Limite da responsabilidade

Atos de 8 de janeiro ampliaram debate sobre a competência da Justiça Militar

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18 de maio de 2023, 8h21

*Reportagem publicada no Anuário da Justiça Brasil 2023lançado no dia 10 de maio, no Supremo Tribunal Federal. A publicação está disponível gratuitamente na versão online (clique aqui para acessar o sitee à venda na Livraria ConJur, em sua versão impressa (clique aqui para comprar).

O Superior Tribunal Militar iniciou o ano de 2023 mais próximo – ou menos distante – de contar com a resolução jurídica de uma dúvida a respeito de suas atribuições. Afinal, tem competência para julgar crimes cometidos por militares em ações que não estão relacionadas de forma direta com as suas funções típicas, como nas operações de garantia da lei e da ordem (GLO) ou no socorro a vítimas de desastres? Ou esta é uma responsabilidade da Justiça Comum? A decisão será dada pelos ministros do Supremo Tribunal Federal no julgamento da ADI 5.032.

Os atos antidemocráticos cometidos por apoiadores do ex-presidente Jair Bolsonaro contra as sedes dos Três Poderes, em 8 de janeiro, ampliaram o debate. A questão, agora, é se cabe à Justiça Militar decidir o destino dos militares envolvidos na arruaça golpista. O ministro do STF Alexandre de Moraes decidiu em fevereiro que a competência é do Supremo. O novo presidente do STM, tenente brigadeiro do ar Francisco Joseli, está de acordo.

“Em última instância, quem define se é crime militar ou não, havendo a dúvida, é o Supremo”, afirmou ele em entrevista ao Anuário da Justiça. “Se o militar participou dessa baderna, desse vandalismo que aconteceu, naturalmente cometeu um crime comum. É um crime contra o poder público. Certamente deverá ser condenado pela Justiça Comum”, defendeu.

Para o ministro, a dúvida deve sempre ser solucionada com base no que está previsto no Código Penal Militar. “A Lei 13.491/2017 trouxe uma inovação importante para a gente. Nós julgamos civis ou militares para qualquer legislação penal brasileira se estiverem sujeitos à administração militar, se for crime contra o dever militar ou contra a administração militar. Nesses três casos previstos no nosso artigo 9º, julgamos qualquer crime”, frisa.

Enquanto aguarda recursos para construir uma nova sede, STM alterna sessões presenciais com sessões virtuais, a cada semana Paula Carrubba/Anuário da Justiça

Francisco Joseli assumiu a Presidência da corte em março de 2023, em substituição ao general Lúcio Mário Góes, que estava no cargo desde agosto de 2022, quando assumiu o posto para cumprir o período restante do mandato do general Luis Carlos Gomes Mattos, que se aposentou compulsoriamente em julho de 2022.

Para sua vaga na corte, foi nomeado o general Lourival Carvalho Silva. Já o posto de vice-presidente e corregedor do tribunal passou, em março de 2023, do ministro Péricles Queiroz para o ministro José Coêlho Ferreira, que já foi presidente do tribunal no biênio 2017-2019.

O novo presidente da corte afirma que um dos seus principais desafios durante a gestão é colocar um representante do STM no Conselho Nacional de Justiça. O senador Eduardo Gomes (PL–TO), com o apoio do tribunal militar, tem colhido assinaturas para apresentar uma Proposta de Emenda à Constituição que aumente de 15 para 18 o número de cadeiras no conselho, uma das quais seria destinada à Justiça Militar.

Francisco Joseli também pretende dialogar com o Ministério da Fazenda para conseguir recursos que permitam construir uma nova sede para o STM. “Falta apenas a destinação dos recursos. Já possuímos o terreno e o projeto executivo está concluído”, afirma.

A tendência, no momento, é que o STM promova sessões de julgamento presenciais mais frequentes. Atualmente, as sessões presenciais ou virtuais são quinzenais, alternando-se a cada semana. Segundo o presidente, as duas modalidades de julgamento devem permanecer.

“A defesa dos réus prefere que seja presencial. Dá mais condições nos debates. Já os julgamentos virtuais são mais céleres. Nas sessões presenciais, temos julgado, em média, apenas dez processos. Quando julgamos virtualmente, são de 20 a 25 processos. Imagino que vamos julgar, ao longo deste ano, duas semanas presenciais e duas semanas virtuais por mês. No ano passado, julgamos uma semana presencial e três semanas virtuais. Estamos nos aperfeiçoando nessa parte da informática”, afirma Joseli.

O presidente diz que é possível, como exceção, um ministro participar de forma remota dos julgamentos presenciais. “A regra é que os ministros todos estejam presentes no plenário. Mas se há um evento fora em que a sua participação seja essencial, temos admitido o virtual”.

Lúcio Góes, presidente na gestão que se encerrou em março de 2023, afirma que a corte se empenhou ao longo de 2022 para aprimorar os canais de trabalho remoto. “A implantação e a atualização do Sistema Judicial Eletrônico e a adesão ao Balcão Virtual, sistema que permite imediato contato com o setor de atendimento das unidades judiciárias por meio de ferramenta de videoconferência, sedimentaram uma nova cultura de atuação judicial moderna, célere e transparente”, ressalta.

O vice-presidente e corregedor na gestão anterior, Péricles Queiroz, também elogia a produtividade impulsionada pelos julgamentos remotos. Ele cita a aprovação da Súmula 18, que prevê que o artigo 28-A do Código de Processo Penal, que dispõe sobre o acordo de não persecução penal, não se aplica à Justiça Militar da União. “O STM, em 2022, destacou-se pela celeridade proporcionada pelo plenário virtual somada à possibilidade de análise de temas importantes”, afirma.

Odilson Benzi avalia que o trabalho remoto se tornou um legado para o período pós-epidemia. “Os julgamentos ganharam celeridade, em contrapartida ao presencial, nos temas menos complexos e que não exigem sustentação oral, sem qualquer prejuízo à ampla defesa”, destaca. Também pensa assim Carlos Vuyk. “Em 2022, foi solidificada a atuação do tribunal e da própria Justiça Militar da União no julgamento de processos pelo meio virtual, bem como do próprio sistema de acompanhamento eletrônico, o e-proc”, exemplifica.

Artur Vidigal afirma que a possibilidade de haver julgamentos presenciais após a melhora da epidemia foi positiva para o trabalho dos integrantes do tribunal. “Contribuiu ainda mais para a análise dos grandes temas em discussão afetos a esta corte”, declarou.

Em 2022, os assuntos que mais chegaram para julgamento no STM foram os crimes de estelionato; tráfico, posse ou uso de entorpecente ou substância de efeito similar; deserção; uso de documento falso; furto comum e qualificado; peculato; corrupção passiva; falsidade ideológica; peculato-furto; e abandono de posto. O presidente da corte acredita que os crimes relacionados a entorpecentes devem seguir em destaque no volume de casos que chega para os gabinetes do STM, mas pondera que é comum que haja uma variação na demanda.

Ministros ouvidos pelo Anuário da Justiça relatam que, ao longo de 2022, a demanda judicial do tribunal foi impactada pela polarização política no país, com questionamentos acerca do resultado das eleições presidenciais. “Uma parte da população, irresignada, muito pelo desconhecimento das atribuições de cada órgão do Poder Judiciário, pleiteou, sem qualquer amparo legal, que esta Justiça especializada interferisse em matérias de competência privativa ou exclusiva do TSE e do STF”, afirma Odilson Benzi.

A ministra Elizabeth Rocha também aponta demanda social neste sentido. “No final de 2022, por ser um ano eleitoral e com o surgimento das disparidades políticas e notícias inflamando a população acerca da atuação de diversos órgãos do poder público, a Justiça Militar, que normalmente não dispõe de tamanho destaque midiático e cuja competência é por muitos desconhecida, tornou-se alvo de diversas petições descabidas, sem que o tribunal sequer tivesse competência para análise dos fatos ali narrados, negando seguimento aos pedidos dessa natureza”, relata.

O total de casos julgados pelo STM variou de 853 para 807 processos entre 2021 e 2022. Já o volume de casos distribuídos caiu de 921 para 845.Eoacervo fechou em um acumulado de 419 processos. Em 2021, o total de processos à espera de análise havia ficado em 401.

O ministro Lúcio Mário Góes lidera a lista dos cinco magistrados que mais produziram ao longo de 2022, com um total de 92 casos julgados. O ranking segue com Artur Vidigal, com 64; Francisco Joseli, com 63; e Leonardo Puntel, com 61. O ministro que recebeu a maior distribuição de processos foi Artur Vidigal, 73 casos.

A lista segue com Leonardo Puntel, 61; Elizabeth Rocha, 59; José Barroso, 57; e José Coêlho Ferreira, 56. O maior acervo em dezembro pertencia a Odilson Benzi, com 48 processos. O ranking segue com Celso Nazareth, com 41; Marco Antônio de Farias, com 38; Artur Vidigal, 32; e José Barroso, com 31.

O Placar de Votação (clique aqui para ver) foi elaborado com decisões sugeridas por ministros da corte e a partir de pesquisa de jurisprudência com base na lista dos temas mais presentes na demanda judicial do tribunal ao longo de 2022.

Em abril, o STM decidiu que a Justiça Militar possuía competência para julgar crime de violência cometido por militar contra sua companheira, também integrante das Forças Armadas, em veículo estacionado dentro de unidade militar. O posicionamento foi firmado por dez votos a quatro com base na jurisprudência do próprio tribunal.

Foi da ministra Elizabeth Rocha um dos votos vencidos. Ela defendeu que faltou discussão preliminar acerca da competência e que o processo deveria ser remetido ao Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, órgão judicial com maior especialidade sobre o tema. Os magistrados condenaram o homem pelo crime de violência doméstica e de violência contra inferior.

A corte entendeu, por unanimidade, que o crime de falsificação de moeda deveria ser julgado pela Justiça Militar, por conta de a espécie monetária falsificada ter circulado dentro de unidade militar. “O acusado não teve mera participação, mas efetivamente foi coautor da prática delitiva quando, consciente de que se tratava de moeda falsa, fê-la circular trocando-a por dinheiro verdadeiro com um colega de farda”, destacou o ministro Carlos Vuyk ao analisar a ocorrência do crime.

Por onze votos a três, o STM decidiu que a ausência do Termo de Apreensão de Substância Entorpecente não pode absolver militar flagrado na posse da substância. Em acórdão de fevereiro de 2022, os ministros concluíram que a falta do documento é “mera irregularidade incapaz de macular o curso da ação penal militar, haja vista que os demais elementos de prova carreados durante a fase inquisitorial e a instrução criminal convergem para a certeza da autoria e da materialidade delitivas”. O relator do acórdão foi o atual presidente do tribunal, Francisco Joseli.

A única posição incluída no Placar de Votação favorável ao réu, e alcançada por unanimidade, é a de que a tipificação do delito de estelionato depende da existência de prova cabal. Em acórdão relacionado ao fornecimento de água por carro-pipa, o ministro Lúcio Mário Góes concluiu que, “no caso dos autos, não há lastro probatório que permita concluir que o apelado tenha fornecido água em quantidade inferior ao que fora contratado pelo Exército, em prejuízo da Administração Militar, tampouco que teria agido com o dolo voltado a induzir ou a manter a Administração Militar em erro, para obter uma vantagem sabidamente indevida”.

O STM entende que decisões colegiadas podem ser substituídas por decisões monocráticas em casos que envolvam apenas civis ou que tenham civis e militares como réus. O atual vice-presidente do tribunal, José Coêlho Ferreira, lembrou que a Lei 8.457/1992 determina que os juízes federais da Justiça Militar são competentes para processar e julgar, de forma monocrática, ações penais em que civis figurem no polo passivo. Também podem julgar militares quando estes forem acusados no mesmo processo. A decisão ocorreu por unanimidade.

Em entrevista ao Anuário da Justiça, o ministro Marco Antônio de Farias se posicionou contra críticas de que não deveria caber ao STM julgar civis. “Movidos por comparações descabidas e tomando como referência países que têm estruturas diametralmente dessemelhantes, muitos juristas embasam a incompetência da Justiça Militar da União. Não se pode comparar a JMU com as de outros países, nos quais há Cortes Marciais compostas apenas por militares na função de juízes do colegiado”, defendeu, no sentido de o STM ser composto por militares e civis.

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