EMBARGOS CULTURAIS

Jurisdição Constitucional Comparada, de Stefano Cicconetti e Anderson Teixeira

Autor

  • Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy

    é livre-docente pela USP doutor e mestre pela PUC- SP advogado consultor e parecerista em Brasília. Foi consultor-geral da União e procurador-geral adjunto da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional.

14 de maio de 2023, 8h00

O tema do Direito Comparado sugere várias questões, especialmente quanto a uma definição precisa, no sentido de que se trataria de uma disciplina ou de uma metodologia. Há vários outros problemas que também podem ser colocados. Por que comparar? Quais as utilidades práticas na comparação? Haveria a possibilidade de um esperanto jurídico? Seria possível imaginarmos uma geografia do Direito? Seria possível concebermos uma cartografia jurídica? Pode-se pensar o Direito Comparado como uma ciência do Direito? Quais as diferenças entre o estudo do Direito estrangeiro e o estudo do Direito Comparado? Que habilidades deve possuir um comparatista? 

Spacca

Do ponto de vista metodológico, o Direito Comparado centra-se na teoria das fontes, identificadoras de grandes sistemas ou famílias, a par do problema central da traduzibilidade, que decorre da inexistência de um esperanto jurídico. Não há uma língua jurídica universal. Dicionários de equivalência não esclarecem conceitos, que normativamente decorrem de idiossincrasias institucionais. Um modelo jurídico específico também pode ser identificado por suas formas pedagógicas. 

Esses assuntos instigantes substancializam o pano de fundo de Jurisdição Constitucional Comparada, de Stefano Maria Cicconetti e Anderson Vinchinkeski Teixeira. O primeiro é prestigiadíssimo constitucionalista e comparatista italiano, acadêmico reconhecido e advogado militante por três décadas na Corte Constitucional Italiana. Anderson é brasileiro, leciona no programa de pós-graduação da Unisinos, cuja excelência é reconhecida nos meios acadêmicos; estudou com Maurizio Fioravanti em Florença. É presentemente o mais destacado comparatista brasileiro. O prefácio é de Ingo Sarlet, colega nosso aqui na revista eletrônica Consultor Jurídico, fonte permanente de lições de Direito Constitucional alemão e do tema da dogmática dos direitos fundamentais. Um time pesado de juristas nesse livro.

Os autores comparam a jurisdição constitucional nos contextos do Brasil, da Itália, da Alemanha, da França e dos Estados Unidos. No excerto referente ao Brasil enfrentam alguns assuntos de alguma complexidade, a exemplo do controle de constitucionalidade do direito distrital, onde há competências legislativas de estados federados e também municipais. Nesse sentido, lecionam os autores, normas distritais materialmente municipais (e lembram, definidas no artigo 30 da Constituição) somente contam com constitucionalidade aferida pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Os autores sustentam esse ponto de vista, sobre o qual não há mais dúvidas, especialmente com referência a precedentes dos ministros Moreira Alves e Sepúlveda Pertence (Adin 1.375-DF e Adin 611-8/DF, respectivamente). Essa matéria é permanentemente discutida aqui em Brasília. 

Chama a atenção, na parte relativa à jurisdição constitucional italiana, o tema do juízo de admissibilidade dos pedidos de "referendum abrogativo". Trata-se de instituto peculiar do Direito italiano, no contexto do qual o cidadão é chamado para objetivamente revogar leis em plena vigência. Inclusive brasileiros detentores de cidadania italiana são convocados para opinar. 

Por exemplo, em 2022 foram levados ao mencionado referendo normas que tratavam da separação (ou não) da carreira de magistrados (se atuariam como julgadores ou como acusadores), ou mesmo normas que tratavam da prisão preventiva, se seria limitada ou não, nos casos em que suspeitos poderiam (ou não) serem presos antes do julgamento, em determinados casos. Tanto quanto me parece (não sou especialista em Direito Constitucional italiano) o referendo abrogativo (ou revogatório) consistiria na convocação da população para tratar de revogação ou ab-rogação de leis. Os autores discorrem sobre a atuação da corte italiana na ampliação dos limites de apreciação dessas matérias.

Os autores cuidam também da jurisdição constitucional alemã, explicitando os órgãos que detém tal competência, com ênfase no Tribunal Constitucional Federal. Para o leitor brasileiro chama a atenção o excerto sobre o juízo de admissibilidade na jurisdição constitucional, bem como a parte que se refere aos vários tipos de sentença, que transitam de provimentos cautelares para pronúncias de acolhimento e de indeferimento, de sentenças de mera inconstitucionalidade e de apelo ao legislador, para sentenças interpretativas, a par das pronúncias de acolhimento parcial. Tem-se um modelo técnico que o observador atento percebe paulatinamente adotado por nosso modelo. Cabe a quem atua no direito constitucional avaliar se as ideias estão fora de lugar. Não as vejo assim.

No capítulo referente à França os autores cuidaram do recentemente criado controle repressivo, contido na técnica da questão prioritária de constitucionalidade (QPC), instituído na reforma constitucional de 23 de julho de 2008, após longo debate, onde pontificou o professor Dominique Rousseau, que já foi entrevistado por Sérgio Rodas na ConJur. Anderson Vinchinkeski mantém profícuo diálogo acadêmico com o célebre constitucionalista francês. 

Os autores encerram essa robusta obra com observações em torno do controle de constitucionalidade nos Estados Unidos. Chamo a atenção para o tema do amicus curiae, que na inteligente percepção de Damares Medina, em livro que não me canso de elogiar, tornou-se, no Brasil, mais um "amigo da parte". O livro de Damares foi publicado pela Saraiva-IDP e merece atenção. 

Jurisdição Constitucional Comparada, de Stefano Maria Cicconetti e Anderson Vinchinkeski Teixeira, remete-nos a perguntas colocadas por outro comparatista canônico, R. C. van Caenegen, em Juízes, Legisladores e Professores, publicados pela Elsevier. O que é melhor? O Direito dos precedentes? O Direito das leis? O Direito dos juristas? O que é mais eficiente? O Direito dos juízes? O Direito dos legisladores? O Direito dos professores de Direito? Afinal, qual a melhor opção? O Direito inglês-norte-americano? O Direito francês? O Direito alemão?

São essas questões que indiretamente Stefano Maria Cicconetti e Anderson Vinchinkeski Teixeira nos colocam nesse instigante livro. Publicado pela Fórum, vale uma leitura atenciosa. O leitor vira a última página, mais iluminado, mais elevado e mais instruído.

Autores

  • é advogado em Brasília (Hage e Navarro), professor livre-docente pela USP, doutor e mestre pela PUC-SP, professor titular mestrado-doutorado na Uniceub (Brasília) e professor visitante (Boston, Nova Déli, Berkeley, Frankfurt e Málaga).

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!