Ambiente Jurídico

Julgamento dos embargos da ADI 4.757 e a competência administrativa ambiental

Autor

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

10 de setembro de 2023, 11h25

Na semana passada, chegou ao fim o julgamento dos embargos de declaração da ADI 4.757-DF, tendo o plenário seguido por unanimidade o voto da ministra Rosa Weber, relatora do caso, rejeitando o recurso da AGU e não conhecendo o da Petrobras. Essa sessão virtual, iniciada em 25 de agosto e finalizada em 1º de setembro deste ano, visava discutir alguns pontos do acórdão que teriam ficado pendentes de esclarecimento.

Spacca
A ADI 4.757 foi proposta pela Asibama, que entendia que a Lei Complementar 140/2011 era inconstitucional, uma vez que a competência administrativa ambiental não poderia ser objeto de disciplinamento. O objetivo da ação foi declarar a inconstitucionalidade integral dessa lei, ou ao menos dos seguintes dispositivos, que foram questionados com maior ênfase: artigo 4º, V, VI, artigo 7º, XII, XIV, h e parágrafo único, artigo 8º, XIII e XIV, artigo 9º, XIII e XIV, artigo 14, §§ 3º e 4º, artigo 15, artigo 17, §§ 2º e 3º, artigo 20 e artigo 21).

Lembrando que a Lei Complementar 140/2011 regulamentou a competência administrativa ambiental, fixando normas para a cooperação entre os entes federativos nas ações decorrentes do exercício da competência comum relativas à proteção das paisagens naturais notáveis, à proteção do meio ambiente, ao combate à poluição em qualquer de suas formas e à preservação das florestas, da fauna e da flora, nos termos dos incisos III, VI e VII do caput e do parágrafo único do artigo 23 da Constituição. Essa norma teve por escopo promover a descentralização da gestão ambiental, a otimização dos esforços e recursos públicos e a segurança jurídica, de forma a contribuir para a efetividade do direito ao meio ambiente.

Há dois pontos a serem destacados desse julgamento, dentre o que foi colocado na sessão virtual: o primeiro diz respeito à possibilidade ou não de prorrogação dos pedidos tempestivos de renovação das licenças ambientais, ao passo que o segundo diz respeito à possibilidade ou não de aplicação de sanções administrativas ambientais por mais de um ente ou pelo ente não responsável pelo licenciamento ambiental. Quanto ao primeiro ponto, ficou claro que o pedido tempestivo de renovação junto ao órgão ambiental competente gera a prorrogação automática da licença ambiental até que haja a manifestação definitiva deste:

"Destaco que, ao conferir interpretação conforme à Constituição ao § 4º do art. 14 da LC 140, esta Suprema Corte apenas fixou exegese no sentido de que, em havendo omissão ou mora administrativa imotivada e desproporcional, se torna legitima a atuação supletiva dos entes federativos, nos termos do art. 15 do mesmo diploma legal. Disso não resulta, no entanto, no afastamento da renovação automática até superveniente manifestação definitiva do órgão competente".

O § 4º do dispositivo em questão determina que a renovação da licença de operação deverá ser requerida com antecedência mínima de 120 dias da expiração do prazo de validade fixado na respectiva licença, ficando esta tacitamente prorrogado até a manifestação final, que poderá ser ou não pela renovação. Com isso, a insegurança jurídica pelo atraso da Administração Pública foi afastada, não devendo mais ocorrer a instauração da competência supletiva dos demais entes nesse tipo de situação.

É óbvio que esse deslocamento de competência forçado não é do interesse nem do órgão ambiental licenciador, nem dos órgãos não licenciadores e nem dos empreendedores envolvidos, pois tende a criar ainda mais demora e ainda mais conflitos entre os órgãos do Sisnama. Se a tramitação do processo já estava demorando dentro do órgão competente, o lógico é que essa demora será ainda maior caso o processo seja reiniciado em outro nível federativo, que muitas mal nem conhece tanto daquele tipo de atividade.

Isso implica dizer que o esclarecimento feito nessa decisão agora restabeleceu a sistemática anterior, segundo a qual o empreendedor não pode ser punido pela mora do Estado. Demais, essa renovação tácita se dá apenas nos casos de mera renovação de licença, não podendo ocorrer sequer ampliação, de forma que o controle ambiental da atividade já foi estabelecido.

Já quanto ao segundo ponto levantado, a decisão manteve o entendimento anterior de que o órgão não licenciador pode aplicar sanções administrativas ambientais se comprovada omissão ou insuficiência na tutela fiscalizatória. Isso abriu a possibilidade de ocorrência de bis in idem na aplicação dos autos de infração, estimulando assim uma espécie de guerra fiscal ambiental entre os entes federativos:

"(…) Quanto ao § 3º do art. 17 da mesma lei, a procedência do pedido veio a convergir com a necessidade de intensa proteção ao meio ambiente e com a imprescindibilidade de atuação sancionatória efetiva, nos termos do art. 225 da Constituição Federal.

Desse modo, a atuação dos órgãos ambientais deve ser coordenada, em âmbito administrativo, para dar concretude à deliberação desta Suprema Corte e à efetivação da salvaguarda do meio ambiente ecologicamente equilibrado".

Como inexiste um conceito jurídico objetivo de omissão ou insuficiência da tutela fiscalizatória, essa indeterminação pode levar os entes a criarem os seus próprios critérios, gerando conflitos entre os órgãos ambientais e insegurança no desenvolvimento das atividades econômicas. Isso significa que o critério da prevalência do órgão licenciador no que diz respeito às sanções administrativas ambientais foi deixado de lado, ao menos em parte, sob a justificativa de que o meio ambiente estaria melhor resguardado dessa forma.

O inciso XIII do artigo 7º da Lei Complementar 140/2011 determina que cabe à União controlar e fiscalizar as atividades cuja atribuição para licenciar seja federal, ao passo que o inciso XIII do artigo 8º dispõe o mesmo em relação aos Estados e o inciso XIII do artigo 9º o mesmo em relação aos municípios. Além do caput do artigo 17, que dispõe que "compete ao órgão responsável pelo licenciamento ou autorização, conforme o caso, de um empreendimento ou atividade, lavrar auto de infração ambiental e instaurar processo administrativo para a apuração de infrações à legislação ambiental cometidas pelo empreendimento ou atividade licenciada ou autorizada", o caput do artigo 13 garantiu o licenciamento ambiental em um único âmbito federativo e o § 2º vinculou a competência para a autorização de supressão vegetal ao próprio licenciamento, restando evidente a intenção da norma de otimizar a atuação dos órgãos ambientais ao tentar concentrar as ações em um mesmo nível.

Com efeito, a ideia da prevalência do órgão licenciador no que diz respeito às sanções administrativas ambientais é uma forma de apor racionalidade à ação comum dos órgãos ambientais tendo em vista os inúmeros conflitos anteriormente existentes. Além do mais, é uma forma de prestigiar o instituto do licenciamento ambiental, que é o instrumento por meio do qual a administração pública melhor conhece a respeito da atividade poluidora, pois se presume que quem licencia sabe mais do empreendimento.

Afora o prejuízo econômico quando se obstaculiza um empreendimento considerado regular pelo órgão licenciador, é preciso calcular os danos à credibilidade da legislação ambiental, do órgão ambiental licenciador e do próprio Estado. Isso indica que a fiscalização e as sanções administrativas devem despontar como mecanismos de garantia de efetividade do licenciamento ambiental, não se devendo abrir mão da segurança jurídica, consoante destaca Paulo de Bessa Antunes:

"Se se admitisse que os órgãos ambientais de diferentes esferas administrativas pudessem, a seu talante, embargar, paralisar e contestar atividades que se encontram autorizadas regularmente pelos demais integrantes do Sisnama, no uso normal e legal de suas atribuições, o sistema se tornaria completamente inviável. Aliás, a própria criação do Sisnama tem por finalidade última a organização de atribuições diferenciadas e a descentralização administrativa de forma cooperativa e harmônica" [1].

É interessante observar que o STF interpretou agora a Lei Complementar 140/2011 como se ela simplesmente não tivesse sido editada, pois esse não era apenas o quadro existente antes de sua edição, quando um ente interferia no licenciamento ambiental do outro por meio de autuações. Afinal de contas, os casos de duplo ou triplo licenciamento era incomuns, sendo a aplicação de embargos e multas a forma mais comum pela qual um órgão ambiental procurava se imiscuir na atribuição licenciatória alheia, pois muitas vezes um age como se fosse o corregedor do outro.

É claro que a decisão fez menção à possibilidade de resolução administrativa do assunto, o que remonta tanto à ideia de um acordo para o caso concreto quanto ao estabelecimento de um critério prévio geral para evitar sobreposição de autuações e interferências descabidas de um ente na seara do outro. Contudo, parece que a decisão não levou em consideração que os maiores embates do Direito Ambiental brasileiro ainda são os conflitos (negativos e positivos) de competência, e que não se pode esperar uma resolução administrativa quando o Poder Legislativo já se pronunciou sobre o assunto e o Poder Judiciário já foi instado a fazê-lo em sede de controle concentrado de constitucionalidade.

 


[1] ANTUNES, Paulo de Bessa. Comentários ao Decreto n. 6.514/2008 (infrações administrativas contra o meio ambiente). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 24.

Autores

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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