Reflexões Trabalhistas

O papel do juiz na jurisdição coletiva trabalhista

Autor

  • Raimundo Simão de Melo

    é consultor Jurídico advogado procurador regional do Trabalho aposentado doutor em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP professor titular do Centro Universitário do Distrito Federal-UDF/mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho e autor de livros jurídicos.

17 de novembro de 2023, 10h18

A jurisdição coletiva, que é implementada por meio das ações coletivas, recebeu grande destaque no processo moderno nos últimos anos, e o Brasil vem acompanhando essa evolução com sucesso. Essa forma de solução dos conflitos sociais de interesses surgiu para romper com a tradicional forma individualista de acesso ao Judiciário, que mostrou não ser capaz e adequada para assegurar com efetividade soluções justas na maioria dos casos.

Dentre as finalidades da jurisdição coletiva pode-se citar, em resumo: a) coletivizar e agilizar a prestação jurisdicional com a diminuição de ações individuais e maior ganho de tempo e de atos processuais repetidos em demandas idênticas; b) evitar decisões conflitantes; c) facilitar o acesso substancial do cidadão ao Judiciário; d) despersonalizar o trabalhador perante o empregador; e) diminuir o custo do processo; f) dar mais crédito às decisões judiciais, porque justiça demorada e muitas vezes contraditória é verdadeira injustiça e faz com que o jurisdicionado passe a desacreditar no Poder Judiciário.

Por isso, na jurisdição coletiva o juiz tem atuação pró-ativa, podendo atuar de ofício, concedendo, por exemplo, tutelas de urgência e aplicando multas (Lei nº 7.347/85, artigos12 e 84, §3º), pois o que está em jogo não é interesse meramente individual da parte, mas, o interesse público da coletividade.

Assim, para que a jurisdição coletiva seja efetiva, é preciso que o magistrado do trabalho esteja familiarizado com os problemas sociais, políticos, econômicos etc., porque, sobretudo no direito laboral, ele é considerado como um “médico das feridas sociais”, que, diga-se de passagem, são muitas e crescem a cada dia no Brasil, que acumula índices de pobreza, miséria, concentração de rendas nas mãos de uns poucos, muito lucro para as empresas multinacionais e os maiores índices de doenças e acidentes do trabalho.

Nesse particular e com sabedoria peculiar, enfatizou o Professor e saudoso Amauri Mascaro Nascimento, que o juiz do Trabalho, a exemplo dos membros do Ministério Público, não pode mais ficar apenas engalfinhado em gabinetes; cabe-lhe estabelecer canais de diálogo com a sociedade para tomar conhecimento dos problemas decorrentes e ser sempre justo no momento de proferir suas decisões; do contrário, tornar-se-á um mero aplicador dos preceitos frios da lei, mediante lógica gramatical e sistemática, quando na verdade deve entender que a realização da Justiça é o fim para o qual se volta a atividade jurisdicional (NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Curso de direito do trabalho. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 1998, p. 191).

Desse modo, não se quer que o juiz seja um “livre” apreciador e aplicador das normas, mas que, com a sua atuação, não inviabilize o desenvolvimento da jurisdição coletiva, tão cara no campo do Direito do Trabalho; tão necessária para uma maior efetividade do direito laboral, na busca, como queria Coqueijo Costa, afirmando que “O direito processual do trabalho é disciplina nova, de caráter social, e tem por finalidade a realização do direito material do trabalho, com o propósito de fazer efetivo o melhoramento das condições de vida dos trabalhadores (O direito processual do trabalho e o código de processo civil de 73. São Paulo: LTr, 1975, p. 16) e, consequentemente, de toda a sociedade, porque é esta quem responde finalmente por todas as mazelas que atingem os indivíduos”.

Dentro do quadro evolutivo da prestação jurisdicional coletiva há grande perspectiva sobre a transformação de um ator muito importante em tudo isso, que é o juiz. É ele, depois da pertinente provocação dos legitimados coletivos, especialmente do Ministério Público, que vai dizer o direito no caso concreto, que vai acolher ou negar a proteção jurisdicional coletiva buscada, em tempo razoável e de forma fundamentada, porque o avanço deste novo instituto, depende, em muito, dos magistrados, que, para tanto, precisam se atualizar a cada dia.

Como diz Pedro Lenza (Teoria geral da ação civil pública, p. 301), “é fundamental que o direito exercido pela magistratura seja socialmente eficaz, buscando-se, ao máximo, a administração do grande abismo vigente entre este último — o direito socialmente eficaz — e o direito formalmente vigente, o que a sociologia jurídica americana denominou de conflito existente entre a law in books x law in action”.

Não foi sem razão que apregoou Barbosa Moreira (A participação do juiz no processo civil, citado por Pedro Lenza in Teoria geral da ação civil pública, p. 302), não admitindo a figura do “juiz estátua”, afastado e com indiferença gélida pelo resultado do feito, o que nada tem a ver com a necessária imparcialidade. Ser imparcial é não se mover o juiz por interesses pessoais, o que nada tem a ver com o agir voltado à busca de um desfecho que corresponda àquilo que é o direito no caso concreto.

Ao juiz, portanto, na jurisdição coletiva, cabe ser imparcial, como em qualquer outro processo, mas, a despeito disso, não ser neutro ou comodista, o que equivale a indiferença de uma estátua, daquele antigo magistrado que ficava sentado a uma mesa apenas observando os passos das partes sob a figura do juiz imparcial. O juiz deve ter uma participação ativa no processo coletivo, pois o interesse buscado não é de uma única pessoa, mas, de um grupo, de uma categoria, de uma classe ou mesmo de uma coletividade difusa. Trata-se não de um interesse particular e individual, mas, de interesse geral, de caráter público, cujo malferimento atinge a sociedade, na qual se inclui o próprio magistrado como cidadão (Raimundo Simão de Melo, “Ação civil pública na Justiça do Trabalho”. São Paulo: LTr, 2014, p. 51).

O direito processual, como é basilar, tem por fim instrumentalizar o direito material violado, não sendo raras as hipóteses em que, para se negá-lo, simplesmente se inviabiliza a pretensão pelo acolhimento de uma questão processual, tornando mais fácil a atuação do órgão julgador, principalmente quando diz respeito a questões novas que requerem indagações mais profundas (Raimundo Simão de Melo, “Ação civil pública na Justiça do Trabalho”. São Paulo: LTr, 2014, p. 233).

Apreciar e julgar pedidos numa ação coletiva não é fácil. Fácil é julgar horas extras, aviso prévio, férias etc., ou seja, aqueles pedidos que marcaram a Justiça do Trabalho a vida inteira. Porém, cabe lembrar que em 12/6/2006 o Plenário do STF concluiu o exame de relevante tema sobre a tutela coletiva na Justiça do Trabalho, afirmando se tratar de decisão de grande significado para a efetivação dos direitos fundamentais trabalhistas, cujos titulares passaram a ter assegurado o seu pleno acesso à justiça, por intermédio da proteção coletiva. Nas palavras do então Ministro Sepúlveda Pertence, a decisão promove a “reação à sina histórica da Justiça do Trabalho de ser a justiça dos desempregados” (STF – Proc. RE 214.668; relator ministro Joaquim Barbosa; publicado no DJ 24.8.2007).

Para a Justiça do Trabalho, não se pode esquecer, a tutela coletiva oferece a perspectiva de racionalizar as demandas repetitivas, com economia de recursos e uniformidade de decisões, além do que, assegura, com maior efetividade, os direitos sociais fundamentais dos trabalhadores.

Autores

  • é doutor e mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC-SP. Professor Titular do Centro Universitário — UDF, no mestrado em Direito das Relações Sociais e Trabalhistas e na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo (SP), na Pós-Graduação em Direito e Relações do Trabalho. Consultor Jurídico e Advogado. Procurador Regional do Trabalho aposentado. Membro da Academia Brasileira de Direito do Trabalho.

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