Reflexões trabalhistas

Os dilemas jurídicos no trabalho
prestado por meio de aplicativos

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20 de outubro de 2023, 8h00

O mundo das relações de trabalho se caracteriza pela constante mudança e adequação de acordo com o momento do desenvolvimento tecnológico. O Direito do Trabalho guarda uma dinâmica histórica de nunca estar pronto e concluído para acolher as mudanças sociais.

Notável, nos últimos tempos, a velocidade das transformações impulsionada pelos novos meios de comunicação. Os atuais modos de prestação de serviços ou de entrega de trabalho, dada a peculiaridade de cada situação, criaram uma dificuldade de enquadramento jurídico, no modelo paradigmático e binário, que foi a base da construção do Direito do Trabalho que, na época, atendia às necessidades prementes da ocasião.

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Consolidou-se o Direito do Trabalho, deste modo, como garantidor de direitos mínimos, afastando-se do direito civil. No campo do direito obreiro, só se reconhecia a condição de empregado como único sujeito a quem se destinava a legislação trabalhista e protecionista e, assim sendo, a Justiça do Trabalho, desde sua criação e até a Emenda Constitucional nº 45 de 2004, focava seu campo de atuação, com exclusividade, no reconhecimento de direitos a quem se titulava como empregado.

O trabalho prestado por meio de aplicativo rompeu o paradigma da relação empregado x empregador e, na atualidade, o que se busca é uma forma de enquadramento a fim de que se possa dar suporte jurídico aos contratantes e proteção social aos contratados. Neste caso, o desafio do intérprete é afastar-se dos padrões tradicionais e exclusivos de proteção pelo modelo celetista.

Houve um tempo em que a terceirização era o grande vilão da precarização da proteção social, pois, seguindo a estrutura sindical de organização por categoria, excluía trabalhadores dos benefícios reconhecidos àqueles que se chamavam de "categoria preponderante". O problema constatado era exclusivamente de natureza sindical que, de modo perverso, favorecia a exclusão de trabalhadores que prestavam serviços terceirizados, integrantes de outra categoria. Hodiernamente, de forma lamentável, os sindicatos insistem no mesmo modelo sem resultado efetivo de melhoria da condição social dos trabalhadores.

Ainda hoje convivemos com a terceirização. A fim de buscar a sua descaracterização, a doutrina criou a subordinação estrutural como justificativa para vincular os trabalhadores na responsabilidade exclusiva do tomador dos serviços. Neste caso, as Leis nº 13.442 e 13.467 de 2017 legalizaram a terceirização e permitiram a prática de contratação de pessoa jurídica em atividade fim. Esvaziaram-se juridicamente as críticas de ilegalidade ou ilicitude.

No caso dos aplicativos, nota-se que, diante do arcabouço legislativo e histórico de proteção da legislação trabalhista, para alguns, a solução seria de extensão do modelo da CLT para amparar, juridicamente, a relação de trabalho e, deste modo, estariam, por suposição, solucionados todos os questionamentos.

Todavia, há sólidos argumentos no sentido contrário à extensão de obrigações trabalhistas nesta seara, pois a relação de trabalho que se estabelece foge do modelo paradigmático da relação de emprego, em especial no que diz respeito à tipicidade da subordinação, entre outros.

De novo, a doutrina buscou a saída, introduzindo a chamada "subordinação algorítmica", que, de forma abstrata, estaria impondo condições de fiscalização no controle das atividades daqueles que se utilizam do aplicativo para a prestação de serviços.

Deste modo, as decisões trabalhistas de primeira instância, muitas vezes levadas pelo imediatismo, têm se revelado favorável ao atendimento de ações em que se pretende o reconhecimento de vínculo de emprego ou, quando se trata de ação civil pública, a determinar que as empresas de aplicativos façam as anotações de vínculo em seus prestadores de serviços que, talvez, nem Carteira de Trabalho possuem.

O problema que se constata é que o ponto de partida das interpretações é o elemento subordinação, tal como foi concebido naquele tempo do trabalho executado sob os olhos do patrão, com ampla restrição da liberdade no tempo dedicado ao trabalho. Agora não mais é assim. Talvez o momento seja de buscar o sentido efetivo do termo subordinação. O engajamento de prestadores de serviços em modelos alternativos à condição de empregado leva em consideração a responsabilidade contratual com liberdade na disponibilidade de tempo e na forma de execução do trabalho.

A liberdade e autonomia na utilização do próprio tempo, considerado como inviolável e do qual somente a própria pessoa pode dele dispor, talvez seja esse o grande diferencial que se pode utilizar para definir o que seja a subordinação no sentido estrito para o vínculo de emprego.

Claro está que, das decisões e questionamentos mais recentes, o que se observa e o que se pretende fazer é um encaixe dos fatos no modelo da proteção trabalhista tradicional, utilizando-se de elementos, aparentemente impróprios e, assim, estender os direitos trabalhistas para situações anômalas.

Na atualidade, corre-se o risco de forçar a identificação da subordinação com elementos fáticos diversos e, assim, chegar a uma caricatura, totalmente distorcida e não condizente com o momento em que se analisam os fatos.

Enfim, o trabalho por meio de aplicativo pode ser parecido com o de vínculo de emprego, mas não é o mesmo. É novo e não se compara com o antigo.

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