Proteção trabalhista e a dignidade do trabalho humano
26 de maio de 2023, 8h00
Nesta semana, foi notícia no meio jurídico a decisão do Supremo Tribunal Federal em torno da relação de trabalho existente entre motorista de aplicativo e a plataforma. Tratou-se de decisão monocrática do ministro Alexandre de Moraes, que julgou procedente a reclamação constitucional para deslocar a competência para a Justiça Comum [1].
Um dos aspectos que chama a atenção na leitura diz respeito aos fundamentos do TRT-3, transcrito e que diz, a certa altura, para fundamentar o reconhecimento da relação de emprego:
"Ainda que se admitia que a região é nebulosa, a chamada zona grise, a atração da relação jurídica realiza-se para dentro da ordem jurídica trabalhista (e não para o Código Civil que pouco dignifica o trabalho humano), como forma de alcançar vários trabalhadores que permanecem excluídos da proteção do Direito do Trabalho.
Princípio da livre iniciativa não autoriza a fraude nas relações de trabalho, mas deve respeitar o valor social do trabalho e a dignidade da pessoa humana do trabalhador (artigo 1º, III e IV, da CF. (…)." (gn)
Constata-se, pelos fundamentos exarados pelo tribunal regional, uma preocupação acentuada em preservar a dignidade do trabalho e da pessoa humana do trabalhador, encontrando na CLT a única forma possível de que seja reconhecido àquele que trabalha sua realização enquanto pessoa e cidadão.
Talvez este seja o dilema do julgador: como reconhecer, fora dos parâmetros de proteção da CLT, outras formas de trabalho capazes de trazer, ao trabalhador, realização pessoal com liberdade e dignidade? A fundamentação de que o Código Civil não seria instrumento adequado a dignificar o trabalho humano, com todo respeito, caberia perfeitamente nos primórdios da formação do Direito do Trabalho, na época da revolução industrial que empurrou o estado a interferir nas questões trabalhistas. Nem o Direito Civil hoje convive com ofensa à dignidade da pessoa humana.
Já tivemos a oportunidade de tratar da dificuldade da compreensão de que novos modelos de trabalho devem ser analisados fora dos parâmetros tradicionais. Com efeito, em 4 de junho de 2021, nesta coluna, publicamos o texto intitulado "Tempo de revisão do paradigma histórico de proteção" [2] onde observamos que:
"A legislação trabalhista surgiu de forma socorrista, tardiamente, e após a constatação, no século XIX, de que a industrialização havia gerado contingente enorme de população vulnerável. O Direito do Trabalho, compreendido como forma de proteção social e de garantias de direitos, foi construído para atender empregados porque parecia que esta era a única forma de amparar a desigualdade econômica que se estabelecia entre aquele que se apropriava do resultado do trabalho e o prestador. Deste modo, ser empregado significava ter acolhimento e nas leis trabalhistas e, contrario sensu, não teriam acolhimento aqueles que ficassem à margem do modelo padrão de relação de emprego. Para estes, o direito comum seria a base de contratação e assim seguiu-se no modelo jurídico binário de ser empregado ou autônomo."
Na atualidade, a forma de trabalhar, com a utilização dos meios tecnológicos e informatizados, leva em consideração outros fatores. No caso específico de motoristas por aplicativos, o exercício da liberdade de tempo e as opções de atendimento que o modelo permite tendem a afastar a subordinação específica do emprego. Não há subordinação e sim responsabilidade em relação aos consumidores do modelo de prestação de serviços.
[1] Disponível em: https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=507792&ori=1. Acesso em 25/5/2023.
[2] Disponível em: ‹‹ https://www.conjur.com.br/2021-jun-04/reflexoes-trabalhistas-tempo-revisao-paradigma-protecao-trabalhista›› Acesso em: 25/5/2023.
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