Opinião

Tema 885 do STF: da equivocada aplicação aos julgamentos do STJ

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15 de novembro de 2023, 6h01

Em fevereiro de 2023, o STF (Supremo Tribunal Federal) julgou os Temas 881 e 885 da repercussão geral. Naquela oportunidade, decidiu os efeitos que suas decisões proferidas em sede de ação direta ou repercussão geral terão sobre decisões proferidas anteriormente e que lhes forem contrárias. Desde então, uma dúvida paira no ar: o mesmo entendimento deverá ser estendido aos julgamentos realizados pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) em sede de recursos repetitivos?

Apesar de uma primeira sinalização do STJ (AR 6.015/SC, 1ª Seção) em sentido afirmativo, somos de opinião de que tal entendimento não deve prevalecer.

Ao julgar os Temas 881 e 885, o STF declarou que as decisões proferidas pelo seu Plenário em sede de controle concentrado e difuso, quando submetidas à sistemática da repercussão geral, equivalem a novas normas jurídicas, porquanto dotadas de eficácia erga omnes e efeito vinculante, forte no artigo 102, § 2º, da CF. Assim, provocam a cessação imediata e automática da ultratividade executiva das decisões judiciais transitadas em julgado que tenham se amparado em interpretação de norma jurídica de forma contrária ao posicionamento da Suprema Corte em relação jurídica continuada.

Já no que se refere às decisões proferidas em sede de controle difuso, posteriores à sistemática da repercussão geral, não há disposição constitucional expressa nesse sentido. Diante disso, o ministro relator Roberto Barroso sustentou que os efeitos vinculantes, nesses casos, decorrem do Código de Processo Civil, o qual regulamenta o regime da repercussão geral e que impõe ao Poder Judiciário o dever de observar as decisões proferidas em sede de recursos repetitivos. Por outro lado, sustentou que a eficácia erga omnes exsurgiria da dita necessária mutação constitucional do artigo 52, X, da Constituição, para que o papel do Senado seja somente o da publicização de decisões proferidas pelo plenário do STF.

Tal posicionamento é, por si só, questionável, pois desvirtua a sistemática prevista na EC nº 45/2004, no sentido de que, para que uma decisão do STF efetivamente produza efeitos de nova norma jurídica, é necessária a existência de quórum qualificado ou procedimento específico envolvendo o Poder Legislativo.

Além disso, a controvérsia submetida à apreciação do STF trata da cessação dos efeitos temporais da coisa julgada em razão de julgamento de um recurso extraordinário anteriormente ao regime da repercussão geral. A discussão em torno dos efeitos posteriores à instituição dessa sistemática não foi apreciada nem discutida nas instâncias de origem. Assim, ao ampliar a controvérsia, o STF violou o princípio da congruência, de modo que a tese deverá ser adequada.

De qualquer sorte, ainda que superadas tais questões, há elementos a serem analisados pelo próprio STJ para a aplicação de tal precedente aos julgamentos realizados em sede de recursos repetitivos.

Primeiramente, a efetiva possibilidade da aplicação da razão de decidir. Conforme já dito, o STF declarou que as decisões proferidas em regime de repercussão geral possuem o status de norma jurídica. Para tanto, sustentou o STF que o efeito vinculante decorre do CPC e a eficácia erga omnes da mutação constitucional do artigo 52, inciso X, da Constituição.

Quanto ao efeito vinculante, igual característica é atribuída aos julgamentos do STJ realizados em sede de recursos repetitivos por força dos artigos 927, III, e 928, II, do CPC. Contudo, no que tange à eficácia erga omnes, não há disposição constitucional ou legal que permita a atribuição desses efeitos às decisões do STJ proferidas em sede de recursos repetitivos. E, sem eficácia erga omnes, torna-se forçoso admitir que não há como se estabelecer o status de norma jurídica e, pois, de aplicar a razão de decidir do Tema 885 às decisões do STJ proferidas em sede de repetitivos.

Inclusive, o próprio STJ, ao apreciar o recurso especial nº 1.118.893/MG sob a sistemática de recursos repetitivos, fixou entendimento no sentido de que a superveniência de decisão do STF em sentido oposto à decisão judicial transitada em julgado em nada poderia alterar a relação jurídica estabilizada pela coisa julgada.

Portanto, independentemente da posição adotada pelo STF sobre as lacunas existentes no acórdão do Tema 885, há elementos que militam para a não aplicação desse precedente aos julgamentos do STJ realizados em sede de recursos repetitivos, especialmente pela inexistência de lastro normativo que confira efeitos erga omnes às decisões da corte especial. Diante disso, caberá ao plenário do STJ examinar o tema sob a perspectiva infraconstitucional antes de adotar as conclusões do Tema 885 em seus julgamentos, especialmente para analisar a atribuição de eficácia erga omnes às suas decisões.

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