Opinião

CLT que se celebra em bodas de carvalho

Autores

  • Lelio Bentes Corrêa

    é ministro presidente do Tribunal Superior do Trabalho e do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (biênio 2022-2024) e mestre em Direito Internacional dos Direitos Humanos pela Universidade de Essex (Inglaterra).

  • Alberto Bastos Balazeiro

    é ministro do Tribunal Superior do Trabalho ex-procurador-geral do Trabalho doutorando em Direito (IDP) e mestre em Direito (UCB).

  • Afonso de Paula Pinheiro Rocha

    é procurador do Trabalho doutor em Direito (Unifor) MBA em Direito Empresarial (FGV-Rio) pós-graduado em Controle na Administração Pública (ESMPU) e professor universitário.

14 de maio de 2023, 11h14

A celebração de datas e eventos históricos tem sido uma prática comum ao longo da história. As datas são rememoradas e comemoradas para marcar um evento importante, como um marco histórico, uma conquista ou um fato significativo. Tais comemorações também podem servir como um lembrete dos valores e tradições que são importantes para uma determinada sociedade ou cultura — são formativas da própria identidade de um povo. Ajudam a fortalecer o sentimento de unidade entre as pessoas, criando um senso de comunidade e pertencimento.

O 1º de Maio é, desta forma, uma data de grande importância para a sociedade, sendo reconhecido como o Dia Internacional do Trabalhador em diversos países ao redor do mundo. Essa celebração tem origem na luta dos trabalhadores por melhores condições de trabalho, jornadas mais justas e salários mais dignos. Em 1886, uma grande manifestação em Chicago, nos Estados Unidos, resultou em confrontos violentos com a polícia, levando à morte de vários trabalhadores. Esses eventos ficaram conhecidos como a Revolta de Haymarket e são considerados um marco na luta dos trabalhadores.

Em homenagem a esses trabalhadores, a Segunda Internacional Socialista, reunida em Paris em 1889, instituiu o 1º de maio como o Dia Internacional do Trabalhador. Desde então, essa data tem sido celebrada em todo o mundo como um dia de luta pelos direitos dos trabalhadores. O 1º de Maio representa, portanto, um momento de reflexão sobre as condições de trabalho e a importância do trabalho para a sociedade. É um dia para lembrar daqueles que lutaram por nossos direitos e para reafirmar nosso compromisso em continuar essa luta por um mundo mais justo e equitativo.

Exatamente na reafirmação de compromissos que a celebração de datas específicas dialoga com a própria natureza humana. Tanto é assim que existe uma tradição de nomear bodas de casamento como forma simbólica de marcar o compromisso duradouro de um casal. Os nomes dados a cada aniversário de casamento representam os diferentes estágios do relacionamento e a jornada que um casal percorre juntos ao longo dos anos.

Por essa lógica, o nosso 1º de Maio também carrega em si, neste ano a celebração dos 80 anos da Consolidação das Leis do Trabalho. Considerando que a CLT representa exatamente a síntese de diversas relações em torno do trabalho e mesmo o espelhamento da ordem jurídica sobre a relação perene entre diversos indivíduos, instituições e segmentos da sociedade relativamente ao trabalho, é lícito dizer que ela é efetivamente um compromisso social para que exista a infraestrutura constitucional mínima de um trabalho decente.

Estamos diante do que seriam as bodas de carvalho da sociedade nesse laço que a CLT representa. Trata-se de uma correlação bem interessante e deveras pertinente. Tradicionalmente, o carvalho é um símbolo de força e resistência, pois é uma árvore imponente e de grande longevidade — para alguns povos antigos, chega a ser uma árvore sagrada.

Longevidade, força e resiliência — adjetivos que são importantes para se pensar não só a legislação como o próprio fenômeno do trabalho subjacente. Os diversos desafios da sociedade contemporânea colocam a prova exatamente as premissas protetivas do trabalho, demandando sempre uma reflexão histórica do porquê os direitos trabalhistas forma construídos e a razão de nosso compromisso com eles.

CPDOC/FGV
Desfile de 1º de Maio no estádio de São Januário (RJ), do Vasco da Gama, em 1941
CPDOC/FGV

Recorrendo novamente a metáfora das bodas, a cada comemoração de renovação de votos, são importantes condutas concretas que demonstrem a permanência do compromisso. Este 1º de maio que passou não poderia ser diferente, especialmente diante de bodas que exigem uma demonstração de força e resiliência dos princípios basilares do trabalho decente.

A sociedade brasileira pode então comemorar e se congratular de dois avanços importantes nessa sua relação com o trabalho decente. A Presidência da República fez o encaminhamento ao Congresso do texto do Protocolo Facultativo à Convenção nº 29 e o texto da Convenção nº 187 da Organização Internacional do Trabalho.

O protocolo é um importante instrumento internacional que tem como objetivo combater o trabalho forçado em todo o mundo. Adotado em 2014, permite que as pessoas ou grupos de pessoas que são vítimas de trabalho forçado ou de situações semelhantes possam apresentar reclamações diretamente à OIT. Além disso, ele também autoriza a OIT a realizar investigações independentes sobre as violações da Convenção 29, a fim de garantir que os países signatários estejam cumprindo com suas obrigações.

A ratificação do protocolo facultativo é importante porque pode ajudar a garantir que os países estejam cumprindo com suas obrigações de eliminar o trabalho forçado em todas as suas formas. Ao ratificar o protocolo, os países se comprometem a fornecer recursos e mecanismos para garantir que as vítimas de trabalho forçado tenham acesso à justiça e à reparação, além de permitir a realização de investigações independentes sobre violações da Convenção 29.

A Convenção nº 187 da OIT, por sua vez, é um instrumento legal que visa promover o diálogo social entre os empregadores e trabalhadores, e estabelecer um ambiente de trabalho seguro e saudável para todos. Essa convenção foi adotada em 2006 e tem sido ratificada por diversos países ao redor do mundo.

A ratificação da Convenção nº 187 é de extrema importância para garantir a proteção dos direitos dos trabalhadores, a promoção de um ambiente de trabalho saudável e seguro, e o fortalecimento do diálogo social entre empregadores e trabalhadores. Ela exige que os governos adotem medidas para garantir que os trabalhadores tenham acesso à informação sobre questões relacionadas à saúde e segurança no trabalho, e que eles tenham a oportunidade de participar das decisões que afetam suas condições de trabalho.

A ratificação da convenção também é importante para a prevenção de acidentes de trabalho e doenças ocupacionais, que são uma ameaça à saúde e bem-estar dos trabalhadores, além de gerar impactos negativos na economia. Ela promove a implementação de políticas e práticas de segurança e saúde no trabalho, incluindo a prevenção de riscos profissionais e a promoção de ambientes de trabalho seguros e saudáveis.

Também ajuda a promover o diálogo social entre empregadores e trabalhadores, contribuindo para a criação de um ambiente de trabalho mais harmonioso e produtivo. Ela reconhece a importância da participação dos trabalhadores e seus representantes nas decisões relacionadas à saúde e segurança no trabalho, incentivando a cooperação entre as partes interessadas e a busca por soluções conjuntas para os desafios enfrentados no ambiente de trabalho.

Assim, esperamos que este 1º de Maio que passou, mais do que um dia de reflexão, tenha sido um dia de retomada dos votos da promoção do trabalho decente como elemento central da paz social e do efetivo desenvolvimento das potencialidades humanas. Para além da data comemorativa que esse compromisso se renove a cada dia no atuar das instituições e dos agentes sociais da seara trabalhista. Que as lições dessas bodas de carvalho — força, resiliência, longevidade, imponência — possam se traduzir na percepção do direito do trabalho cada vez mais na caminhada de progresso social até a nova comemoração na qual, esperamos, sentiremos muito orgulho dos avanços que se concretizarão desses primeiros passos de hoje!

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