Direito de Defesa

Mariz de Oliveira: uma justa homenagem

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4 de setembro de 2023, 8h00

Mariz de Oliveira, advogado, durante toda a vida reuniu em torno de si jovens e velhos advogados, seja para travar lutas políticas, seja para discutir estratégias jurídicas, ou apenas para comer, beber, e contar histórias.

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Uma parte desse capital humano, amealhado em tantos anos, rendeu-lhe uma justa homenagem. Organizado por Celso Vilardi e José Luis Oliveira Lima, foi lançado, semana passada, um livro em celebração ao decano batonnier, com manifestações, reminiscências e recordações daqueles que participaram de sua vida, pessoal ou profissional.  

Oportuníssima a iniciativa.

Homenagear Antonio Claudio Mariz de Oliveira é homenagear o direito de defesa. Desde o causídico mais experiente até o estudante de direito, todos conhecem sua trajetória e importância para a advocacia, em especial para a suada e difícil advocacia penal.

Presidente da OAB, da Caasp, do IBDD (Instituto Brasileiro do Direito de Defesa), secretário de Segurança Pública do Estado de São Paulo, ocupou cargos de destaque, advogou em causas importantes, geriu crises, criou políticas públicas e tomou iniciativas importantes.

Para além da experiência profissional, Mariz foi e é um entusiasta da luta política, e sempre participou com intensidade de debates públicos sobre os rumos do país. Quantos de nós não recebemos ligações, nos mais variados horários do dia ou da noite, em que o decano discorreu entusiasmado ou estarrecido sobre fatos do mundo político e sugeriu iniciativas de apoio ou combate a determinadas posturas de governos ou agentes públicos.

Um exemplo: quando o então presidente Jair Bolsonaro acirrou suas investidas contra a democracia, Mariz tomou a frente de um movimento de centenas de advogadas e advogados que gritou "Basta!" e levantou todos os dedos contra os desatinos de um mandatário que já mostrava sua personalidade golpista no primeiro ano de governo.

É bom ter Mariz ao lado e atuante, em especial nesses tempos.

Tempos de desrespeito ao direito de defesa. De vitupérios a advogados, juízes, a todo aquele que defenda a primazia da lei sobre arroubos autoritários. Tempos em que o exercício do contraditório é tido como "obstáculo" à Justiça, de tentativas de supressão de garantias por propostas legislativas perigosas, do surgimento de certos personagens da vida pública — alguns magistrados e procuradores — apresentados pela mídia como salvadores da ética nacional, quando em verdade apenas procuram holofotes que sustentem suas pretensões político eleitorais.

Tempos em que o texto constitucional ou legal é sistematicamente ignorado, sob o argumento de racionalizar o processo, como se a racionalidade não englobasse o respeito à ordem jurídica vigente. Em que a letra da lei acaba por ser solenemente ignorada por decisões que perigosamente flertam com o arbítrio. De projetos de lei sobre aumento de pena, endurecimento do sistema de execução, nos quais a conversão de crimes comuns em hediondos se apresenta como a grande solução para a criminalidade do país, quando os verdadeiros problemas são varridos para baixo do tapete, dado o alto custo econômico e popular de seu enfrentamento. 

Mas, se há algo positivo em tempos difíceis, é sua capacidade de revelar o extraordinário de algumas pessoas. E Mariz representa esse extraordinário, a antítese ao lugar comum, ao discurso fácil, uma corrente contra a perigosa maré do autoritarismo. Alguém que leva a legalidade às últimas consequências, que denuncia o fácil pragmatismo daqueles que pretendem afastar as garantias constitucionais em nome de um etéreo combate a tal ou qual crime.

Impossível não pensar no homenageado ao ler a poesia de Manuel Alegre:

Mas há sempre uma candeia
dentro da própria desgraça,
há sempre alguém que semeia,
canções no vento que passa.
Mesmo na noite mais triste
em tempo de servidão
há sempre alguém que resiste
há sempre alguém que diz não

É nesse não coletivo que se sobressai a voz de Mariz.

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