Opinião

ICMS sobre a Tusd em pauta no Supremo Tribunal Federal

Autor

  • Igor Mauler Santiago

    é sócio-fundador do escritório Mauler Advogados mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

1 de março de 2023, 20h14

*artigo publicado originalmente no Valor Econômico

Na ADI 7.195, os estados contestam vários pontos da Lei Complementar nº 194/2022, em especial a fixação de um teto para o ICMS de combustíveis e outros bens e as mudanças impostas nos empréstimos que pagam à União e nos repasses que fazem aos municípios.

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Em boa medida têm razão. Veja-se o teto de alíquotas: a Constituição autoriza o Senado a fixá-lo para resolver conflito federativo específico. Ora, nem se teve resolução do Senado (mas lei complementar), nem a supertributação daqueles produtos gerava litígio federativo, embora causasse alguma agitação social — espontânea ou politicamente guiada. Embora o Supremo Tribunal Federal (STF) tenha vedado a aplicação a alguns desses bens de alíquotas superiores à básica (de 17% ou 18%), adiou os efeitos dessa proibição para janeiro de 2024, o que torna ainda menos legítima a antecipação desse corte para junho de 2022.

Problemático também é limitar no tempo (apenas para 2022, quando o STF blindou os cofres estaduais até o fim de 2023) e sujeitar a piso elevado (apenas redução superior a 5%) a compensação das perdas arrecadatórias decorrentes do teto, que só nesses limites foram dedutíveis contra parcelas de empréstimos devidas à União pelos estados. Duvidoso é ainda obrigá-los a entregarem aos seus municípios uma parte desse desconto nas prestações, que não é receita tributária, mas redução de despesa financeira.

Perdidos na longa petição dos governadores há dois parágrafos sobre uma queixa onde eles não têm nenhuma razão — paradoxalmente, a única acolhida em liminar pelo ministro Luiz Fux: a exigência de ICMS sobre a Tust e a Tusd. Em suma, os grandes consumidores não são obrigados a adquirir energia da distribuidora que serve a sua região, podendo fazê-lo junto a qualquer geradora do Brasil. Nesse caso, pagam em separado, para terceiras empresas, pelo uso dos respectivos sistemas de transmissão e de distribuição. Essas tarifas são conhecidas como Tust e Tusd.

O debate sobre a sua sujeição ao ICMS tem mais de 15 anos, estando maduro para julgamento no Superior Tribunal de Justiça (STJ) — Tema 986. Os próprios Fiscos concordam que não se trata de ICMS-transporte, pois não há identidade entre a energia despachada pela geradora e a consumida pela contratante. E é fácil notar que a Tust-Tusd não correspondem a nenhuma das rubricas que a Lei Complementar nº 87/96 permite somar ao preço da mercadoria: seguro, juro ou desconto condicional e demais valores pagos pelo comprador ao vendedor (pois são pagas a terceiro).

Foi nesse quadro que a lei complementar previu a não incidência do ICMS. Ao dar a liminar, o ministro Fux afirmou que os artigos 155, II e parágrafo 3º, da Constituição e 34, parágrafo 9º, do ADCT estendem o imposto "não apenas ao consumo efetivo, mas a toda a infraestrutura utilizada para que esse consumo venha a se realizar, isto é, o sistema de transmissão de energia".

Ao fazê-lo, contraria duplamente a jurisprudência do STF. Primeiro porque, no Tema 956 da repercussão geral, este declarou que a disputa sobre a incidência do ICMS na Tust-Tusd não tem nível constitucional, não merecendo o seu crivo. Depois porque, no Tema 176, repeliu a tese de que os artigos citados na liminar vedam a segregação de parcelas da tarifa de energia para fim de incidência e não incidência do imposto — e ambas eram pagas ao mesmo agente, ao contrário do que ocorre aqui. A tese firmada diz que "a demanda de potência elétrica não é passível, por si só, de tributação via ICMS, porquanto somente integram a base de cálculo desse imposto os valores referentes àquelas operações em que haja efetivo consumo de energia elétrica pelo consumidor". O caso foi decidido por 9 votos a 2, tendo o ministro Luiz Fux integrado a corrente vencedora.

O afastamento do ICMS não significa que a Tust e a Tusd fiquem livres de imposto, pois a transmissão e distribuição de energia são obrigações de fazer, atraindo o ISS. Isso fica ainda mais claro quando se verifica que, ao contrário da locação de bens móveis, aqui é o contratado, não o contratante, que detém e opera os seus equipamentos. Basta pensar noutras atividades especializadas que exigem equipamentos custosos, como a medicina nuclear e a perfuração de poços de petróleo, cuja qualificação como serviços nunca foi questionada.

Isso sem falar que a União — que tem competência privativa para legislar sobre energia — define a transmissão e a distribuição de energia como serviços na lei que rege a Aneel. E mais: embora possam ser incluídas em novo item na lista anexa à Lei Complementar nº 116/2003, parece possível enquadrá-las desde logo no item 31.01, que tem redação aberta ("e congêneres"), dada a semelhança que têm com as telecomunicações.

Em conclusão, precedentes do STF apontam para a derrubada da liminar — que está em pauta no Plenário Virtual esta semana — ou, se mantida, para que se limite a anular o artigo da LC 194 que exclui o ICMS na Tust-Tusd, restaurando o status anterior: ausência de regra expressa sobre o tema e competência exclusiva do STJ para decidir o mérito com base na legislação preexistente.

Autores

  • é sócio-fundador do Mauler Advogados, mestre e doutor em Direito Tributário pela Universidade Federal de Minas Gerais, membro da Comissão de Direito Tributário do Conselho Federal da OAB e presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Processo Tributário (IDPT).

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