Futuros candidatos, é mais barato não propor reformas constitucionais
10 de outubro de 2023, 8h00
Sei que o mandato presidencial de Lula começou recentemente, mas gostaria de sugerir uma pauta aos futuros candidatos e candidatas a presidente da República para os próximos mandatos, que pode ser adotada também durante o atual: não proponham reformas constitucionais e honrem seu juramento de cumprir a Constituição, feito obrigatoriamente por ocasião da posse perante o Congresso, quando declaram: "Prometo manter, defender e cumprir a Constituição, observar as leis, promover o bem geral do povo brasileiro, sustentar a união, a integridade e a independência do Brasil". Existe um excelente documentário sobre isso, de Carla Camuratti.
A despeito de nossos presidentes pós-1988 terem feito esse juramento, em 35 anos de vigência já chegamos a 137 emendas à Constituição (seis emendas de revisão e 131 emendas de rotina). Creio que em 1988 foi escrita uma boa Constituição (com algumas falhas, é claro), e que várias dessas Emendas até mesmo pioraram o texto original.
Há um aspecto prático de governabilidade na sugestão que apresento, que é a da formação de maiorias no Congresso, em um sistema de presidencialismo de coalizão, que hoje conta com 30 partidos políticos registrados no TSE.
Nosso Congresso é composto por 513 deputados e 81 senadores. Para bem governar, o presidente necessita ter diversas maiorias no Congresso: a) para aprovar Emendas Constitucionais são necessários 3/5 (três quintos dos votos), isto é, 308 deputados e 49 senadores; b) para aprovar leis complementares são suficientes 257 deputados e 41 senadores; e c) para aprovar leis ordinárias basta obter os votos de mais da metade dos deputados e senadores presentes àquela sessão, respeitado o quórum de votação, o que aponta para a busca do voto de apenas 129 deputados e 21 senadores. Em um sistema fragmentado como o nosso, é numericamente muito mais simples governar através de leis ordinárias e complementares, deixando em paz a Constituição.
Portanto, candidatos e candidatas, caso eleitos, economizem seu poder de fogo e os cofres públicos, deixando de lado as reformas constitucionais — na pior das hipóteses, para governar através da aprovação de leis complementares bastam 257 deputados e 41 senadores. Vejam a economia: são 51 deputados e 8 senadores a menos. No caso de governar através de leis ordinárias a economia é ainda maior: 179 deputados e 28 senadores a menos para serem convencidos a votar com o Presidente, caso sejam abandonadas as reformas constitucionais. Se não for por nada, será uma enorme economia de esforço político manter a Constituição com seu texto intacto.
Essa conduta não foi seguida pelos nossos Presidentes, conforme se vê no seguinte quadro:
EC promulgadas por período |
|
Governo Federal |
Quantidade de ECs |
COLLOR (1990-1992) |
2 |
ITAMAR FRANCO (1992-1994) |
2 + 6 de revisão |
FHC 1 (1995-1998) |
13 |
FHC 2 (1999-2002) |
22 |
LULA 1 (2003-2006) |
14 |
LULA 2 (2007-2010) |
14 |
DILMA 1 (2011-2014) |
9 |
DILMA 2 (2015-2016) |
16 |
TEMER (2016-2018) |
7 |
BOLSONARO (2019-2022) |
29 |
LULA 3 (até 05/10/23 ) |
3 |
Total |
131 + 6 = 137 emendas
|
Fonte: Wikipedia, com intervenção do autor do texto
Todos os presidentes tiveram diversas Emendas à Constituição promulgadas durante seu mandato, e enfrentaram grandes problemas de coalizão parlamentar para sua aprovação. Não será mais fácil governar cumprindo o que a Constituição tiver estabelecido por ocasião do juramento feito na posse?
Qual a razão dessa ânsia reformista constitucional? Não sei a resposta, mas tenho um palpite. O problema está na reforma política que jamais foi feita com a necessária intensidade, mantendo o coronelismo eleitoral existente desde sempre (ver a obra de Victor Nunes Leal). É necessário rever nosso sistema de financiamento de partidos e de eleições (incluindo orçamento secreto e assemelhados), cogitar do voto em listas e do voto distrital, estabelecer a democracia partidária, e por aí vai.
Nenhum desses temas requer mudanças constitucionais, apenas legislativas. E muitos deles já foram discutidos e alterados pelo Congresso ao longo dos anos, sem resultados satisfatórios, pois permanece a sensação de carência de legitimidade eleitoral em nossa democracia representativa. É como se os eleitores não se sentissem representados, embora isso dificilmente seja mensurável com precisão. Alguns avanços em questões de gênero e raça foram feitos pelo TSE e confirmados pelo STF, sendo que o Congresso legislou posteriormente sobre a matéria.
Para ter governabilidade, sugiro aos candidatos e candidatas ao honroso cargo de Presidente da República Federativa do Brasil que centrem suas atenções na reforma política, que é legislativa, deixando de lado qualquer reforma constitucional, por pelo menos um mandato.
Testem essa alternativa, honrando seu juramento. Penso os eleitores aprovarão.
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