Opinião

Verificador independente de resultados da logística reversa de embalagens

Autores

  • Fabricio Soler

    é professor de Direito Ambiental e Resíduos coordenador do MBA Executivo em ESG sócio do Felsberg Advogados e consultor jurídico da ONU para o Desenvolvimento Industrial e da CNI para estudos em resíduos sólidos

  • Talden Farias

    é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne Membro do Instituto dos Advogados Brasileiros e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

5 de novembro de 2023, 15h17

A experiência da figura do verificador independente, pessoa jurídica de Direito Privado com atribuição de monitorar a qualidade e as metas de concessões e parcerias público-privadas, atuando assim com total independência e imparcialidade face à concessionária e ao poder concedente, talvez tenha inspirado a regulação do verificador dos sistemas de logística reversa de embalagens. A União conceitua como verificador de resultados a pessoa jurídica de Direito Privado, homologada e fiscalizada pelo Ministério do Meio Ambiente e Mudança no Clima (MMA), contratada pela entidade gestora, responsável pela custódia das informações, pela verificação e homologação dos resultados de reciclagem, nos termos do artigo 5º do Decreto 11.413/2023.

No último ano foi possível observar a cristalização desse agente externo, que também chamado de verificador de resultados, no cenário regulatório dos sistemas de logística reversa de embalagens. Atualmente, diversas unidades federativas possuem regulamentação acerca da figura do verificador independente, tais como Amazonas, Distrito Federal, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Piauí. A maioria dessas normas define o Verificador como pessoa jurídica de direito privado, contratada pela entidade gestora, que não realiza atividades próprias de entidade gestora ou de entidade representativa, responsável pela verificação dos resultados da reciclagem de embalagens com o objetivo de evitar a colidência e a duplicidade de contabilização desses resultados, bem como comprovar a veracidade, a autenticidade, a unicidade e a adicionalidade das informações referentes à reciclagem de embalagens.

Oportuno contextualizar que a entidade gestora é a pessoa jurídica responsável por estruturar, implementar e operacionalizar o sistema de logística reversa de embalagens em modelo coletivo, abrangendo um conjunto de empresas (fabricantes, importadores, distribuidores e comerciantes de produtos comercializados embalados). Já a entidade representativa é aquela dotada de personalidade jurídica de direito privado que representa os interesses de fabricantes, importadores, distribuidores ou comerciantes e atue na colaboração, no suporte e no apoio às empresas que representa.

Em sua atuação, a credibilidade das informações fornecidas pelo Verificador é essencial, pois, por estar inserido em contexto de possíveis conflitos, é necessário que transmita segurança às partes envolvidas para orientar decisões, auxiliar com subsídios a moldagem de políticas públicas e cumprir as obrigações estipuladas pelo decreto federal citado e pelas normativas estaduais. Nesse sentido, o citado regulamento da União prevê competir o seguinte ao verificador de resultados:

— verificar os resultados obtidos pelas entidades gestoras, empresas e operadoras de sistemas de logística reversa de embalagens, com vistas a garantir consistência, adicionalidade, independência e isenção;

— validar eletronicamente, perante a Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil do Ministério da Fazenda, as notas fiscais eletrônicas;

— validar, perante o MMA, os dados informados por entidades gestoras e operadores de sistemas de logística reversa;

— registrar, armazenar, sistematizar e preservar a unicidade e a não colidência das massas de materiais recicláveis, a serem referenciadas em toneladas, com base nas notas fiscais eletrônicas emitidas pelos operadores;

— preservar os dados relativos à quantidade, tipo de materiais, emissores, receptores, data, entre outros, de forma a garantir a rastreabilidade e a integridade dos arquivos;

— manter a custódia dos arquivos digitais das notas fiscais eletrônicas reportadas pelas entidades gestoras e pelos operadores pelo prazo mínimo de cinco anos;

— emitir relatório anual, incluídos os resultados das empresas que não aderiram ao modelo coletivo, conforme estabelecido em ato do Ministro de Estado do Meio Ambiente e Mudança do Clima; e

— disponibilizar ao MMA, para fins de fiscalização dos resultados das entidades gestoras aderentes, acesso ao seu sistema, respeitado o sigilo das informações.

O MMA, em atenção ao decreto, deverá regulamentar o processo de credenciamento de verificadores por meio de chamamento público. Nesse sentido, salutar compartilhar experiências consolidadas quanto a potenciais atributos e qualificações dessa figura, a partir da atuação de verificadores independentes em concessões públicas e PPPs. O estado de Minas Gerais, por meio da Unidade Central de PPPs, elaborou o "Manual para a Estruturação de Verificadores Independentes" com práticas para agregar valor aos projetos dada a importância de se estabelecer credibilidade junto ao mercado, legitimidade face as partes envolvidas e promover efetividade, razão pela qual é necessário que o verificador independente conte com os seguintes valores [1]:

"Independência: o VI deve ser dotado de completa autonomia e independência frente ao poder público e ao concessionário, e deve ter faculdade para realizar quaisquer atividades pertinentes ao monitoramento e controle de desempenho do projeto. Essa condição impossibilita qualquer influência indevida das partes interessadas e promove a confiança coletiva no sistema de monitoramento e controle;

Transparência: o VI deve adotar uma postura clara e transparente no que diz respeito aos seus objetivos, e promover abertura e visibilidade dos processos de monitoramento e controle às partes interessadas, visando fortalecer a legitimidade de suas atividades, estimular uma relação saudável e construtiva entre todos os envolvidos e, por fim, evitar conflitos, principalmente aqueles relacionados ao processo de aferição de desempenho;

Previsibilidade: o VI deve estabelecer reputação de decisões e ações previsíveis alinhadas com seu papel e com suas responsabilidades dentro do projeto, de forma a reduzir o risco percebido;

Consistência: o VI deve garantir que os processos de monitoramento e controle de desempenho sejam consistentes ao longo do tempo, mantendo a lógica de aferição e tratamento de dados. A coerência das ações é essencial para manter a credibilidade do Verificador Independente, evitar conflito entre as partes e minimizar o risco de comprometimento da execução do contrato;

Flexibilidade: o VI deve dispor de competências, conhecimentos técnicos específicos e instrumentos adequados para a realização do monitoramento e controle do desempenho em cada etapa do projeto. As atividades serão majoritariamente voltadas para a execução dos processos desenhados, exigindo do VI competências que envolvem a aferição e o monitoramento dos indicadores de desempenho frente às metas e análise de não conformidades;

Integração: o VI deve promover o relacionamento entre as partes, como, por exemplo, por meio de reuniões periódicas de acompanhamento do status da concessão, viabilizando o intercâmbio de informações e orientando poder público e parceiro privado para decisões e ações rumo ao sucesso do projeto;

Comunicação: o VI deve tornar as informações relacionadas ao desempenho do projeto acessíveis e disponíveis a todos os interessados em tempo hábil, conferindo agilidade nos processos decisórios e na eventual adequação do desempenho operacional;

Eficácia e Eficiência: o VI deve criar processos otimizados para monitorar e controlar o desempenho do projeto de PPP, a fim de garantir a excelência operacional e o alinhamento com os objetivos estratégicos do Estado. Adicionalmente, deve aportar competências, conhecimentos e experiências de maneira a suportar o poder público e o parceiro privado na definição e na análise das soluções técnicas e econômicas que, eventualmente, se fizerem necessárias no projeto;

Responsabilidade: deverá conceber processos de monitoramento e controle claros, expondo os racionais, e justificando as decisões e premissas adotadas. Além disso, o VI deve fundamentar todas as suas análises demonstrando claramente a lógica seguida e assegurando a coerência dos seus resultados".

De acordo com o manual mineiro, "entende-se que, para assumir o papel de Verificador Independente em projetos de PPP, as empresas devem apresentar tais valores e competências básicas, além das competências e conhecimentos específicos relacionados a cada PPP. Portanto, o órgão da administração pública responsável pela contratação do VI deve assegurar a habilidade e a capacidade de o futuro contratado executar o objeto por meio de exigências adequadas quanto à qualificação técnica. Neste sentido, poderá o órgão licitante estabelecer a necessidade de as empresas que atendam ao certame comprovarem sua experiência pregressa como indicativo da capacidade para executar o contrato para prestação de serviços".

A despeito de a regulação do verificador se dar no âmbito de concessões e PPP, tais características poderiam inspirar a União e os estados para fins de qualificação, habilitação e credenciamento de verificadores de resultados de sistemas de logística reversa de embalagens. O interessante é que essa iniciativa promove um compartilhamento de responsabilidades do poder público com o mercado e a própria sociedade civil, gerando mais transparência e controle social da política pública, e contribuindo para a sua maior efetividade.

A esse propósito, outra experiência brasileira que também poderia ser lembrada no âmbito de possível chamamento público do MMA, nos termos do Decreto 11.413/2023, é a figura das firmas inspetoras, organismos credenciados responsáveis pela certificação de biocombustíveis no bojo do RenovaBio (Política Nacional de Biocombustíveis, que foi instituída pela Lei 13.576/2017), programa da União que impõe metas nacionais anuais de descarbonização para incentivar o aumento da produção e da participação de biocombustíveis na matriz energética do país. Esse programa tem sido bastante exitoso, tornando-se referência enquanto instrumento econômico de política ambiental.

Tais firmas desempenham um papel fundamental na garantia da transparência e na integridade do mercado de créditos de descarbonização, pois suas auditorias ajudam a mitigar o risco de fraudes e a assegurar que apenas os produtores que realmente contribuem para a redução das emissões recebam os créditos de descarbonização (CBio) correspondentes. Nesse sentido, a Resolução da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP) 758/2018, dispõe sobre as regras para o credenciamento dessas firmas junto a essa agencia reguladora, com destaque para os dispositivos abaixo:

"Artigo 10. A firma inspetora deve ser independente dos agentes sob processo de certificação e seu pessoal não pode engajar-se em qualquer tipo de atividade que cause conflito com sua independência de julgamento e integridade em relação às suas atividades de certificação.

§1º. A firma inspetora não pode tornar-se diretamente envolvida no projeto, fabricação, fornecimento, instalação, compra, propriedade, uso, manutenção ou outras atividades relativas aos itens verificados no processo de certificação.

§2º. A independência de que trata o caput deve ser mantida por todo o tempo em que a firma inspetora permanecer credenciada na ANP, sob pena de cancelamento do respectivo credenciamento.

(…)

Artigo 12. A interessada deverá encaminhar solicitação de credenciamento de firma inspetora, conforme modelo disponível no sítio eletrônico da ANP, em conjunto com os seguintes documentos:

I – cópia do ato constitutivo (estatuto ou contrato social), incluindo todas as alterações ou a última, se consolidada, e no caso de sociedade por ações, cópia da ata de eleição dos administradores;

II – procuração nomeando seu representante legal junto à ANP, conforme modelo disponível no sítio eletrônico da ANP; bastando, no caso de empresa estrangeira com autorização para funcionar no país, a apresentação de cópia da procuração prevista no artigo 1.138 do Código Civil;

III – cópia do documento de identificação do representante legal de que trata o inciso II;

IV – declaração descrevendo suas atividades relacionadas ao objeto da presente Resolução;

V – documento que defina suas responsabilidades e sua estrutura hierárquica; e

VI – cópia do certificado que comprove ser acreditada como Organismo de Verificação de Inventários de Gases de Efeito Estufa (OVV).

(…)

Artigo 14. É dever da firma inspetora:

I – assegurar que as atividades sejam executadas de acordo com a norma ABNT NBR ISO 14065;

II – assegurar que possui infraestrutura adequada para todas as atividades da certificação de biocombustíveis;

III – realizar o processo de Certificação de Biocombustíveis com equipe de, no mínimo, dois profissionais que atendam, em conjunto, às seguintes competências:

a) titulação de grau superior relacionada às ciências agrárias, ambientais, engenharia ou química, devidamente registrado no respectivo órgão de classe;
b) certificado de treinamento que contenha em seu escopo a norma ABNT NBR ISO 19011 – diretrizes para auditoria de sistemas de gestão, incluindo a comprovação de aprovação no exame como auditor líder fornecido por instituição acreditada; e
c) experiência em práticas de auditoria de Inventários de Emissão de Gases de Efeito Estufa ou Pegada de Carbono de, no mínimo, dois anos, devidamente comprovada; e

IV – possuir declaração de confidencialidade da equipe de auditoria para todas as informações obtidas ou geradas durante o desempenho das atividades de certificação.

Artigo 15. Fica vedada a contratação de pessoa física ou jurídica que tenha prestado consultoria relacionada à implementação do processo de certificação de biocombustível ou que tenha feito parte do quadro de trabalhadores, do quadro societário ou atuado como conselheiro da empresa objeto de certificação no período de dois anos anteriores ao início do processo de certificação.

(…)

Artigo 17. O descumprimento, pela firma inspetora, do disposto nos arts. 14 e 15 acarreta a declaração de nulidade da certificação pela ANP e a obrigatoriedade de refazer o processo de Certificação de Biocombustíveis".

Conforme se observa do arcabouço regulatório vigente, a União já conta com experiências práticas para veicular o edital de chamamento público por intermédio do MMA, com critérios de habilitação e de homologação de verificadores de resultados, observados os princípios da legalidade, da eficiência, da moralidade, da supremacia do interesse público, da razoabilidade e da transparência, em conformidade com as melhores práticas de governança e de padrões éticos e com vistas à maior segurança jurídica para os sistemas de logística reversa. Trata-se de um fator fundamental para a ampliação desses sistemas, e para assim viabilizar o aumento dos índices de reciclagem, com geração de empregos e incremento da renda no país, contribuindo para a proteção do meio ambiente com eficiência econômica e justiça ambiental, de forma que agora falta apenas o MMA partir para essa próxima etapa.

 


Referência

SOLER, Fabricio. Direito dos Resíduos: Sistemas de Logística Reversa de Embalagens em Geral. Regulamentos Estaduais. São Paulo: Instituto PNRS, 2023.

 


[1] Capítulo 3 "Fundamentação e Conceituação do Verificador Independente" do Manual para a Estruturação de Verificadores Independentes: práticas para agregar valor aos projetos de Parceria Público-Privada. Unidade Central de PPP, inserida no âmbito da Secretaria de Estado de Desenvolvimento Econômico de Minas Gerais. Disponível em: https://www.mg.gov.br/system/files/media/planejamento/documento_detalhado/2022/parcerias-publico-privadas/csb00061_book_ppp-governo_de_minas_final.pdf.

Autores

  • é sócio do Felsberg Advogados, responsável pelo departamento de Ambiente e Sustentabilidade.

  • é advogado e professor de Direito Ambiental da UFPB e da UFPE, pós-doutor e doutor em Direito da Cidade pela Uerj com doutorado sanduíche junto à Universidade de Paris 1 — Pantheón-Sorbonne, membro do Instituto dos Advogados Brasileiros (IAB) e vice-presidente da União Brasileira da Advocacia Ambiental.

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