Crime dos crimes

Juristas compartilham experiência de combate a lavagem no Brasil e Alemanha

Autor

30 de maio de 2023, 14h47

Na última semana, juristas se reuniram em Berlim, capital alemã, para tratar do crime de lavagem de dinheiro sob uma perspectiva comparada entre Brasil e Alemanha.

ConJur
Seminário analisou o crime lavagem de dinheiro no Brasil e na Alemanha

Sob a coordenação do professor Luís Greco, catedrático de direito penal da Universidade de Humboldt, nomes importantes do Direito brasileiro, como o ministro do STJ Rogerio Schietti, o jurista Pierpaolo Cruz Bottini e a desembargadora Simone Schreiber, e do Direito alemão, como os professores Thomas Rönnau e Martin Heger, debateram temas relacionados ao crime.

Os debates foram iniciados com uma exposição de Rönnau, que é professor e catedrático da Bucerius Law School, em Hamburgo, sobre a legislação alemã e a realidade da lavagem de dinheiro naquele país. O docente apresentou números sobre a baixa persecução penal e condenação e afirmou que a Alemanha seria um paraíso para a lavagem de capitais, dada a cultura de utilização de dinheiro vivo em larga escala, ao contrário de outros países da Europa.

No mesmo painel, o professor da Uniersidade de Lisboa, Alaor Leite, apresentou a legislação portuguesa e sua característica mista de prevenção e repressão, enquanto o advogado Ciro Chagas, pesquisador visitante na Universidade de Humboldt, trouxe ao debate o tema das criptomoedas e sua relação com a lavagem de capitais.

Após a exposição do advogado criminalista Juliano Breda sobre a redação da lei brasileira de lavagem de dinheiro, os debates giraram em torno das diferenças entre as legislações nos países, em especial sobre o fato de que a normativa brasileira tem como eixo central a ocultação, enquanto as leis dos países europeus são, por vezes, mais abrangentes, prevendo a mera aquisição de bens de origem ilícita como ato de lavagem de dinheiro.

Autolavagem e contaminação de bens
No dia seguinte, o advogado Andrea Marighetto, especializado em Direito Comercial Comparado, trouxe a perspectiva civil sobre o fenômeno da lavagem de dinheiro, enquanto o advogado Guilherme Góes, doutorando na Universidade de Humboldt, discorreu sobre o problema da contaminação de bens, ou seja, a identificação de origem ilícita de determinado patrimônio em que parte dos bens é produto do crime e outra tem proveniência lícita.

O professor da Fundação Getulio Vargas Adriano Teixeira tratou da autolavagem de bens, tema que despertou debates sobre a legitimidade de criminalizar a ocultação e dissimulação quando quem pratica tais atos é a mesma pessoa que executa o crime anterior. Essa situação, mais uma vez, mereceu analises sob a perspectiva brasileira e a alemã.

ConJur
Questões como a autolavagem e contaminação de bens foram debatidas
ConJur

No segundo painel, os advogados Pierpaolo Cruz Bottini e Alamiro Velludo, que também são professores de Direito Penal na Universidade de São Paulo, debateram os elementos subjetivos da lavagem de dinheiro. Velludo tratou da chamada "cegueira deliberada", concluindo que tal instituto é de difícil aplicação no Brasil, e Bottini defendeu que a lavagem de dinheiro existe somente quando o agente tem a intenção de restituir o bem à economia com aparência lícita.

Em outras palavras, o jurista afirmou que a mera ocultação não caracteriza o delito em questão. Na mesmo debate foi levantada a questão da necessidade de controles mais rígidos de compliance sobre capitais vindos do exterior, em especial aqueles provenientes de estruturas sem beneficiários finais identificados.

Depois, a desembargadora Simone Schreiber tratou de questões de prova, ponderando que a demonstração da existência do crime antecedente é essencial para a caracterização da lavagem de dinheiro, enquanto o ministro do STJ, Rogerio Schietti, discorreu sobre as medidas cautelares nos processos sobre crimes da mesma natureza, apontando os requisitos que devem ser observados pelos magistrados para a decretação de prisões e constrições patrimoniais. 

O advogado Ademar Borges, professor do Instituto Brasileiro de Ensino, Desenvolvimento e Pesquisa (IDP), expôs questões sobre a extraterritorialidade do crime de lavagem de dinheiro, criticando decisões judiciais que admitem a persecução penal no Brasil de ilícitos praticados no exterior.

Já no terceiro dia do evento, o tema foi a recuperação de ativos, com palestras do professor catedrático da Universidade Humboldt, Martin Heger; do procurador da República, Henrique de Sá Valadão; e da advogada da União Carolina Yumi, que apresentou a política do Departamento de Recuperação de Ativos do ministério da Justiça nesse setor.

ConJur
O uso de criptoativos para mascarar o crime de lavagem também foi debatido no evento
ConJur

No segundo painel, a advogada Ana Carolina Carlos de Oliveira, doutora em Direito Penal, apresentou questões criticas a respeito da prevenção à lavagem de dinheiro. O também advogado Felipe Carvalho voltou ao tema dos criptoativos e expôs medidas necessárias de regulamentação, enquanto Janice Santin, advogada e douturanda na Universidade Humboldt de Berlim, discorreu sobre a proteção do wistleblower e sua repercussão na prevenção e repressão à lavagem de dinheiro.

Por fim, no último painel, o procurador do Ministério Público de São Paulo, Fernando Capez, tratou do diálogo entre a seara criminal e a administrativa. No campo em discussão, a juíza federal Ana Paula Vieira de Carvalho discorreu sobre o bin in idem entre a persecução por improbidade e por corrupção ou lavagem de dinheiro, enquanto a advogada Natasha do Lago cuidou da possibilidade de concurso aparente entre a lavagem e o crime antecedente.

Os debates foram acirrados sobre os casos de corrupção e lavagem de dinheiro, principalmente sobre os requisitos para que se reconheça a autonomia do segundo em relação ao primeiro, e as hipóteses de concurso de crimes.

Os debates revelaram a profundidade e a necessidade de discussão sobre cada um dos temas. As diferentes legislações e as distintas abordagens jurisprudenciais revelam realidades diferentes, mas que se comunicam, uma vez que o crime muitas vezes tem caráter transnacional e as autoridades de cada país devem cooperar para investigar e punir sua prática.

No entanto, a falta de diálogo acaba por levar a confusões conceituais, a um excesso de controle sobre condutas não muito relevantes e uma falta de rigor para com operações mais perigosas.

O seminário foi um primeiro passo para novas reflexões e para a realização de outros debates, que possibilitem uma troca de experiências com resultados práticos para a racionalização da prevenção e repressão à lavagem de dinheiro.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!