Opinião

Instalação de canil e gatil no sistema penitenciário brasileiro

Autor

  • é conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública relator da resolução de instalação de canil e gatil nos estabelecimentos penais advogado criminalista e eleitoralista.

    Ver todos os posts

6 de setembro de 2023, 9h19

O Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública (CNPCP/MJSP), primeiro dos órgãos da execução penal, tem por atribuição legal propor as diretrizes da política criminal quanto à prevenção do delito, administração da Justiça Criminal e execução das penas e das medidas de segurança, assim como, dentre outras, contribuir para a elaboração de planos nacionais de desenvolvimento, sugerindo as metas e prioridades da política criminal e penitenciária brasileira (artigo 64, I a X, da Lei nº 7.210/1984 — Lei de Execução Penal).

Diante da incumbência legal, o CNPCP, vem dialogando em âmbito interno acerca da temática sobre a instalação de canil e gatil nos estabelecimentos penais.

Instalação de canil e gatil no sistema penitenciário brasileiro proporcionará benefícios tanto para os indivíduos privados de liberdade, quanto para os animais.

À luz das disposições legais, a implementação da referida política pública compreende a responsabilidade no cumprimento da Carta Constitucional no artigo 225 § 1º VII, das Leis 9.605/98, 14.228/2021 e 7.210/84 (Lei de Execução Penal).

A despeito das disposições normativas internas, a política tem suas balizas no âmbito da Declaração Universal dos Direitos, na qual o Brasil é signatário.

Divulgação
O advogado Alexander Barroso

Proclamada pela Unesco em Bruxelas, na Bélgica, no dia 27 de janeiro de 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais estabelece, em 14 artigos, o direito que os animais possuem de viver dignamente. O documento reforça que todos os animais são iguais perante a lei, devendo ser respeitados, protegidos e não explorados, e deixa claro que nenhum animal será submetido nem a maus tratos e nem a atos cruéis.

Sem embargo aos contornos legislativos, os animais vêm sendo objeto de debate no âmbito do Poder Judiciário, o qual vem perpetrando entendimento sobre a relação jurídica dos animais com as pessoas (REsp 1.944.228).

No passado os animais eram vistos como utilidade para o ser humano: pastoreavam o gado, guardavam a casa e protegiam as pessoas. Foi essa caracterização de simples coisa, porém, que prevaleceu durante as últimas décadas no ordenamento jurídico brasileiro: os bichos seriam apenas um item do patrimônio de seu titular. Entretanto, no mundo cotidiano, a ideia de ter uma família com pet, em geral, é desfrutar da companhia dele.

Com a evolução do entendimento sobre a complexidade dos animais e uma nova visão das relações entre eles e as pessoas, também se desenvolveu o debate sobre qual o enquadramento jurídico adequado para os pets. No mundo jurídico, surgem termos como “família multiespécie”, e são discutidos direitos intrínsecos aos animais não racionais.

A implantação da política pública sobre instalação de canil e gatil em estabelecimentos penais é tarefa que exige um diálogo transversal e institucional, a nível federal, estadual e municipal, cujos reflexos gerarão pretensos benefícios às pessoas privadas de liberdade, bem como aos animais de estimação abandonados. Ao primeiro, os efeitos recairão ao cumprimento da pena, permitindo ao recluso o exercício do trabalho, com finalidade técnica, educativa e produtiva, com a prospectiva de uma futura profissão. Ao cotejo dos animais, sob a perspectiva de “família multiespécie” o resguardo sobre a vida, alimentação, saúde, meio ambiente equilibrado e oferta de adoção pela população.

Em um país cujos habitantes possuem mais de 139 milhões de animais de estimação (os dados da Associação Brasileira da Indústria de Produtos para Animais de Estimação colocam o Brasil como a terceira nação do mundo nesse quesito), é difícil pensar que muitos destes pets estão abandonados nas estradas, ruas e avenidas brasileiras.

O abandono de animais é uma realidade muito triste, e causam problemas de diversas ordens: sanitários, ambientais, urbanos, além de evidentemente constituir crime. Esta é uma iniciativa que possibilitará uma mitigação/solução para este grave problema.

Uma sociedade que cuida dos seus animais é sem dúvida uma sociedade mais evoluída.

Por meio de Termo de Cooperação Técnica celebrados entre a Secretaria de Administração Penitenciária do Estado de São Paulo (SAP-SP), o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo (TJ-SP) e a Prefeitura de Taubaté/SP, de iniciativa do Conselho da Comunidade local, instituiu canil e gatil na Penitenciária de Tremembé 1 e no Centro de Detenção Provisória de Taubaté, respectivamente.

A referida iniciativa está sendo aperfeiçoada, e com sua efetivação por meio de resolução do CNPCP/MJSP se consolidará como um importante instrumento de política pública de proteção e cuidado para com os animais domésticos em situação de abandono.

A proposta de instituição da aludida política pública em âmbito nacional visa consolidar uma importante ferramenta de ressocialização dos indivíduos privados de liberdade, de humanização do sistema de execução penal, de desenvolvimento da afetividade, bem como dos aspectos sociais, morais e éticos, de forma a contribuir para a construção da paz social, proporcionando, com excelência, atividades que contemplam o que é preconizado na Lei de Execução Penal.

Uma sociedade que cuida dos seus indivíduos privados de liberdade certamente é uma sociedade mais evoluída.

Autores

  • é conselheiro do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária do Ministério da Justiça e Segurança Pública, relator da resolução de instalação de canil e gatil nos estabelecimentos penais, advogado criminalista e eleitoralista.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!