Prisão civil só deve ser afastada se houver prova da impossibilidade de pagar pensão
6 de setembro de 2023, 8h48
A prisão civil do devedor de pensão alimentícia é um instrumento válido de coerção e só deve ser afastada em caso de absoluta impossibilidade da quitação da dívida, que deve ser robustamente comprovada.
Com esse entendimento, e por maioria apertada de votos, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça negou provimento ao recurso em Habeas Corpus ajuizado por um homem que ficou oito anos sem pagar pensão, mas há quatro anos tem cumprido a obrigação.
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ficou oito anos sem pagar pensão
Piqsels
A filha dele, representada pela mãe, ajuizou ação para cobrar alimentos em 2011, mas o devedor só foi localizado em 2019, quando passou a pagar a obrigação de R$ 370 por mês. A dívida acumulada no período anterior é de R$ 70 mil.
O Habeas Corpus foi impetrado diante do decreto da prisão civil, a medida autorizada pelo Código de Processo Civil para forçar o devedor a pagar a dívida. A pena pode durar até três meses em regime fechado, período no qual o devedor deve ficar separado dos presos comuns.
Historicamente, o STJ não tem sido flexível com os devedores de pensão alimentícia quando os beneficiários são crianças e adolescentes. Apenas em situações excepcionais ela é afastada — nos casos em que fica comprovado que a medida não é a mais eficaz para quitar a dívida.
Esse foi o ponto que gerou a divergência na 3ª Turma do STJ.
Sem urgência
Depois de ter a prisão civil mantida pelo Tribunal de Justiça de Goiás (TJ-GO), o devedor recorreu ao STJ com a alegação de que a medida é ilegal porque a dívida não é atual, nem urgente. Ele alegou que, por ser eletricista autônomo, o tempo encarcerado o impediria, inclusive, de continuar honrando os pagamentos.
A argumentação sensibilizou o relator da matéria, ministro Moura Ribeiro, que ficou vencido, ao lado do ministro Humberto Martins, ao propor o provimento do recurso. Para eles, o risco alimentar não está mais presente, sendo que a credora pode recorrer a outros meios para receber os valores devidos.
O ministro Moura Ribeiro classificou a medida como "desnecessária e ineficaz" e disse que ela serviria "mais como uma punição pelo inadimplemento da obrigação do que propriamente como técnica de coerção", além de prejudicar os pagamentos futuros, por se tratar de autônomo.
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Lucas Pricken/STJ
Devido rigor
Venceu o voto divergente da ministra Nancy Andrighi, para quem não há motivos para flexibilizar a prisão civil depois de o devedor ficar oito anos sem prover o mínimo existencial para a própria filha. Ela foi acompanhada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva e Marco Aurélio Bellizze.
"Como se pode afirmar, com tanta clareza, que as múltiplas e severas privações e sequelas desse passado tão recente e tão sombrio não repercutem, ainda hoje, na vida e nas necessidades dessa criança?", indagou a ministra.
Para ela, não há como afastar o risco alimentar só pelo fato de a pensão ter sido paga desde 2019, pois uma pensão de R$ 370 é claramente insuficiente para satisfazer sequer as necessidades mais elementares de uma criança, aquelas indispensáveis para que ela se desenvolva de maneira digna, honesta e sadia.
O voto destacou que, conforme o artigo 528, parágrafo 2º, do CPC, apenas a comprovação de fato que gere a impossibilidade absoluta de pagar justificará o inadimplemento. No caso, não há provas, apenas suposições de que, como eletricista, o devedor é autônomo, humilde e sem outras fontes de renda ou bens.
A ministra Nancy ainda classificou a tese de que a prisão civil geraria prejuízo à filha por privar o pai do trabalho como uma tentativa de revitimizar a menor. Segundo a magistrada, não se pode culpar o filho pela prisão civil do pai, uma vez que ela decorre da incapacidade de cuidar adequadamente de sua prole.
"Não tenho a mínima dúvida de que a grande maioria dos filhos não é feliz e não se sente satisfeita por ter de chegar ao extremo de exigir o cumprimento dessa prestação sob pena de prisão, mas se vê verdadeiramente obrigada a fazê-lo porque está na ponta mais frágil de uma relação naturalmente imperfeita, desequilibrada e de indiscutível dependência física, psicológica e econômica", explicou ela.
"Dessa forma, o exercício desse direito apto a lhe garantir a sobrevivência não pode, com a maxima venia, incutir no credor alguma dúvida de que ele poderia estar causando alguma espécie de prejuízo, de mal injusto ou de ingratidão em relação ao genitor", complementou a ministra.
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RHC 183.989
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