Direito do Agronegócio

PIS/Cofins, créditos presumidos e o "insumo do insumo"

Autor

  • Fábio Pallaretti Calcini

    é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra (Portugal) ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf) professor da FGV-Direito SP e Ibet e sócio tributarista da Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

20 de outubro de 2023, 8h00

Sabemos que no regime não cumulativo do PIS e da Cofins, com o objetivo de concretizar a neutralidade decorrente da incidência plurifásica dos tributos, existe a concessão de créditos, tidos como ordinários ou básicos, do artigo 3º das Leis nº 10.637/2002 e 10.833/2003.

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Para o setor do agronegócio, no entanto, muitas vezes um requisito para concessão do crédito básico não é preenchido, uma vez que as aquisições se dão de produtor rural pessoa física, que não é contribuinte de PIS/Cofins, ou mesmo de agropecuárias ou cooperativas de produção agropecuária com a suspensão de tais contribuições nos termos do artigo 9º da Lei nº 10.925/2004.

Embora não seja autorizado o crédito básico em tais hipóteses, a fim de cumprir a não cumulatividade para o setor, mesmo que não seja de forma plena, existe a concessão de créditos presumidos, destacando-se, neste sentido, a previsão do artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004:

"Art. 8º. As pessoas jurídicas, inclusive cooperativas, que produzam mercadorias de origem animal ou vegetal, classificadas nos capítulos 2, 3, exceto os produtos vivos desse capítulo, e 4, 8 a 12, 15, 16 e 23, e nos códigos 03.02, 03.03, 03.04, 03.05, 0504.00, 0701.90.00, 0702.00.00, 0706.10.00, 07.08, 0709.90, 07.10, 07.12 a 07.14, exceto os códigos 0713.33.19, 0713.33.29 e 0713.33.99, 1701.11.00, 1701.99.00, 1702.90.00, 18.01, 18.03, 1804.00.00, 1805.00.00, 20.09, 2101.11.10 e 2209.00.00, todos da NCM, destinadas à alimentação humana ou animal, poderão deduzir da Contribuição para o PIS/Pasep e da Cofins, devidas em cada período de apuração, crédito presumido, calculado sobre o valor dos bens referidos no inciso II do caput do art. 3º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, adquiridos de pessoa física ou recebidos de cooperado pessoa física.

(…)

§ 3º. O montante do crédito a que se referem o caput e o § 1º deste artigo será determinado mediante aplicação, sobre o valor das mencionadas aquisições, de alíquota correspondente a: (Vide Medida Provisória nº 582, de 2012) (Vide Medida Provisória nº 609, de 2013) (Vide Lei nº 12.839, de 2013)

I – 60% (sessenta por cento) daquela prevista no art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para os produtos de origem animal classificados nos Capítulos 2, 3, 4, exceto leite in natura , 16, e nos códigos 15.01 a 15.06, 1516.10, e as misturas ou preparações de gorduras ou de óleos animais dos códigos 15.17 e 15.18; (Redação dada pela Lei nº 13.137, de 2015) (Vigência)

III – 35% (trinta e cinco por cento) daquela prevista no art. 2º das Leis nºs 10.637, de 30 de dezembro de 2002 , e 10.833, de 29 de dezembro de 2003 , para os demais produtos. (Incluído pela Lei nº 11.488, de 2007)

IV – 50% (cinquenta por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura , adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, regularmente habilitada, provisória ou definitivamente, perante o Poder Executivo na forma do art. 9º -A; (Incluído pela Lei nº 13.137, de 2015) (Vigência)

V – 20% (vinte por cento) daquela prevista no caput do art. 2º da Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e no caput do art. 2º da Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003, para o leite in natura , adquirido por pessoa jurídica, inclusive cooperativa, não habilitada perante o Poder Executivo na forma do art. 9º-A. (Incluído pela Lei nº 13.137, de 2015) (Vigência)"

Atualmente, referida previsão legal consta dos artigos 574 e 575 da Instrução Normativa nº 2121/2022, que buscou regulamentar a legislação.

Segundo a legislação, possível sintetizar para o gozo do crédito presumido nos seguintes requisitos [1]:

(1) – adquirir ou receber produtos de origem vegetal ou animal[2];

(2) – que o vendedor seja produtor rural pessoa física ou produtor rural pessoa jurídica ou cooperativa de produção agropecuária ou cerealista, sendo nos três últimos casos necessário aquisição com suspensão de PIS/Cofins;

(3) – que tais produtos sejam utilizados como insumo;

(4) – que exista um processo de industrialização (agroindústria) [3], não se autorizando em caso de mera revenda;

(5) – que o produto a ser produzido mediante industrialização seja destinado à alimentação humana ou animal, além de constar da lista do art. 8º, da Lei nº 10.925/2004;

(6) – que o adquirente do insumo seja pessoa jurídica no lucro real.

 Daí porque, entre os supostos requisitos é necessário que o produto a ser elaborado pela agroindústria seja destinado à alimentação humana ou animal e conste do rol descrito no "caput" do artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004.

De forma exemplificativa, vejamos decisão do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf):

"CONTRIBUIÇÃO PARA O FINANCIAMENTO DA SEGURIDADE SOCIAL (COFINS)

Período de apuração: 01/01/2007 a 30/06/2008

CRÉDITO PRESUMIDO DE COFINS. LEI 10.925/2004. BENS CLASSIFICADOS PELOS NCMS LISTADOS.

Somente sujeitam-se ao crédito presumido as pessoas jurídicas que se enquadrem nas hipóteses taxativas do art. 8º da Lei 10.925/2004, seja pelo ramo da atividade ou pela classificação fiscal dos bens adquiridos" [4].

Não se nega que, em regra, este é um requisito a ser observado pelo contribuinte que pretenda reconhecer a existência de crédito presumido da Lei nº 10.925/2004.

Apesar de ser a regra, muitos se esquecem de que esta previsão de o produto elaborar constar do rol de itens do "caput" do artigo 8º não significa necessariamente que a mercadoria final precisaria também estar prevista nesta relação.

Isso porque, a depender do caso concreto e, especialmente, do processo produtivo da agroindústria, pode ser que o produto final que esta comercializa não esteja no rol, no entanto, antes de chegar aquele ela produz, a partir dos insumos de origem vegetal e/ou animal, um produto que será o insumo para a elaboração daquele tido como final a ser comercializado e conste da relação do artigo 8º.

Nesta hipótese, temos o "insumo do insumo" do crédito presumido do artigo 8º da Lei nº 10.925/2004, atualmente, explicitado no artigo 574, § 4º, da Instrução Normativa nº 2.121/2022:

"§ 4º. Aplica-se o disposto neste artigo também em relação às mercadorias relacionadas no caput quando, produzidas pela própria pessoa jurídica ou sociedade cooperativa, forem por ela utilizadas como insumo na produção de outras mercadorias".

O dispositivo, em verdade, reconhece que, se há produção de algum produto descrito na relação do artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004, mesmo que não seja o final para consumo e destinado à comercialização, mas, utilizado como insumo de outros, haverá o crédito presumido e consequente aquisição do produto vegetal ou animal inicial com suspensão.

Mais do que isso, a partir deste produto inicial (insumo do insumo), já não mais importa se as mercadorias finais constam do rol do artigo 8º e são destinadas à alimentação humana ou animal.

Esse posicionamento, inclusive, possui Solução de Consulta Cosit nº 26/2022 emitida pela Receita Federal favorável:

"Contribuição para o PIS/Pasep
INSUMO DE PRODUTO AGROINDUSTRIAL DESTINADO À VENDA E À PRODUÇÃO DE OUTROS PRODUTOS NÃO CONSTANTES NO ART. 8º DA LEI Nº 10.925, DE 2004. DIREITO A CRÉDITO PRESUMIDO. Pode ser descontado crédito presumido da Contribuição para o PIS/Pasep em relação à aquisição de insumos efetuada de pessoa física, ou de pessoa jurídica com suspensão da exigência da contribuição, para a produção dos produtos agroindustriais constantes no caput do art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, sendo que estes podem ser destinados tanto à venda quanto à utilização como insumos na produção de outros produtos não relacionados naquele dispositivo.

No caso de aquisições efetuadas de pessoa física, os insumos que permitem o desconto de crédito presumido podem ser quaisquer bens, não se restringindo a produtos agropecuários.
Não podem gerar créditos presumidos da Contribuição para o PIS/Pasep as aquisições de insumos industrializados, ou seja, vendidos por pessoas jurídicas que não estejam enquadradas no § 1º do art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004.

SOLUÇÃO DE CONSULTA PARCIALMENTE VINCULADA À SOLUÇÃO DE CONSULTA COSIT Nº 105, DE 08 DE JULHO DE 2016, PUBLICADA NO D.O.U. DE 13 DE JULHO DE 2016.
Dispositivos Legais: Lei nº 10.637, de 2002, art. 3º, II, com redação dada pela Lei nº 10.865, de 2004; Lei nº 10.925, de 2004, art. 8º, com redação dada pela Lei nº 11.051, de 2004; e Instrução Normativa RFB nº 1.911, de 2019, art. 491, VII, art. 504, § 3º, art. 505, I, e art. 511, I.

Em certo trecho da solução de consulta, esclarece que:

"26. Assim, mesmo que o produto agroindustrial de que trata o art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, não seja destinado à venda para consumo final, mas seja intermediário à produção de outros produtos não considerados agroindustriais (não constem no art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004), é admitido o desconto de crédito presumido em relação aos insumos do produto agroindustrial adquiridos de pessoa física ou de pessoa jurídica com suspensão da exigibilidade das contribuições. O § 3º do art. 504 da IN RFB nº 1.911, de 2019, esclarece uma situação que poderia gerar dúvidas, a de que o crédito presumido pode ser apurado mesmo que o produto previsto no art. 8º da Lei nº 10.925, de 2004, seja um produto intermediário dentro do processo produtivo de uma pessoa jurídica ou sociedade cooperativa".

Em tais condições, vê-se que, a partir de premissas como não cumulatividade e a finalidade normativa, sobretudo, para o setor do agronegócio, tomando ainda por fundamento a aplicação do artigo 575, § 4º, da Instrução Normativa nº 2.121/2022, há permissão para se tomar o crédito presumido na aquisição de insumos de origem vegetal ou animal para produção de um produto constante do rol do artigo 8º, da Lei nº 10.925/2004, a ser utilizado como insumo de outro não constante de referido rol e que será comercializado pela agroindústria.

 


[1] – "NÃO CUMULATIVIDADE. AQUISIÇÃO DE INSUMOS AGROPECUÁRIOS. PROCESSO PRODUTIVO DE PRODUTOS DESTINADOS À ALIMENTAÇÃO HUMANA OU ANIMAL. SUSPENSÃO. CRÉDITO PRESUMIDO. A pessoa jurídica que exerce atividade agroindustrial pode descontar créditos presumidos, calculados sobre o valor dos produtos agropecuários utilizados como insumos na fabricação de produtos destinados à alimentação humana ou animal, quando adquiridos a pessoa jurídica estabelecida no País, com suspensão obrigatória da contribuição." (CARF, AC. 3402003.148).

[2] – Não podem sofrer inclusive processo de industrialização (SRRF, Solução de Consulta nº 105 – Cosit, de 2016).

[3] – "Art. 557. Para efeito do disposto neste Livro, entendem-se por (Lei nº 8.023, de 12 de abril de 1990, art. 2º, com redação dada pela Lei nº 9.250, de 1995, art. 17): I – atividade agropecuária: a) a agricultura;

b) a pecuária; c) a extração e a exploração vegetal e animal; d) a exploração da apicultura, avicultura, cunicultura, suinocultura, sericicultura, piscicultura e outras culturas animais; e e) a transformação de produtos decorrentes da atividade rural, sem que sejam alteradas a composição e as características do produto in natura, feita pelo próprio agricultor ou criador, com equipamentos e utensílios usualmente empregados nas atividades rurais, utilizando exclusivamente matéria-prima produzida na área rural explorada, tais como a pasteurização e o acondicionamento do leite, assim como o mel e o suco de laranja, acondicionados em embalagem de apresentação; e II – cooperativa de produção agropecuária, a sociedade cooperativa que exerça a atividade de comercialização da produção de seus associados, a qual pode realizar também o beneficiamento dessa produção; e III – atividade agroindustrial, a atividade econômica de produção das mercadorias relacionadas nos arts. 560 e 561."

[4] – CARF, 3ª Seção, Ac. 3003-000.996, j. 06/04/2020.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito do Estado pela PUC-SP, pós-doutorando em Direito pela Universidade de Coimbra, ex-membro do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), professor da FGV Direito SP e Ibet e sócio tributarista do escritório Brasil Salomão e Matthes Advocacia.

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