Reflexões Trabalhistas

Tempo de revisão do paradigma histórico de proteção social trabalhista

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4 de junho de 2021, 8h01

O tempo na compreensão da transformação das relações trabalhistas e sua forma de proteção sempre se demonstrou mais lento do que a realidade. A legislação trabalhista surgiu de forma socorrista, tardiamente, e após a constatação, no século XIX, de que a industrialização havia gerado contingente enorme de população vulnerável.

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O Direito do Trabalho, compreendido como forma de proteção social e de garantias de direitos, foi construído para atender empregados porque parecia que esta era a única forma de amparar a desigualdade econômica que se estabelecia entre aquele que se apropriava do resultado do trabalho e o prestador. Deste modo, ser empregado significava ter acolhimento e nas leis trabalhistas e, contrario sensu, não teriam acolhimento aqueles que ficassem à margem do modelo padrão de relação de emprego. Para estes, o direito comum seria a base de contratação e assim seguiu-se no modelo jurídico binário de ser empregado ou autônomo. Com a dinâmica das mudanças na forma de produção e nos novos modelos de trabalho, aquele paradigma no qual se construiu o campo de atuação do Direito do Trabalho, já há algum tempo, parece não ser mais passível de enquadramento jurídico de modo padronizado.

A resistência do Direito do Trabalho na admissão da possível convivência com situações trabalhistas que se situam fora do escopo tradicional de sua histórica luta foi relevante ao enfrentamento, por exemplo, de terceirização de serviços ou na contratação de pessoa jurídica para a prestação de um trabalho, trabalho autônomo ou por cooperativa. Neste sentido, o conteúdo pragmático e dogmático da resistência esteve voltado à consolidação da divisão da força produtiva entre exploradores e explorados, estes representados pelos empregados beneficiados por legislação que se propunha à garantia de direitos e de proteção social.

Com a pandemia, houve um esvaziamento necessário do trabalho “sob os olhos do patrão” e o objetivo se concentrou na entrega de serviços naqueles casos em que o trabalho a distância poderia ser implementado para o enfrentamento da crise gerada com forte tendência de crescimento do trabalho informal, “sem carteira assinada”. Os modelos contratuais adotados nesse período ainda serão objeto de questionamentos futuros.

Neste caminho da transformação, a jurisprudência e doutrina trabalhistas se preocuparam em eliminar sistemas de produção que poderiam esvaziar a aplicação da legislação trabalhista de proteção. Um dos últimos temas anteriores à reforma trabalhista das Leis nº 13.429/17 e 13.467/17 foi, sem dúvida, a questão da subordinação estrutural.

A subordinação estrutural para o reconhecimento de vínculo de emprego talvez tenha sido a última cartada para amparar, de forma extremamente ampla, no seio do Direito do Trabalho praticamente qualquer forma de prestação de serviços, bastando para tanto que se inserisse na atividade fim do tomador de serviços. Serviria a subordinação estrutural para eliminar dúvidas do vínculo de emprego, deixando de perquirir se os elementos básicos da finalidade intrínseca do Direito do Trabalho previstos no artigo 3º da CLT, estivessem presentes.

Esta tese, da subordinação estrutural, com a reforma trabalhista das citadas leis perdeu força porque não importa mais a destinação do trabalho à atividade fim ou para a dinâmica do tomador de serviços pois a prestação de serviços autônomos, terceirizados ou qualquer outra forma, não exclui a orientação do tomador ou a responsabilidade do prestador.

Ser subordinado contratualmente e ser responsável para a execução do contrato são situações distintas que devem sempre ser observadas a fim de que não se amplie, sem rigor técnico, as condições de emprego. Ausente a subordinação jurídica, o contrato tem como objetivo a prestação de serviços definidos e que se encontram no nível da experiência e especialização do prestador.

Neste sentido, chamou a atenção, publicação no sítio do TST, em 24/5/21, notícia sob o título “Subordinação estrutural não caracteriza relação de emprego entre corretor e imobiliária”, referindo-se à decisão da Quarta Turma que rejeitou a tese da subordinação estrutural e excluiu vínculo de emprego reconhecido pela instância inferior (RR-181500-25.2013.5.17.0008).

Em seu voto, o Ministro Caputo Bastos acentua que:

“Ressalte-se que o fato de as reclamadas estabelecerem diretrizes e aferirem resultados na prestação dos serviços não induz à conclusão de que estaria presente a subordinação jurídica. Isso porque todo trabalhador se submete, de alguma forma, à dinâmica empresarial de quem que contrata seus serviços, em razão de ser ela (a empresa) a beneficiária final dos serviços prestados pelo trabalhador. Sendo assim, pode ela perfeitamente supervisionar e determinar a forma de execução das atividades”

 A subordinação jurídica, portanto, é a única capaz de reconhecer o conteúdo da prestação de serviços como vínculo de emprego e, neste caso, teria que reunir os elementos do artigo 3º da CLT em especial evidenciar o exercício de poderes disciplinar e diretivo pelo tomador de serviços. A subordinação jurídica tem em conta a contratação da pessoa e esta, por força do contrato, se submeteria às condições de fiscalização do empregador.

Essa orientação insere uma provocação e um alerta. A provocação é de que aqueles parâmetros iniciais do Direito do Trabalho como instrumento de proteção do vínculo de emprego talvez merecessem revisão porque a boa-fé contratual deve ser presumida afastando suposições de que toda relação de trabalho, celebrada fora do vínculo de emprego, seria fraudulenta ou criada para obstar a aplicação da legislação trabalhista. O alerta é de que a crise de desproteção social dos trabalhadores informais demonstra que o paradigma de proteção do Direito do Trabalho não pode ser exclusivo para empregados, devendo ampliar seu campo de aplicação para outras formas de relação de trabalho, fortalecendo-se como instrumento de segurança jurídica e de efetividade na proteção social.

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