Opinião

Advogados públicos e a luta pelo exercício pleno da advocacia

Autores

20 de março de 2023, 6h32

Os tratados e convenções internacionais, quando não aprovados sob o mesmo rito das propostas de emenda constitucional, têm natureza supralegal. Encontram-se precisamente abaixo da Constituição e acima das leis ordinárias e complementares.

A hierarquia das leis é interessante na estruturação da Advocacia-Geral da União. A Constituição da República, na linha do que fez com o Ministério Público (artigo 128, §5º, da CF), reservou a organização e funcionamento da AGU à lei complementar (artigo 131 da CF), no caso a LC nº 73/1993, sua Lei Orgânica.

A referida LC nº 73/1993, em qualquer outra matéria que não trate de "organização e funcionamento", pode ser modificada por outro tipo de lei. Com efeito, dispuseram sobre a AGU as Medidas Provisórias nº 258/2005, 1561/1996 (reeditada várias vezes), 941/1995, 894/1995, 833/1995, 773/1994, 719/1994, 671/1994, 631/1994, 593/1994, 562/1994, 537/1994, 511/1994, 485/1994, 460/1994, 436/1994, 417/1994, 397/1993, 377/1993, 365/1993, 357/1993, 348/1993 e 330/1996.

Um dos pleitos dos advogados públicos federais, que foi incluído em acordo realizado com o governo federal em 2015 (PL 4.254/2015), é a liberação do exercício profissional fora das atribuições do cargo. Esse direito, aliás, foi franqueado aos procuradores do Ministério Público que optaram pelo regime jurídico anterior, o regime em que desempenhavam as atribuições de advogados públicos, mantendo consequentemente seus direitos, dentre eles, o de advogar.

O professor José Afonso da Silva sintetizava, sobre essa singularidade que, "até o regime constitucional anterior à Constituição de 1988, descentralizaram-se as funções de Ministério Público, de tal sorte que o Ministério Público Federal se tornou fundamentalmente um órgão de defesa dos interesses da União em juízo. As funções de Ministério Público tornaram-se marginais, e ainda mais quando a Constituição de 1937 extinguiu a Justiça federal. Não foi sem razão que os membros da instituição chamaram-se procuradores da República" (Silva, José Afonso. Comentários contextuais à Constituição. 9ª edição São Paulo: Malheiros, 2014, p. 617).

O artigo 29, §§2º e 3º, do ADCT, que institui verdadeiro direito adquirido a regime jurídico, contrariando jargão firmado na primeira reforma da previdência, é quem outorga aos procuradores optantes do regime jurídico da advocacia pública o direito de advogar.

Já defendemos — o ensaio faz mais de uma década — que esse direito foi restituído pelo artigo 6º da Lei 11.890/2008, e agora reforçamos, mais uma vez, que ele foi reiterado pelo artigo 90 da Lei 13.328/2016, que reafirmou que, dentre outros servidores, os titulares de cargos das carreiras jurídicas do Poder Executivo são impedidos de exercer outra atividade, pública ou privada, potencialmente causadora de conflito de interesses e ainda acrescentou que "na hipótese em que o exercício de outra atividade não configure conflito de interesses, o servidor deverá observar o cumprimento da jornada do cargo, o horário de funcionamento do órgão ou da entidade e o dever de disponibilidade ao serviço público".

Aliás, o Projeto de Lei 5.531/2016 (fruto do desmembramento do já mencionado PL 4.254/2015), que trata também sobre a matéria, quando aprovado na Comissão de Trabalho e Serviço Público da Câmara dos Deputados [1], ensejou parecer dos legisladores de que não era necessária outra lei, pois esse direito já existe independente da aprovação de novo projeto.

Certo é que a luta pelos direitos nem sempre finda com um texto legal. Foi o que ocorreu com os honorários advocatícios que precisou de, nada menos, que três leis federais, para outorgá-los aos advogados públicos, o EOAB, o CPC e a Lei nº 13.327/2016. A efetividade do reconhecimento do direito de advogar, agora cremos, sem embargo dos argumentos anteriores, deu-se com a Convenção de Mérida.

Incorporada pelo Decreto nº 5.687/2006, a Convenção, que, como dito, tem natureza supralegal, superior, pois, à Lei Orgânica da AGU, verbera no seu artigo 8º, nº 5, sobre o código de conduta dos funcionários públicos, o seguinte:

"5. Cada Estado Parte procurará, quando proceder e em conformidade com os princípios fundamentais de sua legislação interna, estabelecer medidas e sistemas para exigir aos funcionários públicos que tenham declarações às autoridades competentes em relação, entre outras coisas, com suas atividades externas e com empregos, inversões, ativos e presentes ou benefícios importantes que possam das lugar a um conflito de interesses relativo a suas atribuições como funcionários públicos."

A convenção, que visa a prevenir e combater mais eficaz e eficientemente a corrupção, estabelece abertamente que os servidores podem exercer outras atividades, com transparência e sem dar lugar a conflito de interesses com a suas atribuições como servidores públicos.

O direito existe. Já são três legislações, afora o Estatuto da OAB, que o reconhece. Na luta pelos direitos, dessa vez, talvez baste um mero parecer do advogado-geral da União, reconhecendo a seus pares o que já fez o legislador e convenção das Nações Unidas. Aguardemos.

Autores

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!