Processo Tributário

Ilegalidade da exigência de garantia integral em embargos à execução fiscal

Autores

  • Marina Júlia Tófoli

    é advogada mestranda e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

  • Rodrigo Dalla Pria

    é advogado doutor em Direito Processual Civil mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor e coordenador do curso de extensão Processo Tributário Analítico (Ibet) coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente coordenador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico (Ibet) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

5 de março de 2023, 8h00

Disciplinada pelos enunciados contidos na Lei nº 6.830/1980, Lei de Execução Fiscal, a ação executiva promovida pela Fazenda Pública para buscar a realização do crédito tributário, cuja responsabilidade patrimonial tenha sido plasmada na respectiva certidão de dívida ativa, embora se assemelhe em alguns aspectos ao regime jurídico das execuções reguladas pelo Código de Processo Civil, apresenta peculiaridades que, regularmente, mantém o assunto em local de destaque nos debates doutrinários e conflitos travados entre fisco e particulares.

A exigência da garantia na totalidade do valor do débito executado como requisito para apresentação de argumentos de defesa pelo devedor executado é um desses temas recorrentes.

Como sabemos, a ação executiva fiscal é o instrumento processual por meio do qual a Fazenda Pública busca a realização do crédito tributário, mediante a prática de atos expropriatórios do patrimônio do devedor tributário, sendo a ação exacional por excelência no âmbito do direito processual tributário [1].

Inadimplido o crédito tributário, o efeito jurídico dessa condição faz nascer a relação jurídica de pretensão e responsabilidade patrimonial entre fisco e devedor tributário, autorizando a submissão do sujeito passivo a atos de cobrança e exigência do crédito tributário, inclusive com efeitos patrimoniais. Realizada a inscrição em dívida ativa, tal relação será plasmada integralmente em título executivo, autorizando a prática de atos de expropriação do patrimônio do devedor que, considerando a proteção constitucional que guarnece esse mesmo patrimônio, deve ser realizada exclusivamente na esfera judicial, por meio da ação de execução fiscal.

O procedimento da Lei de Execução Fiscal atribui ao devedor executado a prerrogativa de, citado, optar por pagar sua dívida, efetuar o parcelamento do débito ou oferecer bens para garantia do juízo a fim de manejar sua defesa contra a exigência tributária; hipótese essa que suscita litigiosidade, uma vez que a garantia da dívida executada é requisito para oposição dos embargos à execução fiscal.

Editada (a LEF) no contexto do Código de Processo Civil/1973, em que o regime jurídico das execuções civis, subsidiariamente aplicado às execuções fiscais, era distinto do atual, a interpretação de seus dispositivos pode ser desafiadora dentro do contexto da codificação processual de 2015.

Na verdade, conflitos marcantes entre as normas e regimes processuais na história recente a respeito desse específico ponto (a exigência de garantia como condição de admissibilidade dos embargos à execução fiscal) iniciaram com a edição da Lei nº 11.382/2006, que promoveu alterações no regime das execuções mantidas pelo Código de Processo Civil/1973.

Dentre as mudanças, destaca-se a regra que afasta a necessidade de garantia do Juízo para oposição dos Embargos do Devedor, regra essa reproduzida pelo Código de Processo Civil/2015.

São exatamente esses dois aspectos que dão fundamento para a ideia, ora defendida, segundo a qual a exigência da garantia para oposição e, especialmente, processamento dos Embargos à Execução Fiscal, não deve corresponder, necessariamente, ao valor integral da dívida.

Pois bem.

No julgamento do recurso especial nº 1.272.827/PE, a 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça fixou entendimento de que "em atenção ao princípio da especialidade da LEF, mantido com a reforma do CPC/1973, a nova redação do art. 736 do CPC dada pela Lei n. 11.382/2006 — artigo que dispensa a garantia como condicionante dos embargos — não se aplica às execuções fiscais", ou seja, foi mantida a exigência de garantia como requisito para oposição de Embargos à Execução Fiscal, por se considerar ausente qualquer incompatibilidade entre o regime geral e o especial da LEF nesse aspecto.

Emerge elevada dúvida sobre o caráter isonômico desse entendimento, pois, aos devedores que detenham a possibilidade de formalização de garantia integral da dívida, outorga-se a possibilidade de manejar sua defesa à pretensão fazendária, todavia, nas hipóteses em que o devedor não possua bens suficientes para garantia integral do Juízo o exercício do direito de defesa resta tolhido.

Tal questionamento foi dirimido com o entendimento firmado pelo STJ em diversos julgados [2], que entendeu pela prescindibilidade de garantia integral para recebimento dos Embargos por não estar escrito no texto da LEF a expressão "integral", exigindo-se, tão somente, a existência de garantia.

Todavia, a pragmática aponta em outro sentido, o de que o processamento dos Embargos à Execução Fiscal, frequentemente, é freado pela exigência da integralidade da garantia.

Com efeito, efetivada a penhora de bens, ainda que parcial, inicia-se a contagem do prazo de trinta dias para oposição dos Embargos à Execução Fiscal. Cumpriu-se o requisito legal, anuiu-se ao entendimento do STJ: a dívida ativa foi garantida mediante penhora ainda que parcial, o que autoriza o recebimento e o processamento regular dos Embargos à Execução Fiscal até seu julgamento.

Nesse contexto, procedida a indisponibilidade de ativos financeiros pelo sistema Sisbajud, é frequente a conversão em penhora de montante parcial da dívida não suficientes para formalizar a garantia integral.

Nesse caso, cabe à Fazenda Pública exequente buscar a garantia da parcela faltante do crédito executado.

Todavia, não raro os Embargos à Execução Fiscal são recebidos com despacho contendo ordem para que o sujeito passivo-embargante "promova a garantia integral da dívida, sob pena de extinção dos Embargos sem julgamento de mérito".

Ora, se: (1) os requisitos para oposição dos embargos foram cumpridos; (2) dívida está garantida, ainda que parcialmente, (3) as partes são legítimas; (4) a defesa é tempestiva; (5) o juízo é competente e, (6) os demais requisitos formais da petição estão preenchidos; os embargos devem não apenas ser recebidos, mas processados regularmente e julgados em seu mérito.

Não se afasta a possibilidade de determinação da prática de novo ato constritivo voltado à garantir a parcela do débito remanescente, a ser praticada na ação de Execução Fiscal mediante requerimento expresso do exequente, nos termos do inciso II, do artigo 15, da LEF [3]. O que não se pode admitir, no entanto, é que a garantia parcial do débito exequendo não seja suficiente para viabilizar o processamento dos embargos.

É essencial ter em mente que, ao autorizar ao devedor tributário a possibilidade de instrumentalizar sua defesa à pretensão executiva por meio da oposição de Embargos à Execução Fiscal, mediante garantia parcial, a manifestação jurisprudencial tutela direito constitucional de elevado conteúdo axiológico diretamente relacionado às noções de ampla defesa e contraditório, entendimento esse que merece ser replicado nas instâncias ordinárias a fim de manter a esperada unicidade interpretativa e isonomia de tratamento, valores esses tidos como verdadeira base de sustentação do microssistema de normas processuais, especialmente, pelo modelo constitucional de processo.

 

* Texto oriundo dos debates deflagrados nas aulas do crédito de "Direito Processual Tributário" do curso de mestrado do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), ministrado pelo professor Rodrigo Dalla Pria

 


[2] Recurso Especial nº 1.127.815/SP, nº 899.457/RS, nº 739.137/CE, 625.921/CE e 758.266/MG.

[3] A ilegalidade da determinação de reforço de penhora de ofício pelo magistrado foi reconhecida pelo STJ, no julgamento do recurso especial repetitivo nº 1.127.815/SP que fixou o Tema 260, segundo o qual, em executivos fiscais "o reforço da penhora não pode ser deferido ex officio".

Autores

  • é advogada, mestranda e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

  • é advogado, doutor em Direito Processual Civil e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão de "Processo tributário analítico" do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

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