Iguais e diferentes

Apagões no AP e em SP afetam milhares e têm tratamento diferenciado na Justiça

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13 de novembro de 2023, 7h38

O apagão em São Paulo decorrente da chuva e ventania do último dia 3 de novembro já teve duas decisões, no mínimo, favoráveis a consumidores prejudicados pela falta de energia. Em contrapartida, o blecaute que atingiu 13 dos 16 municípios do Amapá durante 22 dias, em 2020, afetando a vida de cerca de 700 mil cidadãos, segue sem culpados reconhecidos pela Justiça estadual e federal. A primeira se declarou incompetente. A segunda julgou improcedentes pedidos de quem alega ter sido lesado.

Por maioria de votos, ao apreciar Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas, o Tribunal Pleno do Tribunal de Justiça do Amapá (TJ-AP) fixou a seguinte tese: “A justiça estadual não é competente para o julgamento das ações indenizatórias propostas em função da interrupção do fornecimento de energia elétrica no Estado do Amapá em novembro de 2020, considerando a possibilidade de responsabilização da Aneel, agência reguladora do sistema elétrico nacional”.

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Restaram vencidos os desembargadores Jayme Ferreira (relator originário) e Gilberto Pinheiro. Ambos citaram jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, segundo a qual é facultado ao consumidor escolher contra quem irá demandar. Em seu voto, também com base no STJ, Pinheiro acrescentou não ser cabível ao TJ-AP impor ao consumidor que ajuíze a ação apenas contra uma das pessoas jurídicas envolvidas na cadeia produtiva ou contra todas elas.

Improcedência
Por esse motivo, as ações foram ajuizadas perante a Justiça Federal. As demandas apreciadas pela juíza Mariana Alvares Freire, da 3ª Vara Federal de Juizado Especial Cível de Macapá (AP), foram julgadas improcedentes sob o fundamento de que “a compensação por danos morais exige a demonstração, no caso concreto, de consequências negativas extras, até mesmo para se aferir se a parte sofreu alguma consequência negativa”.

A julgadora reconheceu que a maior parte da população das cidades afetadas pelo colapso energético foi submetida à mesma situação, mas competia aos autores comprovar os danos alegados. Segundo ela, o entendimento do STJ conforme o qual há presunção de dano moral nas hipóteses de má prestação de serviço público de fornecimento de energia elétrica tem “efeito persuasivo”, sendo ainda inaplicável aos casos concretos para não privilegiar suposta “litigância de massa e predatória”.

Para o STJ, “o dano moral decorrente de falha na prestação de serviço público essencial prescinde de prova, configurando-se in re ipsa, visto que é presumido e decorre da própria ilicitude do fato”. Mariana Freire também mitigou o artigo 6º, inciso VIII, do Código de Defesa do Consumidor (CDC), que prevê a inversão do ônus da prova em favor da parte hipossuficiente da relação. Para ela, é facultado ao magistrado inverter ou não, “de acordo com as minúcias do caso”, para não gerar enriquecimento sem causa.

O juiz Jucélio Fleury Neto, da 5ª Vara Federal de Juizado Especial Cível de Macapá (AP), também julgou as ações improcedentes, mas sob outra fundamentação. Segundo ele, os danos morais pleiteados foram compensados e correspondem aos valores das contas de energia elétrica isentadas pela Medida Provisória nº 1.010/2020. Porém, o artigo 3º da Lei 14.146/2021 diz que as isenções “não excluem eventual responsabilização decorrente da exploração do serviço público de fornecimento de energia elétrica”.

O apagão no Amapá começou após incêndio em uma subestação de distribuição de Macapá, em 3 de novembro de 2020. Segundo o painel de estatística do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os anos de 2020 e 2023, nas 3ª e 5ª varas federais do Juizado Especial Cível de Macapá, foram ajuizadas cerca de 25 mil ações classificadas pelo assunto de indenização por dano moral e fornecimento de energia elétrica. O número em si é elevado, mas representa um percentual ínfimo de vítimas do blecaute.

Liminares em SP
No último dia 5 de novembro, o juiz João Guilherme Lopes Alves Lamas, da Vara do Plantão de Limeira (SP), concedeu liminares nas quais estipula à distribuidora Neoenergia Elektro o pagamento de multas da R$ 100 mil, para cada hora sem restabelecimento de energia elétrica, em favor dos autores de duas ações. Uma delas foi ajuizada por uma associação de moradores. A outra foi proposta por dois cidadãos do município.

Segundo os requerentes, por diversas vezes, eles tentaram contato com a empresa, mas sequer foram atendidos. De acordo com o magistrado estadual, “não há como se admitir tamanha inércia da concessionária de serviços públicos para a retomada do fornecimento, pois ela deveria ter se preparado para eventos extremos, com a contratação de mão de obra e equipamentos, uma vez que é fato notório a transformação climática por que passa o planeta”.

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