Fábrica de Leis

PRO-REG e avanço da política de melhoria regulatória no Brasil

Autores

  • Natasha Schmitt Caccia Salinas

    é professora do programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito da Regulação e do curso de graduação em Direito da FGV Direito Rio doutora e mestre em Direito pela USP e master of laws (LL.M.) pela Yale Law School.

  • Gabriela Borges Silva

    é doutoranda e mestre em Direito da Regulação pela FGV Direito Rio. Mestre (Master of Laws — LL.M.) em Law & Economics pela George Mason University. Professora da FGV Direito Rio e coordenadora do Núcleo de Estudos Avançados de Regulação do Sistema Financeiro Nacional (Neasf) e do FGV Rio Law Program da FGV Direito Rio.

31 de outubro de 2023, 8h00

No último dia 19 de outubro, foi publicado o Decreto nº 11.738, de 18 de outubro de 2023 ("Decreto nº 11.738/2023"), que reinstituiu o Programa de Fortalecimento da Capacidade Institucional para a Gestão em Regulação, o "PRO-REG". O programa foi criado em 2007, em um contexto de reforma do Estado brasileiro, no qual o governo federal buscava promover a melhoria da qualidade da regulação na administração pública federal.

O PRO-REG se estruturava em torno de quatro objetivos: fortalecer a capacidade de formulação e análise de políticas; promover a coordenação e o alinhamento estratégico entre políticas setoriais e o processo regulatório; fortalecer a autonomia, transparência e desempenho das agências reguladoras; e apoiar os mecanismos de participação social nas atividades regulatórias.

ConJur
O anúncio de lançamento do que aqui denominamos de "PRO-REG II" merece ser amplamente comemorado. O programa viabiliza, em primeiro lugar, a destinação de recursos financeiros, públicos e provenientes de organizações internacionais (e.g. BID – Contrato de Empréstimos BR-T1523), para o fortalecimento da política regulatória no país.

Nenhuma política pública se constrói apenas com a boa vontade de seus formuladores e implementadores. É preciso também construir e fortalecer capacidades institucionais, que dependem, por sua vez, de recursos para capacitar servidores, difundir boas práticas regulatórias, monitorar processos regulatórios e gerir informações e evidências necessárias para a tomada de decisão regulatória.

O PRO-REG II também será fundamental para viabilizar ações de coordenação regulatória, já que atribui ao seu comitê gestor e a sua secretaria executiva a competência para coordenar a implementação da política regulatória entre todos os entes da administração pública federal com funções normativas. Políticas de melhoria regulatória só avançam se tiverem órgãos de supervisão e coordenação com atribuições claras, bem definidas e amplamente aceitas por reguladores e regulados.

O Comitê Gestor do PRO-REG II será presidido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços e incluirá seis outras pastas (AGU, Casa Civil, CGU, Ministério da Fazenda, Ministério da Gestão e da Inovação em Serviços Públicos e Ministério do Planejamento e Orçamento). A Secretaria de Competitividade e Política Regulatória, antiga Secretaria de Acompanhamento Econômico (Seae), que já vem desenvolvendo ações importantes de difusão de boas práticas regulatórias no âmbito da Administração Pública Federal, será a responsável por avançar os trabalhos do comitê gestor do PRO-REG.

O PRO-REG II surge em um momento muito oportuno para a avançar a política de melhoria regulatória no país. No Brasil de 2007, quando o PRO-REG foi criado, os principais instrumentos de política regulatória difundidos no mundo  agenda regulatória, análise de impacto regulatório (AIR), consultas públicas e avaliação de resultado regulatório (ARR)  eram mais uma promessa do que uma realidade institucional, sendo utilizados de forma esporádica, experimental e um tanto quanto errática pela maioria dos órgãos reguladores federais.

Em 2023, o cenário é diverso: instrumentos de política regulatória são, por força de lei (e.g. Lei nº 13.848/19), obrigatoriamente adotados por agências reguladoras em etapas que antecedem a produção de normas (agendas regulatórias), nos processos normativos propriamente ditos (análise de impacto regulatório e consulta pública) e depois da edição de regulamentos (avaliação de resultado regulatório). Os alicerces, portanto, da política de melhoria regulatória no Brasil já estão pavimentados e um flanco de novas oportunidades abre-se com o novo PRO-REG.

Spacca
Juntamente com as novas oportunidades que se abrem, surgem desafios, sobretudo de ordem epistêmica, que precisarão ser enfrentados na construção de uma robusta política de melhoria regulatória. Embora tenhamos avançado muito na difusão de boas práticas de melhoria regulatória, talvez necessitemos realizar uma discussão mais ampla sobre o que pretendemos com elas.

Para implementar uma política de melhoria de qualidade regulatória, é preciso ter clareza sobre o que isso significa. Regulação de qualidade pode simplesmente significar 1) estoque regulatório simples e enxuto. Pode, também, remeter a ideia de 2) normas produzidas a partir de processos racionais de tomada de decisão. Mas pode, ainda, ser equiparada 2) à regulação que reduz custos burocráticos para os regulados, independentemente da redistribuição dos demais custos para os outros estratos da sociedade. Neste último caso, uma regulação de qualidade (better regulation) pode simplesmente significar menos regulação (less regulation).

tensões, não necessariamente conciliáveis, entre promover regulação de qualidade de segundo e terceiro tipos. A experiência da política de melhoria da qualidade regulatória da União Europeia, que instituiu, de forma um tanto quanto controversa, o standard cost model para redução dos custos regulatórios dos seus Estados membros, é exemplo revelador dessas tensões.

A construção de uma política regulatória pressupõe também uma definição sobre o que deve ser entendido por controle da qualidade regulatória. O Decreto nº 11.738/2023 confere novas atribuições ao Comitê Gestor do PRO-REG, como a definição de diretrizes estratégicas e a emissão de recomendações para o cumprimento de obrigações legais. Isso implica, portanto, que o Comitê Gestor do PRO-REG servirá como um órgão de supervisão/coordenação regulatória, responsável por controlar e monitorar os instrumentos de qualidade regulatória? Em caso afirmativo, quais deverão ser as atribuições do comitê nessa condição? Agendas regulatórias, estudos de AIR, processos de consultas públicas e relatórios de ARR poderão ser revistos? O controle da qualidade da produção normativa, caso existente, será exclusivamente procedimental ou recairá também sobre o mérito das escolhas regulatórias?

Assim como pode haver tensões no estabelecimento de diretrizes mais gerais da política regulatória, complexidades podem surgir na avaliação específica de cada instrumento de política regulatória. Um órgão pode eventualmente cumprir todos as exigências formais para a realização de consultas públicas em processos de produção normativa e, no entanto, esses instrumentos podem não contribuir, de fato, para um incremento de participação social na tomada de decisão regulatória. Análises de impacto regulatório podem ser realizadas com a observância de procedimentos e métodos adequados, mas podem embasar decisões regulatórias que se afastam das preferências dos formuladores das políticas regulatórias. Esse é um caso em que AIRs podem tanto ser vistas como estratégias acertadas para uma tomada de decisão mais racional, porém falhas na promoção de controle político da burocracia regulatória.

Boas práticas regulatórias são importantes, mas deverão ser adaptadas a problemas e contextos específicos. Formas e procedimentos deverão certamente ser observados, mas não podem estar dissociados dos resultados que produzem. Estamos inaugurando uma nova fase da história da política regulatória no país. Uma fase em que temos mais recursos, conhecimento e ferramentas à disposição, sobretudo para refletirmos sobre onde estamos e onde queremos chegar.

Autores

  • é professora do programa de pós-graduação (mestrado e doutorado) em Direito da Regulação e do curso de graduação em Direito da FGV Direito Rio, doutora e mestre em Direito pela USP e Master of Laws (LL.M.) pela Yale Law School. Coordenadora científica do projeto Regulação em Números da FGV Direito Rio.

  • é doutoranda e mestre em Direito da Regulação na Escola de Direito da FGV Direito Rio e pesquisadora do Centro de Pesquisas em Direito e Economia (CPDE) da FGV Direito Rio.

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