Opinião

Guardas municipais: a decisão do STF e os interesses da população

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7 de outubro de 2023, 6h33

A recente decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) nos autos da Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 559, conferindo às guardas municipais o status de integrantes do sistema de segurança pública, está causando inúmeras discussões nas corporações policiais, bem como na área acadêmica.

Inicialmente, destacamos que o artigo 144 da Constituição elenca o rol de órgãos da segurança, da seguinte forma:
I – Polícia federal;
II – Polícia rodoviária federal;
III – Polícia ferroviária federal;
IV – Polícias civis;
V – Polícias militares e corpos de bombeiros militares;
VI – Polícias penais federal, estaduais e distrital.

Em seguida, em seus parágrafos, elenca as suas incumbências e nessa esteira, por exemplo, cabe à Polícia Civil as funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares e à Polícia Militar o policiamento ostensivo e preservação da ordem pública.

Quanto às Guardas Civis Municipais (GCMs), o parágrafo 8º da CF dispõe que os municípios poderão "constituir guardas municipais destinadas à proteção de seus bens, serviços e instalações, conforme dispuser a lei".

Isto posto, importante informarmos que a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial nº 1.977.119, firmou o entendimento de que a guarda municipal, não estando entre os órgãos de segurança pública previstos pela Constituição, estaria impossibilitado de exercer atribuições das polícias civis e militares.

A recente posição da Corte Suprema na ADPF 559 concedeu interpretação conforme à Constituição ao artigo 4º da Lei 13.022/14 e ao artigo 9º da 13.675/18 declarando inconstitucional todas as interpretações judiciais que excluem as guardas municipais, devidamente criadas e instituídas, como integrantes do sistema de segurança pública.

Desse modo, surgiram as seguintes questões:

a) A decisão do STJ é incompatível com a do STF, ou seja, poderão os integrantes das GCM abordarem e revistarem pessoas, com provas válidas em eventual processo?

b) Poderão exercer as guardas atos de incumbência das polícias civis e militares, quando os fatos não se relacionarem a proteção de bens, serviços e instalações do município?

É inegável o valor das guardas municipais no sistema de segurança pública. Impulsionadas por municípios com elevado poder financeiro, em algumas localidades possuem estrutura robusta e material humano altamente qualificado que colaboram especialmente com o policiamento preventivo, possuindo formação acadêmica, estrutura hierárquica, fardamento semelhantes às polícias militares e, não raras vezes, são muitas vezes comandadas em seu último nível por oficiais das PMs, em inatividade.

Mas, sem no momento entrar no mérito das decisões, estariam incluídas no elenco precitado, da Constituição?

Óbvio que não! Qualquer interpretação nesse sentido iria contra os princípios básicos de exegese, alcançados por qualquer bacharel em Direito, isso porque quaisquer alterações da CF só são possíveis por emenda à constituição, consoante artigo 60 do texto maior.

Isso, entretanto, não significa que as guardas, diante da decisão do STF, não possam exercer atividades na segurança pública, pois é lógico, em que pese não estarem no rol de órgãos, estão no capítulo da segurança pública. Diversas propostas de emenda tratam do assunto guardas municipais na segurança pública, com o objetivo de incluí-las no rol de órgãos e disciplinar suas atividades.

Historicamente, verificamos uma oposição das polícias militares à inclusão das guardas como órgão integrante do sistema de segurança pública. Receosas com a perda de atribuições, ou melhor, com a divisão delas, as PMs e suas e entidades representativas advogam exatamente que há afronta à Carta Constitucional. Não obstante, é público e notório, há tempos e em alguns estados, as PMs já realizam atividades típicas de polícia investigativa, com setores conhecidos como "reservado".

Quanto às polícias civis, estas, geralmente, não se opõem aos trabalhos da guarda, por entenderem serem importantes na prevenção de ilícitos, especialmente os crimes patrimoniais, evitando que estes ocorram. E, desta maneira, contribuem para diminuição dos trabalhos cartorários, possibilitando a concentração de esforços nos crimes de maior complexidade.

Retornando às decisões das cortes, como as atribuições das GCMs não foram discutidas na arguição de descumprimento de preceito fundamental, há entendimento que não podem atuar como se fossem polícias, ou melhor, com atribuições estendidas àquelas originalmente previstas no parágrafo 8º do artigo 144 da Constituição.

Seus limites teriam sido esclarecidos na decisão do Superior Tribunal de Justiça. Os magistrados definiram que as provas são ilícitas quando colhidas em busca pessoal feita por guardas municipais durante patrulhamento, sendo exemplo caso em que o réu, condenado por tráfico de drogas, teve a condenação anulada, justamente por ter sido abordado pela guarda civil municipal.

E neste sentido, andou bem a decisão, pois a mens legis do legislador constitucional foi deferir às guardas a proteção patrimonial de próprios públicos e não policiamento ostensivo ou preventivo. Para se mudar este quadro, necessário, reiteramos, que o Legislativo, Poder legitimado pela Constituição, apresente a competente emenda constitucional.

Nesse aspecto, se indagássemos a população, de maneira geral leiga no assunto, quanto a divisão de atribuições e diferenças entre as polícias, certamente teríamos uma avaliação de "decisão absurda", posto que aos cidadãos interessa a prisão em si, e por consequência a melhoria da segurança pública.

Urge então uma ampla discussão, em ambiente adequado, com os representantes do povo, nas casas legislativas, a decidirem os seus anseios, óbvio dentro do espírito cidadão de nossa Constituição, sem desistirmos de um olhar atento aos sistemas de segurança municipalizados vigentes em outros países.

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