Paradoxo da Corte

Três novas teses do STJ sobre honorários advocatícios

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

20 de outubro de 2023, 8h00

Com as alterações introduzidas pelo vigente Código de Processo Civil nos critérios de fixação de honorários advocatícios de sucumbência, muitas questões têm sido suscitadas na praxe forense.

Spacca
Na verdade, como bem ressaltado pelo processualista português Miguel Teixeira de Sousa, pode-se afirmar que somente depois da entrada em vigor de um novo diploma processual é que começam as verdadeiras dificuldades.

Daí a importância do constante diálogo entre doutrina e jurisprudência na tentativa de apresentar soluções a inúmeros problemas de hermenêutica e de aplicação das regras processuais que se apresentam como novidade em nosso ordenamento jurídico.

Seja como for, no que se refere a honorários advocatícios, muitas questões têm sido enfrentadas pelos tribunais e, com o passar do tempo, no afã de aperfeiçoar a aplicação do direito, deparamos com a instabilidade da orientação que parecia já sedimentada. É certo que a modificação de entendimento jurisprudencial enseja enorme perplexidade aos operadores do direito, sobretudo quando, sem qualquer "aviso prévio", vem ele adotado no julgamento de um caso pendente, cuja argumentação se lastreava exatamente na inobservância, pela decisão recorrida, do posicionamento então superado.

A esse respeito, afirmava, com razão, Rui Barbosa, que a alteração abrupta de um artigo de lei ou a modificação de uma orientação jurisprudencial consolidada tem a potencialidade de derrubar uma biblioteca inteira! Não há razão para criticar a evolução inexorável da jurisprudência. Contudo, como importante fator de segurança jurídica e de previsibilidade, os tribunais devem evitar a repentina quebra de determinado paradigma pretoriano.

Examinando como de hábito a evolução da jurisprudência, em particular, pelas oportunas notícias fornecidas à comunidade jurídica pelo jornalista da prestigiosa ConJur Danilo Vital, observo que, recentemente, o Superior Tribunal de Justiça reviu a sua própria orientação sobre três teses, que até ontem encontravam-se consolidadas, todas elas referentes à fixação de verba honorária de sucumbência.

A primeira delas ocorreu ao ensejo do julgamento do Recurso Especial nº 1.824.564/RS, no qual a 3ª Turma, em boa hora – diga-se de passagem –, alterou a base de cálculo de honorários para evitar que o credor se tornasse devedor.

E isso realmente ocorre na prática, como se verifica numa situação que recentemente enfrentei como advogado. Tratava-se de uma partilha no bojo de um divórcio litigioso. A fixação de honorários considerou o valor atribuído à causa e não o valor do proveito econômico.

Para demonstrar a exorbitância da condenação bastava considerar que, dentre os bens cuja comunicabilidade foi questionada, apenas dois apartamentos passaram a integrar a partilha da recorrida. Os valores venais desses bens controvertidos somavam aproximadamente R$ 3,1 milhões, de modo que o proveito econômico da recorrida, em termos de meação sobre bens litigiosos totalizava R$ 1,5 milhão.

A verba sucumbencial, no entanto, foi fixada em 17% do valor da causa, ou seja, R$ 15,1 milhões, o que resulta a quantia absurda de R$ 2,5 milhões! É dizer: o valor da condenação em  honorários de sucumbência foi consideravelmente superior à meação dos bens controvertidos!

Nesta hipótese, para evitar tal indevida distorção, o valor da causa não pode se prestar como base de cálculo para a fixação de honorários de sucumbência quando o valor da condenação (proveito econômico) é perfeitamente aferível.

Para evitar esse verdadeiro enriquecimento injustificado, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, por maioria de votos, decidiu agora alterar a base de cálculo de honorários de sucumbência, para evitar que a credora de uma obrigação se tornasse devedora em razão do alto valor que tentou executar indevidamente.

Prevaleceu o voto de desempate, proferido pelo ministro Humberto Martins, ao acompanhar a divergência inaugurada pelo ministro (relator designado) Ricardo Villas Bôas Cueva.

A ministra Nancy Andrighi votou pelo desprovimento do recurso, mas por diferente fundamento: ela concluiu que a hipótese dos autos, de redução dos valores executados em virtude da impugnação por parte do devedor, não chegou a ser apreciada no precedente da Corte Especial (Recurso Especial nº 1.850.512/SP: "pelo artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, não se pode fixar por apreciação equitativa a condenação em honorários advocatícios de sucumbência"), e, por esta razão, poderiam ser reduzidos.

Restou contudo vencedor o voto divergente do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, segundo o qual a interpretação que aplica indistintamente a regra do artigo 85, parágrafo 2º, do Código de Processo Civil, deve ser mantida, afastando-se também a equidade para a fixação dos honorários. Na verdade, nestes casos, o que deve ser modificado é a base de cálculo para a incidência dos honorários de sucumbência. Estes não podem ser calculados a partir do valor da causa (R$ 1,1 milhão), nem do valor excedente que o devedor conseguiu retirar da execução (pouco mais de R$ 1 milhão), mas apenas sobre o valor que pode ser efetivamente executado pela credora (R$ 22.900).

Desse modo, segundo o referido precedente, a credora, derrotada na impugnação ao cumprimento de sentença, terá de pagar honorários para os advogados da executada, calculados sobre o montante de R$ 22.900, que tem a receber. A solução foi dada pelo ministro Marco Aurélio Bellizze, que também divergiu e que foi então adotada pelo ministro Humberto Martins.

Já sob diferente enfoque, a mesma 3ª Turma alterou entendimento que se encontrava de há muito sedimentado, a respeito do descabimento de honorários sucumbenciais no âmbito do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

Nesse sentido, permito-me invocar, à guisa de exemplo, o acórdão proferido no julgamento do Recurso Especial nº 1.845.536/SC, com voto condutor do ministro Marco Aurélio Bellizze, ao assentar que:

"Tratando-se de incidente de desconsideração da personalidade jurídica, o descabimento da condenação nos ônus sucumbenciais decorre da ausência de previsão legal excepcional, sendo irrelevante se apurar quem deu causa ou foi sucumbente no julgamento final do incidente."

Todavia, esta tese foi integralmente modificada por ocasião do recente julgamento do Recurso Especial nº 1.925.959/SP, da relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva. Na verdade, a proposta desse novo entendimento foi inicialmente formulada pelo saudoso ministro Paulo de Tarso Sanseverino e, na sequência, sufragada pelos ministros Ricardo Villas Bôas Cueva, Moura Ribeiro e Marco Aurélio Bellizze. Ficou vencida a ministra Nancy Andrighi.

A tese que então restou vencedora, por maioria de votos, é a de que o indeferimento do pedido de desconsideração da personalidade jurídica impõe a fixação de honorários de sucumbência em favor do advogado da parte que foi instada a participar do contraditório.

Anoto que tal posicionamento desponta inovador e, assim, supera o ponto de vista anteriormente secundado, que inadmitia a condenação de honorários nessa hipótese, uma vez que não prevista no artigo 85, parágrafo 1º, do Código de Processo Civil.

Partindo do pressuposto de que, no incidente de desconsideração, há uma resistência efetiva da parte requerida, o ministro Sanseverino sustentou, quando iniciado o respectivo julgamento, que a improcedência do pedido deduzido no incidente implica a fixação de honorários ao advogado contratado por quem foi indevidamente chamado a litigar em juízo.

Ademais, o ministro Ricardo Cueva, designado relator do recurso, ainda asseverou que, na situação contrária, vale dizer, quando o julgamento do incidente for procedente, a verba de sucumbência só poderá ser averiguada ao final do processo, a depender do juízo de procedência ou improcedência da execução contra aquele que foi citado para se defender. Nesta situação, os honorários serão fixados uma única vez, no julgamento da ação principal.

Ficou vencida a ministra Nancy Andrighi, forte no argumento de que a alteração da tese que até então prevalecia somente se justificaria caso houvesse alguma ocorrência fática ou jurídica relevante, nova ou que não tenha sido considerada no julgamento anterior. Assim, segundo afirmou a magistrada, não cabia a alvitrada modificação na hipótese sob análise da turma julgadora, porque o quadro fático-jurídico não foi alterado, devendo, portanto, ser mantida a tese anteriormente edificada. Partindo desta premissa, concluiu a ministra Nancy Andrighi: "Precedentes persuasivos, como aquele que se pretende modificar, possuem uma acentuada função paradigmática e um papel de grande relevo a partir da função constitucional desta Corte, demonstrando a perenidade e a segurança jurídica que deve decorrer da interpretação do direito federal de modo a pautar as condutas da sociedade e do próprio Poder Judiciário".

Por fim, no âmbito de um diferente cenário, a Corte Especial do Superior Tribunal de Justiça, no julgamento dos Embargos de Divergência em Agravo em Recurso Especial nº 1.847.842/PR, com voto condutor do ministro Herman Benjamin, proveu os embargos para prestigiar o entendimento de que descabe a fixação de honorários advocatícios recursais em recurso da parte vencedora para ampliar a condenação, ainda que tal impugnação seja desprovida.

Havia celeuma na jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça quanto à possibilidade de fixação de honorários, à luz da regra do artigo 85, parágrafo, 11, do Código de Processo Civil, na situação em que a parte vencedora interpõe recurso para aumentar a condenação dos honorários. Tal verba legal tem a seguinte redação: "O tribunal, ao julgar recurso, majorará os honorários fixados anteriormente levando em conta o trabalho adicional realizado em grau recursal…", não fazendo qualquer distinção.

Como a parte que se sagrou vencedora não sofreu qualquer condenação em honorários, não deve ser ela punida quando, inconformada com a verba fixada em benefício de seu advogado, interpõe recurso visando a aumentar a verba imposta à parte contrária.

Para demonstrar a existência de tese contrária, os embargos de divergência foram instruídos com aresto da 1ª Turma, que entendia cabível, em tal hipótese, a condenação em honorários da parte vencedora.

Como acima salientado, restou exitosa a orientação formulada no voto do ministro Herman Benjamin, seguida por unanimidade, no sentido de que: "Diante da previsão expressa do artigo 85, parágrafo 11, do Código Processual Civil, deve prevalecer, portanto, a tese de que é indevida a majoração dos honorários recursais em recurso da parte vencedora para ampliar a condenação, ainda que tal recurso seja desprovido".

Surge aqui uma importante questão que é a de saber se tais precedentes irão incidir sobre as demandas em curso. Na verdade, a incerteza que nasce do advento de um novo precedente em substituição à orientação consolidada, acarreta um custo social e econômico elevadíssimo, mesmo nos sistemas que não conhecem força vinculante da jurisprudência, uma vez que a situação de insegurança gerada pela mudança somente poderá ser eliminada depois de um período relativamente considerável para que seja consolidada a nova regula.

Saliente-se que, para evitar dúvida e, sobretudo, para preservar a segurança jurídica, o ideal teria sido a modulação da eficácia destas novas teses.

Autores

  • é sócio do Tucci Advogados Associados, ex-presidente da AASP (Associação dos Advogados de São Paulo), professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP, membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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