Crianças em risco

Para especialistas, revogação da Lei de Alienação Parental seria um retrocesso

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19 de outubro de 2023, 20h11

Discutida no Congresso Nacional, a revogação da Lei de Alienação Parental (Lei 12.318/2010) seria um retrocesso para as garantias dos direitos de crianças e adolescentes do país. E tal medida deve ser analisada com profundidade para que se entenda se, de fato, a norma é integralmente problemática, de acordo com especialistas no tema ouvidas pela revista eletrônica Consultor Jurídico.

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FreepikEspecialistas defendem análise crítica de artigos que possivelmente tenham falhas

Criada para assegurar o direito de convivência e para evitar a separação ou manipulação entre menores e familiares, a norma é alvo de críticas. Seu uso deturpado em favor de genitores acusados de abusos é apontado como a principal falha da lei.

A revogação da norma é defendida pelo governo federal, por integrantes da oposição e por organismos internacionais. Em agosto deste ano, a Comissão de Direitos Humanos (CDH) do Senado aprovou o projeto que revoga integralmente a lei. A proposta é de autoria do senador Magno Malta (PL-ES) e teve, na primeira etapa de discussões, relatoria da senadora Damares Alves (Republicanos-DF). E existe um projeto semelhante — de autoria de deputados governistas — em andamento na Câmara.

A Secretaria Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente do Ministério dos Direitos Humanos e da Cidadania defende a queda da lei. Para o órgão, o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) possui dispositivos que garantem a convivência familiar e comunitária e a proteção dos menores em caso de ameaça ou violação de direito cometida por seus pais ou responsáveis.

Além disso, peritos da Organização das Nações Unidas (ONU) apontaram que a lei pode levar à discriminação contra mulheres e meninas e favorecer casos de violência doméstica e sexual. Para eles, a norma permitiu, em grande medida, que pais acusados dessas práticas acusem falsamente aqueles com quem disputam a custódia da criança. Segundo os peritos, ao rejeitarem alegações de abusos, tribunais têm desacreditado e punido as mães.

Menores em risco
No entanto, a ideia de revogar a Lei de Alienação Parental encontra muita resistência na advocacia especalizada em Direito de Família. Para Giselle Groeninga, psicanalista e doutora em Direito Civil pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), a revogação significaria um retrocesso. A norma, segundo ela, trouxe um significativo avanço na compreensão da importância e da complementaridade das funções parentais.

Giselle acredita que o valor educativo da lei é enorme e que, apesar da legislação brasileira ser rica, nenhuma outra norma seria capaz de cobrir a lacuna deixada em caso de revogação.

"A Lei 12.318/2010 deixa clara a necessidade de uma avaliação psicológica que esclareça a dinâmica disfuncional, traços de personalidade dos genitores que contribuam para a alienação parental e os reflexos nos filhos. Ou seja, uma avaliação que não se encontra em nenhum outro dispositivo. Além disso, há gradações que permitem uma prevenção e correção da situação disfuncional, como advertências, acompanhamento psicológico, multa, inversão da guarda ou custódia unilateral."

Giselle diz ser descabido o argumento de que a lei favorece pais abusadores: "É como se não houvesse o devido processo legal nesses casos. Pelo contrário, a forma de realização das perícias contida na lei ainda é o mecanismo mais seguro para se apurar tais situações".

Sócia do escritório PHR Advogados, especializado em Direito de Família, Amanda Helito acredita que a revogação deixaria muitas lacunas. Para ela, a Lei de Alienação Parental tem se mostrado absolutamente necessária para efetivar direitos e proteger crianças em situação de vulnerabilidade em seu contexto familiar.

"O mesmo ocorre, por exemplo, com a Lei do Feminicídio (13.104/2015), que tem se mostrado bastante necessária na proteção das mulheres vítimas de violência, mesmo o homicídio já sendo um crime previsto. O atual movimento pela revogação da Lei de Alienação deve ser analisado com muita responsabilidade e profundidade para que se compreenda exatamente em quais pontos ou artigos a lei pode eventualmente falhar para que, se necessário, ela seja aprimorada. Dados quantitativos e oficiais devem ser apurados para embasar tal debate, o que até agora não vem ocorrendo."

Especialista em Direito das Famílias e das Sucessões pela Escola Paulista de Direito, a advogada Debora Ghelman compreende que crianças e adolescentes já são tutelados pelo ECA, mas ela afirma que a Lei de Alienação Parental representou um avanço na legislação.

"O ECA não trata de alguns assuntos específicos que somente a Lei de Alienação Parental garante. Em casos de má aplicação, a melhor alternativa seria uma mudança na lei, e não uma revogação. Culpabilizar a Lei de Alienação Parental com base no comportamento de pessoas mal intencionadas, que desvirtuam o objetivo da legislação, não deve ser motivo para a sua revogação."

Contraponto
Andressa Gnann, do escritório Gnann e Souza Advogados, discorda das colegas ao defender a revogação da lei. Ela sustenta que a comprovação da prática da alienação parental é subjetiva, o que faz com que pais usem a norma como forma de ameaça. A advogada cita casos em que há autoalienação, ou seja, o próprio pai ou mãe, a partir de determinados comportamentos, provoca o afastamento do filho de si e termina por acusar o outro por isso.

"A Lei de Alienação é desnecessária, visto que o Código Civil é a lei que rege e garante a convivência com o outro genitor. Sei que não são todos os casos, mas o genitor que quer ver e conviver com os filhos consegue isso. Basta regularizar o regime de convivência nos termos do artigo 1.589 do Código Civil. A convivência e a guarda não são imutáveis."

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