Paradoxo da Corte

Coisa julgada material sobre a sentença arbitral parcial

Autor

  • José Rogério Cruz e Tucci

    é sócio do Tucci Advogados Associados ex-presidente da Aasp professor titular sênior da Faculdade de Direito da USP membro da Academia Brasileira de Letras Jurídicas e do Instituto Brasileiro de Direito Processual e conselheiro do MDA.

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19 de maio de 2023, 8h00

O artigo 23, parágrafo 1º, da Lei de Arbitragem, autoriza os árbitros a proferirem, no curso do processo, sentenças parciais.

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Assim, quando alguma questão de natureza processual ou de mérito, no iter procedimental, encontrar-se "madura" e oportuna para julgamento, o tribunal arbitral, a exemplo do que ocorre no processo estatal (artigo 356 do Código de Processo Civil), pode prolatar ato decisório incidental, denominado, ex vi legis, sentença parcial.

Como bem ensina Ovídio Baptista da Silva, a sentença parcial em nada difere da sentença final, inclusive no que se refere à coisa julgada e apenas se distingue desta por não encerrar definitivamente a controvérsia. Tanto na sentença final quanto na sentença parcial o juiz ou árbitro se pronuncia sobre o objeto do litígio, de tal modo que o ponto decidido não mais poderá ser controvertido pelas partes e tampouco o julgador sobre ele poderá emitir um julgamento divergente, na fase decisória de conclusão do processo (Da Sentença Liminar à Nulidade da Sentença, Rio de Janeiro, Forense, 2001, pág. 2021. V., ainda, Guilherme Cardoso Sanchez, Sentenças Parciais no Processo Arbitral, dissertação de mestrado, Faculdade de Direito da USP, 2013, pág. 44 e segs.).

Reproduzindo o artigo 471 do Código de Processo Civil revogado, o artigo 505 do diploma vigente preceitua que: "Nenhum juiz decidirá novamente as questões já decididas relativas à mesma lide".

Como já tive oportunidade de escrever acerca dessa verba legal, é até intuitivo que, diante da segurança jurídica decorrente da formação da coisa julgada, o que foi decidido por ato decisório incidental não é passível de ser novamente objeto de julgamento. E isso deve ocorrer tanto no âmbito do mesmo processo, quanto, igualmente, em processo sucessivo (Comentários ao Código de Processo Civil, vol. 7, 3ª ed., São Paulo, Ed. RT, 2021, pág. 234).

Assim sendo, no que toca à arbitragem, proferida sentença parcial de mérito, no curso do respectivo procedimento, transita ela em julgado, adquirindo o status de coisa julgada material para todos os efeitos jurídicos.

Passada em julgado a sentença parcial, assim como a sentença final, adquire ela uma nota característica, qual seja, a imutabilidade. Por esta perspectiva é preciso conceber a coisa julgada como instituto culminante de uma atividade, de uma atividade eminentemente teleológica, o processo. Deste modo, decisão imutável e indiscutível é aquela — parcial ou final — que atingiu estágio definitivo de estabilidade, sob o ponto de vista do comando emitido por determinado órgão detentor do poder de julgar – estatal ou arbitral. A essência da coisa julgada reside exatamente na imutabilidade da sentença parcial ou final.

Enquanto a sentença é a resposta ao pleito deduzido pelas partes, a coisa julgada material, por sua vez, coincide com o momento no qual a tutela arbitral é prestada. Deriva desse fenômeno um duplo aspecto revestido de significativa conotação jurídica: de um lado, as partes não mais poderão submeter novamente a matéria decidida à apreciação de órgão investido de jurisdição (efeito positivo) e, de outro, o juiz ou o árbitro tem o dever de não reexaminar a controvérsia, já decidida, em sucessiva oportunidade (efeito negativo) (cf. Ugo Rocco, L'autorità della Cosa Giudicata e i suoi Limiti Soggettivi, Roma, Athenaeum, 1917, pág. 437).

Com a formação da coisa julgada material, todas as questões que ficaram decididas principaliter na sentença arbitral parcial tornam-se imutáveis e indiscutíveis, não podendo ser reexaminadas ou mesmo desprezadas pela sentença final.

Ora, isso significa que se o tribunal arbitral proferiu uma sentença parcial, por força do denominado efeito negativo da coisa julgada, jamais poderá desrespeitá-la.

Caso o tribunal arbitral, em sucessiva decisão, deixe de considerar o que antes fora por ele decidido, inquinará de vício insanável a ulterior decisão, simplesmente porque resultará violada a coisa julgada que se formara sobre o precedente ato decisório.

E, nesta hipótese, caberá ação de nulidade da sentença arbitral parcial, dada a ofensa à coisa julgada, que é protegida por cláusula pétrea, nos termos do artigo 5º, inciso XXXVI, da Constituição, com a seguinte redação: "a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada".

E esta deve ser ajuizada, na dicção do parágrafo 1º do artigo 33 da Lei nº 9.307, "no prazo de até 90 (noventa) dias após o recebimento da notificação da respectiva sentença, parcial ou final, ou da decisão do pedido de esclarecimentos".

Este é, inclusive, o entendimento da 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao ensejo do recente julgamento do Agravo Interno no Agravo em Recurso Especial nº 2.143.093/MT, da relatoria do ministro Antonio Carlos Ferreira, com arrimo em precedente da 3ª Turma, ao assentar que:

"A ação anulatória destinada a infirmar a sentença parcial arbitral — único meio admitido de impugnação do decisum — deve ser intentada de imediato, sob pena de a questão decidida tornar-se imutável, porquanto não mais passível de anulação pelo Poder Judiciário, a obstar, por conseguinte, que o Juízo arbitral profira nova decisão sobre a matéria. Não há, nessa medida, qualquer argumento idôneo a autorizar a compreensão de que a impugnação ao comando da sentença parcial arbitral, por meio da competente ação anulatória, poderia ser engendrada somente por ocasião da prolação da sentença arbitral final. Tal incumbência decorre da própria lei de regência (Lei n. 9.307/96, inclusive antes das alterações promovidas pela Lei n. 13.129/2015), que, no § 1º de seu art. 33, estabelece o prazo decadencial de 90 (noventa dias) para anular a sentença arbitral. Compreendendo-se sentença arbitral como gênero, do qual a parcial e a definitiva são espécies, o prazo previsto no aludido dispositivo legal aplica-se a estas, indistintamente" (REsp nº 1.519.041/RJ, relator ministro Marco Aurélio Bellizze).

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