Território Aduaneiro

Eficiência das exportações brasileiras: comentários a partir do novo TRS

Autor

  • Fernanda Kotzias

    é sócia do Veirano Advogados advogada aduaneira doutora em Direito do Comércio Internacional professora de pós-graduação e ex-conselheira titular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf).

24 de outubro de 2023, 8h00

No último dia 20 de outubro foi lançado o Estudo de Tempos de Liberação de Cargas para as exportações, internacionalmente conhecido como Time Release Study (TRS) [1].

Spacca
O trabalho, desenvolvido pela RFB de modo análogo ao TRS importação de 2020, buscou consolidar informações relevantes e relacionadas aos tempos médios de desembaraço, de modo a cumprir com a recomendação contida no Acordo sobre Facilitação do Comércio (AFC) da OMC [2].

A relevância desse tipo de iniciativa reside no fato de que, conforme já indicado pelo Banco Mundial, cada dia de atraso/demora nos processos de logísticos representam cerca de 1% do valor das mercadorias transacionadas. Tais custos, que acabam sendo represados ao consumidor final, trazem prejuízos em termos de competitividade dos exportadores no comércio exterior e dificultam a efetiva inserção econômica do país nos mercados globais.

Em termos de resultados obtidos, o TRS dá destaque para as seguintes conclusões: (1) 88,9% das DU-Es registradas entre junho e julho de 2023 foram parametrizadas em canal verde; (2) o modal marítimo responde por 46,9% das operações de exportação no Brasil; (3) cerca de 85% do tempo consumido no despacho ocorre na etapa entre o desembaraço e o embarque; (4) a participação dos órgãos públicos nos tempos de exportação é de cerca de 3% do total; e (5) apenas 19% das exportações são realizadas por empresas certificadas no Programa Operador Econômico Autorizado (OEA).

A partir desse quadro, as conclusões gerais enfatizadas no estudo foram: (1) o tempo médio de despacho de exportação praticado, de 107 horas, é razoável; (2) o tempo elevado entre desembaraço e embarque indica que a logística é o ponto crucial do processo quando se pensa em redução de tempos significativa; (3) a participação de órgãos públicos no tempo de exportação é pequena; e (4) a adesão dos exportadores ao Programa OEA está aquém do esperado, o que enseja a necessidade de ajustes em termos de benefícios e integração para além da RFB, de maneira a ser encarado como uma política de Estado.

Para além dos dados e interpretações apresentadas pela RFB, nos parece que existem outras lições relevantes no estudo e que necessitam ser melhor endereçadas para que o relatório produza os esperados efeitos de promoção de diálogos e aprimoramento dos procedimentos aduaneiros.

Nesse sentido, nos propomos aqui a tratar de cinco pontos que consideramos igualmente relevantes e que, apesar de contidos no relatório, não foram tratados de forma completa ou adequada. São eles: os desafios do modal rodoviário; a necessidade de se continuar investindo em automação; o impacto dos órgãos anuentes na exportação — principalmente o MAPA; a promoção da cooperação e coordenação entre órgãos de fronteira e a questão de mudança de cultura dos envolvidos no processo.

O primeiro ponto a ser destacado se refere às conclusões trazidas sobre as exportações realizadas por meio de fronteiras terrestres, ou seja, sob modal rodoviário. Isso porque, em diversos momentos o TRS traz esse canal como o mais eficiente, tendo consumido menos tempo de despacho, quando comparado aos modais marítimo e aéreo.

Em nossa visão, os números e as conclusões apresentados não refletem a situação real enfrentada nos pontos de fronteira terrestre. A principal causa disso parece ser o recorte metodológico realizado, que considera apenas o tempo despendido entre a entrada da mercadoria no recinto até o seu embarque. Ainda que essa intervalo faça sentido para a análise dos modais aéreos e marítimo, é insuficiente para o rodoviário.

Explica-se. Em razão de problemas logísticos e de infraestrutura, é comum que os principais recintos de fronteira terrestre restrinjam as admissões de mercadorias a serem submetidas ao controle aduaneiro, fazendo com que seja necessária a espera dos caminhões em vias públicas, muitas vezes com a distribuição de senhas, para o início do despacho. Assim, para se analisar o real tempo despendido entre a disponibilização da carga para despacho e a sua efetiva conclusão no canal rodoviário, faz-se necessário que esta espera — que nos demais casos ocorre dentro do recinto em forma de armazenagem — seja contemplada.

A CNI publicou em 2022, em parceria com a Federação das Indústrias do Rio Grande do Sul (Fiergs), estudo com diagnóstico da fronteira de Uruguaiana, no qual as questões logísticas e de infraestrutura que dificultam as exportações foram evidenciadas. No documento é possível verificar que há diversos entraves relacionados à entrada e à saída dos veículos dos recintos alfandegados e como os mesmos impactam os tempos da exportação.

Nesse sentido, ainda que deva admitir que o TRS exportação deu maior atenção ao canal rodoviário do que o TRS importação, na medida que buscou analisar uma amostragem maior de operações e ampliar as unidades contempladas — 15 para a exportação contra apenas 2 na importação —, é necessário enfatizar que a fotografia apresentada não traduz a realidade enfrentada nas exportações por via terrestre, que está longe de ser um modelo a ser seguido ou aclamado.

O segundo ponto que merece atenção é a questão da automação. Isto porque, apesar dos significativos e relevantes esforços para a introdução da tecnologia no despacho de exportação, principalmente por meio da implementação do Portal Único de Comércio Exterior (PUComex) e do redesenho das operações por meio do Novo Processo de Exportação (NPE), o TRS deixa claro que ainda temos muitos desafios a serem enfrentados.

Nesse sentido, ainda que timidamente, o relatório destaca que ainda existem etapas manuais que consomem tempo relevante, como o caso da distribuição das DU-Es selecionadas para os canais laranja e vermelho para análise fiscal. A atribuição de um auditor para a realização do exame documental e/ou físico das mercadorias ainda necessita de intervenção de um supervisor, que deve entrar no sistema e designar manualmente o encarregado para a tarefa. Ora, além de não desse funcionamento não fazer sentido se considerada a complexidade e a tecnologia de ponta do PUComex, é de se pontuar que a designação manual coloca em xeque o respeito aos princípios de transparência e impessoalidade que devem guiar todo o processo [3].

Além disso, o TRS ainda aponta a existência de diversas unidades terrestres que adotam procedimentos inadequados em relação a inversão de etapas para o desembaraço e manifestação de dados de embarque. No relatório, a situação é descrita como "crítica" e sugere-se a exclusão das mesmas como forma de demonstrar que, ao serem desconsideradas essas condutas, o tempo médio seria positivo.

Ocorre que os problemas foram identificados em seis das 15 unidades de fronteira avaliadas, o que equivale a 40% das amostras. Portanto, nos parece que a conclusão mais adequada não é a de desconsiderar tais dados ou apenas realizar correções locais, mas de aumentar a automação do processo para evitar que as liberalidades de cada unidade possam intervir no correto desempenho do processo de exportação como um todo.

Essa conclusão de reforça em razão de outra passagem do relatório, em que se constata a existência de divergências de entendimento e interpretação das normas de exportação, levando a exigências e tratamentos discrepantes entre as unidades da RFB. Para que tais situações sejam enfrentadas, além da automação, faz-se necessário aumentar os treinamentos e diretrizes internas.

Ainda neste ponto, vale lembrar que no artigo 10 do Protocolo de Facilitação do Comércio ao Acordo de Comércio e Cooperação Econômica (Atec), firmado entre Brasil e Estados Unidos, foram previstas diversas ações para aumentar a transparência, a previsibilidade e a consistência nos procedimentos aduaneiros, dentre as quais, destacam-se treinamentos e emissão de guias conduzir os trabalhos dos oficiais.

O terceiro ponto diz respeito ao impacto dos órgãos públicos na exportação, considerada pequena pelo relatório e mensurada em cerca de 3% do total. Precisamos, com a devida vênia, discordar do resultado.

Por mais que o universo de bens sujeitos ao controle administrativo de outros órgãos seja reduzido — e bem inferior ao contexto da importação —, correspondendo a cerca de 27% das operações avaliadas, para a maior parte desses casos a atuação dos órgãos públicos traz efetivo impacto em termos de tempo de desembaraço.

Conforme consta no próprio TRS, dos casos em que o processo de emissão de licenças, permissões, certificados e outros documentos por parte de autoridade administrativa (LPCOs) impacta no tempo de despacho, cerca de 96% se deve à pendência de deferimento.

Neste contexto, o MAPA parece ser o órgão mais problemático, não só por ser aquele que possui maior número de situações de intervenção, mas pelo tempo despendido para liberação. A justificativa para a situação é descrita justamente pela falta de automação e utilização de forma mais estratégica da gestão de risco, o que novamente reforça o ponto que tratamos anteriormente, sobre a importância da tecnologia para o ganho de eficiência.

Nesse sentido, verifica-se que, por mais que o NPE já esteja em vigor desde 2018, como o processo se utiliza de um PUComex que ainda não está plenamente implementado, subsistem gargalos e ineficiências a serem superados e que comprometem, em alguma medida, a noção de um processo realmente "novo", "integrado" e "eficiente".

O quarto ponto diz respeito à promoção da cooperação e coordenação entre órgãos de fronteira. Trata-se de assunto já debatido nesta coluna em outras oportunidades, e que se refere à necessidade de uma maior integração e cooperação entre RFB e demais autoridades com a finalidade de promover um processo de despacho que seja verdadeiramente eficiente. Para tanto, reforça-se a necessidade de que haja uma melhor organização no que se refere às vistorias de carga pelas diversas autoridades envolvidas, com compartilhamento de equipamentos e, principalmente, dos resultados de modo a se evitar múltiplas intervenções e atrasos que poderiam ser evitados.

Por fim, tem-se como um último tópico a necessidade de uma mudança de cultura dos envolvidos no processo, ou seja, tanto dos operadores, quanto das autoridades. No lado do setor privado, chamou a atenção a baixa adesão à chamada Licença Flex — também já tratada anteriormente —, que permite a utilização de uma mesma LPCO para múltiplas operações. Segundo relatos, verificou-se que, embora a maior parte das licenças de exportação sigam modelos que permitam o reaproveitamento para mais de uma exportação, a maior parte das empresas continuam solicitando novas LPCOs, mesmo possuindo licença vigente e com saldo passível de aproveitamento.

A nosso ver, a situação narrada necessita de maiores aprofundamentos para compreensão das causas desse comportamento, mas, certamente, existem um componente comportamental que precisa ser trabalhado, de modo a incentivar os exportadores e seus prestadores de serviço a fazerem melhor uso das novas tecnologias e benefícios oferecidos.

Do lado das autoridades, verifica-se que a mudança de cultura se faz necessário principalmente quando se trata dos órgãos anuentes, os quais ainda resistem à mudança/revisão de procedimentos para fins de simplificação, maior automação e integração ao PUComex e, principalmente, uso eficiente da gestão de risco.

Essa resistência se traduz, por exemplo, nos dados trazidos no estudo quando trata do OEA. Isto porque, embora exista espaço para melhoria do Programa no que se refere às competências e benefícios da RFB, é fato que sua pouca atratividade e aderência se dá pela não concretização do OEA-Integrado, visto o não envolvimento das demais autoridades administrativas. Conforme ponderado, ainda que as intervenções da RFB nos despachos aduaneiros de empresas certificadas sejam reduzidas, observou-se que as seleções para canais laranja ou vermelho pelas autoridades de controle administrativo foi maior para OEAs do que não OEAs, na proporção de 16% e 11%.

A partir dos pontos acima tratados, buscou-se trazer comentários e ponderações entendidas como necessárias para ampliar a discussão em torno do atual cenário das exportações brasileiras.

Cabe reforçar que iniciativas como a publicação do TRS são essenciais à promoção da transparência, do diálogo público-privado e da melhoria dos processos administrativos. O documento recém-lançado, ainda que não consiga refletir de forma completa o cenário atual, é ferramenta relevante ao avanço dos trabalhos em torno da facilitação do comércio e, como tal, precisa ser amplamente divulgado e avaliado pela comunidade do comércio exterior.

De nossa parte, buscamos agregar, à análise oficial, comentários e informações que julgamos relevantes, com vistas à iluminar questões muitas vezes marginalizadas do debate e que merecem ser devidamente conhecidas e endereçadas em prol do ganho de eficiência e da redução dos custos de transação.

Esperamos que a iniciativa continue sendo fomentada e que o TRS seja publicado de forma periódica e reiterada, com vistas a permitir o devido acompanhamento dos temas e avanços realizados e garantir a disponibilidade de dados fieis e atualizados sobre o universo aduaneiro brasileiro.

 


[1] RFB. Time Release Study – Exportações. Disponível em <https://www.gov.br/receitafederal/pt-br/assuntos/aduana-e-comercio-exterior/time-release-study-trs/trs-exportacao>. Acesso em 22 de out 2023.

[2] O inciso 1º do artigo 7.6 do AFC estabelece que "os Membros são incentivados a calcular e publicar, periodicamente e de maneira uniforme, o tempo médio necessário para a liberação de bens, pelo uso de ferramentas como, dentre outros, o Estudo sobre o Tempo de Liberação da Organização Mundial de Aduanas (referida no presente acordo como o "OMA")".

[3] A este respeito, cabe salientar que endereçamos a questão exatamente como é narrada no TRS, a despeito de que existirem informações de que a Aduana já possui recursos para realizar a distribuição de forma randômica e automatizada. A divergência posta traz um duplo questionamento, a qual cabe apenas à RFB responder: existe uma forma automatizada já disponível e que não é utilizada pela fiscalização? Ou se trata de um erro da equipe que elaborou o TRS?

Autores

  • é doutora em Direito do Comércio Internacional, advogada, consultora especializada em Comércio Internacional e Direito Aduaneiro, professora de pós-graduação e conselheira titular no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) do Ministério da Economia.

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