Licitações e Contratos

Licitação e a margem de preferência pelos demais entes federados

Autor

  • Guilherme Carvalho

    é doutor em Direito Administrativo mestre em Direito e políticas públicas ex-procurador do estado do Amapá bacharel em administração sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

1 de setembro de 2023, 9h14

Em abono ao princípio do desenvolvimento nacional sustentável, a Lei nº 14.133/2021 reiterou parte da anterior legislação, no que se refere à possibilidade de estabelecimento de margem de preferências em licitações, notadamente nos incisos I e II do artigo 26.

Embora careçam de regulação específica, argumento facilmente dedutível pela leitura do mencionado dispositivo legal, certo é que o legislador menciona, no inciso I do § 1º do artigo 26, que a margem de preferência "será definida em decisão fundamentada do Poder Executivo federal, no caso do inciso I do caput deste artigo", ou seja, para bens manufaturados e serviços nacionais que atendam a normas técnicas brasileiras.

Spacca
Ocorre que a Lei nº 14.133/2021 é expressa ao afirmar que o critério para o estabelecimento da margem de preferência carece de fundamentação constante em decisão do Poder Executivo federal, ao menos no que diz respeito às hipóteses do inciso I do caput do artigo 26 antes mencionado.

Em relação à previsão do inciso II do caput do artigo 26, o legislador passeia por uma certa zona de flexibilidade, tendo em conta que os bens reciclados, recicláveis ou biodegradáveis somente terão margem de preferência se houver definida e delimitada regulamentação, que poderá, ao que parece, ser oriunda de qualquer dos entes federativos.

Logo, o questionamento reside, tão apenas, no inciso I do caput do art. 26, perfilhando a indagação de ser ou não possível a decisão do Poder Público federal estender-se aos estados, ao Distrito Federal e aos municípios. Devem os demais entes federados obediência irrestrita aos critérios atingidos pela União? Se negativa a resposta, podem tais entes estabelecerem alternativas distintas das adotadas na regulamentação infralegal obtida pelo Poder Público federal?

Os questionamentos alinham-se aos conceitos de lei federal e lei nacional, visto que, quando legisla nacionalmente, a União atua como representante da soberania estatal, como conjunto das partes. Por outro lado, em se tratando de lei federal, a União legisla com a natural autonomia inerente a um ente federativo, como parte do conjunto, produzindo normas apropriadas às suas particularidades.

De tal modo, respeitados os limites definidos na Constituição, em nada se diferencia dos estados, Distrito Federal ou municípios, a quem se lhes facultam a produção de normas apropriadas às suas realidades.

Nesse sentido, a utilização da margem de preferência não passa de uma singela (e, talvez, cômoda) faculdade a ser utilizada pelos demais entes federados. Não pode o Poder Público federal impor aos demais entes políticos que compõem a federação o ônus de uma contratação pública mais custosa. Toda essa análise faz parte do mérito do ato da contratação, bem assim do planejamento, considerando que cada ente licitante possui a discricionariedade de avaliar a vantajosidade de uma ou outra contratação.

Para além dos fundamentos acima mencionados, a norma carreada no artigo 187 confessa a faculdade — e não obrigatoriedade — dos estados, Distrito Federal e municípios aplicarem os regulamentos editados pela União para a execução da Lei nº 14.133/2021.

Por se tratar de uma medida extremadamente protecionista e anticompetitiva, parece não haver dúvidas no sentido de que a margem de preferência para os produtos nacionais em nada auxilia no mercado local. Isso porque não existe nenhuma relação inteligível que possa provir dessa medida com relação à proteção do mercado nacional.

Talvez, a principal ofensa decorrente da utilização das margens de preferência relaciona-se com o princípio da isonomia, além de serem priorizadas contratações mais onerosas para o Poder Público, sob o suposto argumento de proteção ao mercado local, aos postos de trabalho e à melhoria da economia nacional.

Trata-se de um posicionamento econômico (e não jurídico) tacanho e nitidamente protecionista. Não existe qualquer relação lógica entre tal medida e o desenvolvimento nacional sustentável. Se a licitação tem por fim a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, igualmente deve buscar a isonomia e a busca da melhor proposta (leia-se, a mais vantajosa).

Fere o princípio da economicidade e, consequentemente, da eficiência subtrair recursos dos cofres públicos concedendo margens de preferências em importes elevados, a critério exclusivo (e político) do Poder Público federal.

Estados, Distrito Federal e, designadamente, municípios devem respeitar suas especificidades e minudências regionais, não sendo deferente a um modelo federativo que se pretenda harmonioso qualquer confinamento de contratações públicas exaustivamente mais custosas, maiormente para entes políticos cujas finanças encontram-se combalidas.

Menos fantasias e mais pragmatismo é o que se espera da Administração Pública brasileira. Sobre a euforia do legislador, deleitem-se apenas os intérpretes.

Autores

  • é doutor em Direito Administrativo, mestre em Direito e políticas públicas, ex-procurador do estado do Amapá, bacharel em administração e sócio fundador do escritório Guilherme Carvalho & Advogados Associados e presidente da Associação Brasileira de Direito Administrativo e Econômico (Abradade).

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