DIÁRIO DE CLASSE

O ofício do professor: uma homenagem a Lenio Streck

Autor

  • Luísa Giuliani Bernsts

    é doutoranda e mestre em Direito Público (Unisinos) bolsista Capes/Proex membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos (Unisinos) e do grupo de pesquisa Bildung — Direito e Humanidades (Unesa) e professora da Faculdade São Judas Tadeu (SJT-RS).

2 de setembro de 2023, 16h12

Este texto é parte da minha contribuição à obra que será publicada pela Tirant em homenagem os 25 anos da publicação do livro "Hermêutica Jurídica e(m) Crise". Sem nenhuma pretensão de se constituir como uma reflexão exclusivamente teórica, o pensei como um testemunho sobre os esforços do meu orientador de doutorado em promover uma análise crítica — e necessária —sobre a teoria do Direito. O fiz dessa forma pois é impossível separar a repercussão que a Crítica Hermenêutica do Direito operou na minha (auto)compreensão acerca do que o Direito é e também do que deveria ser. Nesse sentido, meu amadurecimento pessoal e acadêmico se entrelaçam, sempre guiados por um pensar que se propõe, desde cedo e a partir do Lenio, "hermenêutico".

A obra, que será publicada em breve, conta com 15 ensaios e 2 entrevistas. Preciso referir, ainda, pois sem essa consideração não seria possível que o leitor conhecesse o (meu) caminho, o tamanho da realização profissional que representa ter meu texto publicado ao lado de autores que foram, para mim, como o professor Macedo do conto Ideias de canário, de Machado de Assis. A partir de suas intervenções na minha história, expandi meus horizontes e pude, ao conhecer “seus mundos”, sustentar aquilo que eu começo a compreender como sendo o meu. Em momentos diferentes, mas sempre pelo Lenio, André Karam Trindade, Clarissa Tassinari, Rafael Tomaz de Oliveira, Francisco Borges Motta, Ziel Ferreira Lopes, Gilberto Morbach e Luã Jung foram responsáveis por me oferecer provocações sofisticadas que ecoaram em mim.

É sobre esse processo operado pelos nossos mestres que me proponho discorrer no presente texto. Primeiro, por reconhecer o tamanho da influência que os estudos do prof. Lenio Streck, especialmente a partir da publicação do paradigmático "Hermenêutica Jurídica e(m) Crise", tiveram (e têm) na produção intelectual brasileira. Mas antes disso, pela necessária homenagem à inspiração que os estudos críticos de Luís Alberto Warat são para a forma de Streck compreender o fenômeno jurídico.

A herança de L.A.W. também está presente na concepção do ofício do professor como capacidade de fornecer, por meio da provocação, recursos necessários para a autorrealização intelectual de seus alunos. Afinal, essa construção se alicerça na teoria, mas a transcende na medida em que, pela troca, promove o desenvolvimento do senso crítico.

Inegavelmente — e os dados disponíveis na internet comprovam essa hipótese, pois o apontam como o autor mais citado no âmbito da filosofia do Direito na América Latina — Lenio é um professor gigante! Assim como, no passado, com intermédio de seus orientandos e, atualmente, como meu orientador, (re)definiu minha forma de pensar o Direito, com muita generosidade, faz o mesmo por tantos outros pesquisadores.

Como a atual gerente do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos e encarregada de cuida da agenda de eventos do professor, vejo que o interesse dele em disseminar sua teoria e "angustiar" estudantes por todo Brasil resiste com a mesma intensidade, mesmo depois de mais de vinte anos. Afinal, o professor Lenio sabe que esse sentimento é a força motriz do conhecimento.

Sobre isso, ele mesmo conta uma história que merece ser mencionada. Ainda nos anos 80, ele foi fazer seu mestrado na UFSC, sob orientação de Warat e só então se deparou com as leituras clássicas de teoria do Direito. Para apresentar seu seminário teve de ler a "Teoria Pura do Direito", de Hans Kelsen e, diante do primeiro contato, como era de se esperar, houve um grande estranhamento. Foi atrás de Warat no hotel em que ficava hospedado em Florianópolis para desabafar, afinal não tinha entendido nada do texto e isso estava lhe gerando grande angústia. Como resposta, escutou de seu professor: "usted tiene una buena enfermedad. Tienes angustia epistemológica". Essa "angústia epistêmica" é que move a crítica ao senso comum teórico que, como tradição passada pelos nossos professores, vai guiar a nossa construção de um conceito de Direito, segundo o qual, espera-se, levando em conta provocações externas à sua linguagem, apresentara respostas para as questões inerentes à sua constituição.

Este compromisso com a crítica ao senso comum teórico foi um dos tantos ensinamentos que aprendi com o prof. Lenio. Hoje leciono as disciplinas de Direito Constitucional e Direito Administrativo e procuro sempre provocar os meus alunos com essas questões, que vão além da dogmática jurídica tradicional. Faço-o porque acredito que este é um dos maiores aprendizados que um professor pode ofertar aos seus alunos, especialmente no âmbito das ciências jurídicas, onde a reprodução irrefletida de conceitos vazios opera um desgaste tão grande que coloca o próprio Direito em perigo.

Resistiremos! E muito pelos esforços de Lenio e Warat.

Autores

  • é doutoranda e mestre em Direito Público pela Unisinos, bolsista Capes/Proex, membro do Dasein — Núcleo de Estudos Hermenêuticos e professora da Faculdade São Judas Tadeu.

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