Prática Trabalhista

Retrospectiva dos 35 anos da CRFB e a segurança jurídica trabalhista

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

5 de outubro de 2023, 8h00

Nesta quinta-feira (5/10), a Constituição da República Federativa do Brasil [1] comemora 35 anos de sua existência. Aliás, impende destacar que, quando da sua promulgação em 1988, diversas foram as garantias que até então existiam apenas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) [2] e que, desde então, assumiram o imprescindível patamar constitucional.

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Ocorre que ao se analisar os últimos julgamentos proferidos pelos tribunais superiores, é certo que foram identificadas inúmeras metamorfoses sofridas em razão das polêmicas enfrentadas ao longo de anos, de modo que o assunto, por sua importância e atualidade, foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista eletrônica Consultor Jurídico [3], razão pela qual agradecemos o contato.

Indubitavelmente, a Carta da República Brasileira assegurou aos trabalhadores os chamados direitos sociais fundamentais, sendo oportunos a este respeito os ensinamentos de Antônio Oswaldo Scarpa [4]:

"Com efeito, não bastasse a Constituição haver reconhecido, ao lado dos direitos fundamentais clássicos ou de liberdade (art. 5º), os direitos sociais (art. 6º), em toda a sua amplitude, tem-se que a consagração dos valores e objetivos como a dignidade da pessoa humana (artigo 1º, III), a construção de uma sociedade livre, justa e igualitária (art. 3º, I), a erradicação da pobreza e a redução de desigualdades (art. 3º, III), entre outros preceitos, além do teor do preâmbulo, demonstram que, sem sombra de dúvida, a Constituição de 1988 consagra um modelo de Estado social.

Frise-se que a ideia de Estado democrático vai além da de Estado social, mas não a exclui. (…) Democracia, todavia, não é incompatível com justiça social, antes se complementam, tanto que José Afonso da Silva afirma que a tarefa fundamental do Estado Democrático de Direito consiste em superar as desigualdades sociais e regionais e instaurar um regime democrático que realize a justiça social".

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À vista disso, é forçoso lembrar que o Capítulo II da Carta Política traz os direitos sociais, conquanto o artigo 7º disponha sobre os direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, não obstante possam existir outros que intencionem uma melhoria da condição social.

A propósito, a título de curiosidade, na elaboração da Constituição de 1988 foram apresentadas 72.719 sugestões de pessoas comuns [5]. Entrementes, com o transcorrer desses 35 anos de vida, a Lei Maior recebeu 131 Emendas Constitucionais (EC) [6], dentre elas a conhecida EC nº 45, de 30 de dezembro de 2004 [7], que alargou na época a competência material da Justiça do Trabalho, assim como os seus órgãos de composição.

Sob esta perspectiva, outro marco importantíssimo no transcorrer dos anos foi a promulgação da Emenda Constitucional nº 92, de 12 de julho de 2016 [8], que alterou os artigos 92 e 111-A da CRFB, para explicitar o Tribunal Superior do Trabalho como órgão de cúpula do Poder Judiciário Trabalhista, assegurando, assim, a uniformização da jurisprudência.

Contudo, mais recentemente, tem-se constatada uma discussão em torno das decisões proferidas pela Justiça do Trabalho em cotejo com as deliberações da Supremo Tribunal Federal (STF), no sentido de haver um aparente descompasso com os entendimentos firmados pelo Pretório Excelso, notadamente após o advento da Lei 13.467/2017, quando inúmeras foram as ações objetivas propostas junto à Suprema Corte.

Segundo as projeções realizadas no Tribunal Superior do Trabalho (TST), em relação aos processos recebidos e julgados nos últimos 20 anos, verificou-se um significativo crescimento, sendo que a previsão para o ano de 2023 seria de receber cerca de 436 mil processos e julgar 347 mil [9].

Já ao se consultar a "pauta trabalhista" junto ao Supremo Tribunal Federal, vários foram os assuntos por ele enfrentados relacionados aos seguintes pontos: 1) transcendência; 2) convenção da OIT; 3) competência; 4) reclamação; 5) certidão negativa de débitos; 6) contrato de trabalho; 7) demissão sem justa causa; 8) aposentadoria por tempo de serviço; 9) diferenças salariais; 10) responsabilidade da administração pública; 11) créditos trabalhistas; 12) aposentadoria espontânea; 13) horas extras e jornada de trabalho; 14) estabilidade; 15) adicional de remuneração; 16) liberdade sindical; 17) programa de demissão voluntária; 18) terceirização; 19) acordo e convenção coletiva; e 20) reforma trabalhista [10].

Acontece que, hodiernamente, a Suprema Corte vem se pronunciando cada vez mais sobre temas trabalhistas, abordando questões e assuntos polêmicos. Ao discutir, por exemplo, o Tema 725 da Tabela de Repercussão Geral [11], em cotejo com a Súmula 331 do TST [12] e o disposto nas Leis 13.429/2017 e 13.467/2017, o entendimento prevalecente foi no sentido de considerar válida a terceirização, seja da atividade meio ou fim. O assunto, porém, não teve um ponto final, pois, desde o ano de 2018, quando foi proclamado o resultado dos julgamentos em conjunto da ADPF 324 e do RE 958.252, persistem divergências entre a Justiça do Trabalho e o Supremo, tanto que houve um aumento exponencial das reclamações constitucionais.

Outro assunto que ganhou grande destaque foi o julgamento do Tema 1.046 da Tabela de Repercussão Geral [13], no qual foi reputada como constitucional a prevalência do negociado sobre o legislado, cuja novidade tinha sido inserida na legislação celetária por ocasião da Lei 13.467/2017. Aliás, outras decisões — como a temática da ultratividade das normas coletivas e jornada de caminhoneiros — também foram objeto de discussões recentes [14].

Sob esta perspectiva, registrem-se aqui as variadas mutações interpretativas firmadas pela jurisprudência ao longo dos 35 anos da CF/88, acirrando, naturalmente, novos debates entre o TST e o STF.

Um desses ruídos mais delicados que, inclusive, está causando inquietações no meio jurídico trabalhista, refere-se ao tema da "pejotização", sendo que esta foi chancelada pelo Supremo Tribunal Federal quando do julgamento da Reclamação Constitucional nº 57.917 [15]. Se é verdade que a Suprema Corte vislumbra a possibilidade de se pactuar formas alternativas de relações de trabalho, que não aquelas regidas exclusivamente pela CLT, no âmbito da Corte Superior Trabalhista, no entanto, há controvérsias em se estabelecer os exatos limites, acarretando, claro, em insegurança jurídica.

Lado outro, a partir da técnica de interpretação conforme ao texto constitucional, o Supremo Tribunal Federal corretamente invalidou mudanças da Lei da Reforma Trabalhista que exigiam quórum qualificado de 2/3 para que os Tribunais Regionais do Trabalho e o Tribunal Superior do Trabalho aprovassem ou revisassem súmulas, assim como uniformizassem a sua jurisprudência, por entender que haveria afronta aos princípios da separação dos Poderes e da autonomia, ambos garantidos pela Constituição Federal [16].

Tal caso acima narrado é apenas um indicativo de que, também nesses últimos 35 anos de vigência da Carta Política, foram promulgadas legislações infraconstitucionais fragilizadas, e que levadas ao controle da Suprema Corte tiveram suas inconstitucionalidades declaradas.

Por todo o exposto, é inconteste que, desde a aprovação da Consolidação das Leis do Trabalho, no ano de 1943, a Constituição Cidadã foi um divisor de águas, uma vez que trouxe uma maior proteção ao Direito do Trabalho e aos trabalhadores em geral. Houve, por certo, tanto um elastecimento da legislação trabalhista, quanto o fomento de novos direitos.

Em arremate, levando-se em consideração que a Constituição da República de 1988 foi um marco em nossa história, com um viés progressista no que tange aos direitos sociais, é fundamental que haja uma acomodação da jurisprudência a partir do respeito aos valores do trabalho e da livre iniciativa, e que o princípio da dignidade da pessoa humana seja sopesado com a garantia constitucional da ordem econômica para, ao final, se assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, buscando-se a esperada segurança jurídica nas relações trabalhistas.

 


[3] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[4] Direitos Fundamentais Sociais: Conteúdo Essencial, Judicialização e Direitos Sociais em espécie – Salvador: Editora JusPodivm, 2021. Página 38 e 39.

[9] Disponível em https://www.tst.jus.br/web/estatistica/tst/projecoes . Acesso em 03.10.2023.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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