dever vale a pena?

Salomão propõe afastamento da Selic para corrigir condenações por dívidas civis

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1 de março de 2023, 16h09

A aplicação da taxa fazendária (Selic) para corrigir as dívidas civis não é uma diretriz incontornável. Ao contrário, é apenas um parâmetro a ser adotado, à falta de outro mais adequado. Assim, pode ser afastada nas situações em que os juros remuneratórios e a correção monetária não fluírem simultaneamente.

Gustavo Lima/STJ
Distinguishing proposto pelo ministro Salomão visa evitar distorção nos casos de regulados pelas regras do Direito Privado
Gustavo Lima/STJ

Com esse entendimento, o ministro Luis Felipe Salomão, do Superior Tribunal de Justiça, propôs à Corte Especial uma distinção quanto à aplicação do artigo 406 do Código Civil, a regra que determina que, na ausência de juros convencionados, deve ser aplicada a taxa que estiver em vigor para a mora do pagamento de impostos devidos à Fazenda Nacional.

O julgamento foi iniciado na tarde desta quarta-feira (1º/3) e interrompido por pedido de vista do ministro Raul Araújo. Envolveu sete amici curiae (amigos da corte) e, como mostrou a revista eletrônica Consultor Jurídico, tem impacto potencial astronômico em diversos mercados de peso na economia nacional, bem como na política judiciária praticada no Brasil.

Desde 2008, após um precedente da própria Corte Especial, o STJ tem definido que o índice do artigo 406 do Código Civil é a taxa Selic. Mas essa posição nunca se pacificou nas instâncias ordinárias ou no próprio tribunal superior. Para o ministro Salomão, a Selic faz sentido nas relações de Direito Público, mas não nas de Direito Privado.

O problema está no fato de a Selic incorporar juros moratórios e correção monetária. No campo do Direito Privado, nem sempre esses encargos correm a partir do mesmo marco temporal.

Em caso de responsabilidade extracontratual, os juros moratórios fluem a partir do evento danoso, segundo a Súmula 54 do STJ. Se a condenação decorrer de relação contatual, o termo inicial da contagem é a citação. Já quanto à correção monetária, o termo inicial é a data da prolação da decisão que fixou o seu valor, como diz a Súmula 362.

Nessas hipóteses, a Selic deixa de ser o índice mais adequado a ser usado. Em vez disso, admite-se o uso de 1% ao mês, como prevê o artigo 161, parágrafo 1º do Código Tributário Nacional. A aplicação dessa norma tende a aumentar substancialmente o valor das dívidas, uma vez que a correção pela Selic sequer serve para cobrir as perdas inflacionárias.

Nesse ponto, o ministro Salomão apontou que o uso da Selic atrai um componente grave de política juridiciária. "Dever, em juízo, compensa. Protelar a dívida é vantagem. E isso só acontece aqui em nosso país. Em nenhum outro lugar mais", criticou.

Manter a aplicação indiscriminada da Selic para corrigir dívidas civis, assim, geraria situações paradoxais: permitiria enriquecimento sem causa de uma das partes, dependendo do período, e incentivaria a litigância habitual, a recalcitrância recursal e a desmotivação das soluções alternativas de resolução de conflitos.

"Penso que, uma vez detectada a impossibilidade prática da incidência da Selic ou sua inadequação, não há qualquer obstáculo em buscar outro índice legal que melhor equacione a controvérsia", resumiu o relator. O pedido de vista foi feito pelo ministro Raul Araújo, que tende a divergir, conforme debates anteriores no mesmo caso, quando julgado na 4ª Turma.

Caso concreto
O caso concreto em julgamento trata de um acidente de trânsito em que a vítima sofreu lesão e passou a ter direito a indenização. A autora da ação é defendida pelo advogado Leonardo Amarante, que defendeu que a aplicação da Selic gera injustiça e também instabilidade total para o sistema Judiciário.

"A dona Zilda não tá fazendo aplicação financeira. Ela quer receber a indenização. Ninguém quer usar o Judiciário — principalmente a vitima que sofreu dano — para ganhar dinheiro", disse. Para a empresa de transportes processada, a correção deve se dar pela Selic, sob pena de o STJ declarar a inconstitucionalidade do artigo 406 do Código Civil.

REsp 1.795.982

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