interinstitucional que nossa FT tem desenvolvido desde o início", diz Paulo — os diálogos são reproduzidos nesta reportagem em sua grafia original. 

Ao relatar o encontro, o procurador deixou claros os laços entre a autodenominada força-tarefa e a organização não governamental Transparência Internacional, que já naquela época estava envolvida na negociação de "contrapartidas sociais" no acordo de leniência da J&F. 

"Chegando nossa vez de falar, fizemos uma narração geral de todo o histórico do acordo de leniência e de suas principais cláusulas, bem como explicamos a ideia dos projetos sociais como reparação social, ideia compartilhada pela Transparência Internacional." 

O pacto entre a Transparência Internacional e os procuradores quase resultou na formação de uma fundação. A nova instituição teria um orçamento bilionário controlado pela ONG e tarefeiros, e seria supostamente dedicada a disseminar práticas de "combate à corrupção".  A ConJur noticiou o caso em dezembro de 2020 e, na ocasião, o procurador-geral da República, Augusto Aras, bloqueou um repasse de R$ 270 milhões para a fundação gestada por MPF e TI.  O arquiteto da operação seria o conselheiro da TI e assessor informal da "lava jato" Joaquim Falcão.

Em um memorando, foi registrada a pretensão de destinar parte dos recursos do acordo, no valor total de R$ 10,3 bilhões, a um projeto de investimento na prevenção e no "controle social da corrupção". Custo dessa "campanha educativa": R$ 2,3 bilhões.

Resistência técnica
Conforme os diálogos, a equipe técnica do TCU se mostrou reticente à adesão do tribunal ao arranjo dos tarefeiros. "O Presidente do TCU mostrou-se até mais flexível à adesão, entendendo o documento somente como um acordo para acesso à prova; a equipe técnica é que se mostrou mais resistente. Como encaminhamento da reunião, ficaram os técnicos capitaneados por Rafael Jardim com a missão de estudar o documento (modelo de adesão institucional) e propor alterações que possam dar mais conforto à participação do TCU no processo em questão", diz trecho da conversa. 

Os procuradores também citam uma reportagem da ConJur sobre a decisão do TCU que afastou cláusula de delação da JBS.

Deltan e mercado financeiro
Em outro trecho, o ex-chefe da "lava jato", Deltan Dallagnol, mostra dúvida sobre aceitar um pedido de palestra remunerada do Citibank. "Acho ruim aceitar um desses pago porque tem chance de irmos pra cima, ou Vc acha frescura?", questionou Deltan. 

Em resposta, Paulo afirmou que não sabia se a instituição financeira estava relacionada a algum processo da "lava jato" e que, se esse fosse o caso, era melhor não aceitar. "Bom se vc ainda pensar em.se candidatar, receber dinheiro.de banco estrangeiro é um prato.cheio p a gleisi te criticar" (sic), alertou o procurador, citando a presidente do PT, Gleisi Hoffmann. 

O diálogo ocorreu no dia 30 de outubro de 2017. Nele, Deltan não rebate nem concorda. Mas fica claro que o interesse do grupo vai muito além do dever de ofício, já que trata de receber dinheiro "por fora" e para campanha eleitoral. O procurador, como se sabe, candidatou-se, elegeu-se mas acabou afastado.

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