Opinião

Aperfeiçoamento da cobertura homogênea: pensão aos filhos de vítimas de feminicídio

Autores

  • Andressa Munaro Alves

    é doutoranda e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) — bolsista Capes especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu pesquisadora e líder de eixo do grupo de pesquisas "Novas Tecnologias Processo e Relações de Trabalho" (PUC-RS) e advogada.

  • Ricardo Scott Hood de Miranda

    é advogado e graduado em direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

20 de novembro de 2023, 19h28

Com a recente edição da Lei nº 14.717/2023, instituiu-se a pensão especial aos filhos órfãos de mulheres vítimas de feminicídio. Com a referida, o Estado ampliou a cobertura daqueles benefícios destinados a proteção de camada da população considerada pertencente ao quadro de vulnerabilidade social.

Ainda que comemorada a chegada do benefício — diga-se: com certo atraso, prudente melhor reflexão quanto à sua natureza e posição dentro do sistema da seguridade social brasileiro.

Isto porque, analisando os benefícios de pensão especial instituídos até hoje, possível identificar a presença constante de dois critérios diretamente relacionados entre si: a ocorrência de situação calamitosa e a verificação de conduta ou omissão pelo Estado, naquilo que deveria proporcionar à sociedade. Pois bem.

Nestes termos, a dúvida quanto ao melhor enquadramento do novel benefício surge, justamente pelo critério econômico exigido para sua obtenção aproximar-se de velho conhecido, a saber: renda per capita igual ou inferior a um quarto de um salário-mínimo. Coincidência ou não, o mesmo para percepção do benefício de prestação continuada — BPC, previsto na Lei nº 8.742/93.

Verificada tal inspiração (ou relação?) entre os dois benefícios, dúvida paira no ar: a qual enquadramento normativo pretendia o legislador inserir a recém-chegada “pensão especial”? Minuciosa análise permite concluir que a mais adequada inclusão seria naquele que protege rol das pessoas em vulnerabilidade social, posto que seu requisito se encontra ínsito ao mecanismo amplo e geral de proteção social positivado na Lei Orgânica da Assistência Social, e não como pensão especial.

Breve reflexão assistencial social traz à lume a carga protetora propiciada pelo Estado na famigerada “Lei do LOAS”, haja vista que esta, tal qual como há trinta anos determina, prima pela garantia mínima salvaguardada por parte do Estado ao indivíduo que por razão de vulnerabilidade social não possui garantias mínimas para bem viver.

Dito isso, analisando então a “pensão” recém-chegada à luz da gênese básica de benefícios assistenciais, impossível concluir estar-se diante de pensão. Respeitam-se opiniões contrárias, mas a bem da verdade, se está à frente de benefício de natureza assistencial. E se ainda restarem dúvidas, rememoremos o que é uma pensão especial:

É bom lembrar que ao transitar entre as pensões especiais e benefícios com esse fim aproxima-se de características comuns: eventos calamitosos com atributos específicos, por exemplo, as vítimas de contaminação pelo césio 137 e os portadores de talidomida. Ou seja, fato especial, não rotineiro e definitivamente não esperado. Episódio ímpar, que por essa razão carrega o adjetivo “especial”.

Separemos o joio do trigo
Quando cabe ao Estado, por qualquer razão que seja amparar o cidadão, se está na companhia de benefício de natureza assistencial. Mas quando se está perante fato especial único e absolutamente inesperado, aí sim: fala-se em pensão especial.

Ainda possível observar que todas as pensões especiais criadas até hoje têm sua reserva orçamentária prevista diretamente no tesouro nacional, ao contrário desta nova pensão, que atribui aos recursos destinados à assistência social a fonte de custeio do benefício.

A lástima é que o fato social “feminicídio” não tem nada de inesperado. E mais: além de assunto por deveras complexo, sua definição foi aperfeiçoada no tempo, seja porque as formas de violência infelizmente evoluíram, seja porque a cada quatro horas[1] uma mulher sofre violência no Brasil.

Lamentavelmente, tal fenômeno se confunde com a própria existência humana e ainda não se vislumbra em horizonte próximo sua solução, haja visto que se trata de conduta irracional executada por seres à margem de qualquer noção humana e social básica, movimento que inclusive impulsionou o estabelecimento do dito benefício aqui em reflexão.

Dessa forma, em boa hora chega o benefício assistencial, mas indiscutível que a “pensão especial para os filhos e dependentes de vítimas de feminicídio” apenas tem reconhecida cobertura social, tão justa e necessária quanto aquela destinada aos idosos e portadores de deficiência — não fazendo as vezes de pensão especial no sentido técnico do pensionamento.

Sem mais floreios, espera-se que o aperfeiçoamento de cobertura homogênea seja a catapulta de tantas outras destinadas ao mesmo fim, dado o necessário e urgente combate efetivo ao crime, que tão dolorosamente afeta a sociedade — todos os dias, de horas em horas.


[1] FERREIRA, Francisco Eduardo. No Brasil, uma mulher é vítima de violência a cada quatro horas São Paulo e Rio de Janeiro concentram quase 60% do total de casos Agência Brasil. 07/03/2023. Disponível em: https://agenciabrasil.ebc.com.br/geral/noticia/2023-03/no-brasil-uma-mulher-e-vitima-de-violencia-cada-quatro-horas#:~:text=No%20Brasil%2C%20uma%20mulher%20%C3%A9,cada%20quatro%20horas%20%7C%20Ag%C3%AAncia%20Brasil.

Autores

  • é doutoranda e mestre em Direito pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS) — bolsista Capes, especialista em Direito do Trabalho e Previdenciário pela Escola Superior Verbo Jurídico Educacional, professora no Programa de Graduação em Direito nas Faculdades Integradas São Judas Tadeu, pesquisadora e líder de eixo do grupo de pesquisas "Novas Tecnologias, Processo e Relações de Trabalho" (PUC-RS) e advogada.

  • é advogado e graduado em direito pela Fundação Universidade Federal do Rio Grande (FURG).

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