Direito eleitoral

Antecipação da fase de registro de candidatura e maior segurança jurídica

Autor

  • Helio Maldonado

    é advogado e mestre em Direito. Professor e autor de livros e artigos jurídicos. Membro da Abradep (Academia Brasileira de Direito Eleitoral). Presidente da Comissão de Direito Eleitoral da OAB-Vila Velha (ES).

16 de outubro de 2023, 9h16

Em setembro deste ano a Câmara dos Deputados aprovou um conjunto de projetos de Lei com o desiderato de promover uma minirreforma eleitoral para as eleições de 2024. Dentre eles o PL nº 4.438/2023, com alterações na Lei nº 9.504/97, antecipando, no seu conteúdo, a data das convenções partidárias para o período de 10 a 25 de julho, e o registro de candidatura para a data final de 31 de julho, sempre do ano eleitoral.

Pelo trâmite do processo legislativo essas proposições penderiam de votação pelo Senado, para que, se aprovadas (sem alterações), seguissem para a sanção do presidente da República — com sua posterior promulgação até o dia 6 de outubro de 2023 para que pudessem viger no próximo pleito (princípio da anualidade da lei eleitoral contido no artigo 16 da Constituição).

Contudo, tal trâmite não aconteceu no Senado, anunciando em outubro agora o presidente Rodrigo Pacheco que a preleção da Câmara Alta é a votação do novo Código Eleitoral (o Projeto de Lei Complementar nº 112/21). Com essa decisão foi rompida uma tradição vigente há tempos de em todo ano não eleitoral ser votada e aprovada minirreformas eleitorais.

Destarte, haja vista a pendência de votação pelo Senado do novo Código Eleitoral, desde 2021 urge essa necessidade. Isto pois, tal como o projeto de Lei nº 4438/2023, o novo código antecipa as convenções partidárias para os dias 10 a 25 de maio (artigo 185), e estabelece como data final dos registros de candidatura o dia 1 de junho (artigo 201), sempre do ano eleitoral.

Logo, nesse ínterim, as fases de escolha e pedido de registro de candidaturas, anteriores a propaganda eleitoral (iniciada em 16 de agosto, conforme o artigo 478 do novo Código Eleitoral), foram antecipadas em aproximadamente três meses. Isso produz um efeito de maior segurança jurídica a partidos, coligações, federações, candidatos e, principalmente, eleitores.

Procede a assertiva, porque hodiernamente no ordenamento jurídico eleitoral o deferimento do registro de candidatura é uma condição de eficácia do voto. Tal se dessume da interpretação sistemática do artigo 16-A e B da Lei das Eleições (Lei nº 9.505/97) com o artigo 15 da Lei de Inelegibilidades (Lei Complementar nº 60/90).

Por via de consequência, na pendência do processo de registro de candidatura, ou até ulterior deliberação do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), candidatos detêm, por exemplo, o direito público subjetivo de promover arrecadação e gasto de campanha, realizar sua propaganda eleitoral (inclusive com o gozo do financiamento indireto público do uso do tempo gratuito de rádio e televisão para a sua apresentação), e ter o seu nome na urna no dia do pleito e assim poder ser sufragado.

Outrossim, pelo atual estado do ordenamento eleitoral, somente considerar-se-ão válidos os votos outorgados a candidatos com registro de candidatura deferido na data das eleições, pelo que posterior decisão judicial de indeferimento do registro de candidatura daqueles que já tenham o obtido antes do pleito tem o condão de impor a perda do registro, do diploma, e do próprio mandato daqueles que tenham se elegido nessa condição.

Todavia, é de se observar que a manutenção de candidaturas assim denominadas atualmente "sub judice" (com pendência de recurso para as instâncias sobrepostas da Justiça Eleitoral) possui efeitos jurídicos diversos nas eleições proporcionais e majoritárias, afetando a segurança jurídica dos atores políticos eleitorais.

Isso porque, nas eleições ao Legislativo, acaso no dia do pleito haja a existência do deferimento do registro de candidatura pela Justiça Eleitoral, ou mesmo a ausência de qualquer decisão judicial a esse respeito, pelo princípio da confiança e incolumidade da vontade popular, os votos serão mantidos válidos para a agremiação ou federação pela qual o candidato participou da disputa eleitoral, servindo ao computo do cálculo do quociente eleitoral, distribuição de vagas e distribuição de sobras (regra do artigo 106 e seguintes do atual Código Eleitoral).

Por outro lado, acaso no dia do pleito não haja a existência do deferimento de registro de candidatura pela Especializada os votos concedidos a candidato nessa condição serão nulos. Toda essa exegese sobre o sentido e alcance do artigo 16-A, parágrafo único, da Lei nº 9.504/97, fora já estabelecida pelo Supremo Tribunal Federal em controle concentrado de constitucionalidade (ADI nº 4.542 e 4.513), cujos efeitos são vinculantes e para todos.

Em contrapartida, nas eleições para o Executivo, hodiernamente, pela regra do artigo 224, §3º, do atual Código Eleitoral, a nulidade dos votos, em decorrência do indeferimento do registro de candidatura, antes ou depois do pleito, em relação a aqueles que tenham se sagrado vitoriosos na disputa eleitoral, sempre importará na realização de novas eleições suplementares, "independentemente do número de votos anulados".

Esse contexto atual sobre o registro de candidatura implicou, no ano de 2020, consoante dados estatísticos do Tribunal Superior Eleitoral, no indeferimento de 20.308 pedidos de registro de candidatura de prefeitos, vices e vereadores ao longo de todo o país.

Nesse diapasão, em referência as eleições de 2020, pelo Brasil, até o presente momento, conforme informações do TSE, sem diferenciar, contudo, o motivo da nulidade do pleito — se por indeferimento de registrou ou por ilícito eleitoral), foram já realizadas 101 eleições novas suplementares para a escolha de prefeito(a) e vice.

Logo, a antecipação das fases do processo eleitoral anteriores à propaganda eleitoral proporciona maiores condições de possibilidade para a diminuição dessa aporia. Isso porque, com a antecipação do prazo das convenções partidárias para os dias 10 a 25 de maio, e do termo final do registro de candidatura para o dia 01 de junho, há um hiato de tempo muito maior para o julgamento dos processos de registro antes das eleições. Considerando que as eleições, no seu primeiro turno, sempre acontecem no primeiro domingo de outubro (artigo inaugural do atual Código Eleitoral) há quase cinco meses para essa conclusão.

De mais a mais, atualmente, o rito do processo de registro de candidatura é ultra célere, consoante as prescrições dos artigos 5º a 8º da Lei de Inelegibilidades (repetido similarmente nos artigos 71, inciso II, 700 e 744 do novo Código Eleitoral), tramitando, entre prazos próprios e impróprios, em dezenove dias até a sua decisão final (sete dias para a contestação; quatro dias para a instrução; cinco dias para alegações finais e parecer ministerial; três dias para sentença/acórdão).

Por certo, o axioma contido no princípio da segurança jurídica decorre, dentre outros, da confiabilidade de partidos, federações, candidatos e eleitores, em torno da legitima expectativa do deferimento ou indeferimento (nas impugnações) de registros de candidaturas. E, a existência de um ambiente que viabilize a antecipação da decisão do processo de registro antes do início da propaganda eleitoral consolida essa ânsia, através da sedimentação muito antes do pleito (pelo julgamento pelas instâncias ordinárias e quiçá do Tribunal Superior Eleitoral) do status da candidatura dos concorrentes eleitorais.

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