Prática Trabalhista

Seguro garantia judicial: aceitação e controvérsias nos TRTs

Autores

  • Ricardo Calcini

    é professor advogado parecerista e consultor trabalhista. Atuação estratégica e especializada nos Tribunais (TRTs TST e STF). Coordenador trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social da Universidade de São Paulo (Getrab-USP) do Gedtrab-FDRP/USP e da Cielo Laboral.

  • Leandro Bocchi de Moraes

    é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito (EPD) pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP) pós-graduado em Diretos Humanos e Governança Econômica pela Universidade de Castilla-La Mancha pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos (IGC/Ius Gentium Coninbrigae) da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho da Universidade de São Paulo (NTADT/USP).

11 de maio de 2023, 8h00

Uma temática que continua a ocasionar muitos problemas práticos para o dia a dia da advocacia trabalhista se refere à substituição do depósito recursal em espécie pela apólice do seguro garantia judicial.

Spacca
Por certo, e considerando as controvérsias existentes no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o assunto foi indicado por você, leitor(a), para o artigo da semana na coluna Prática Trabalhista, da revista Consultor Jurídico (ConJur) [1], razão pela qual agradecemos o contato.

Dito isso, questiona-se: o que seria o seguro garantia judicial? Qual a sua finalidade? É possível a sua aplicabilidade no processo do trabalho? E quais os pontos mais sensíveis envolvendo sua aceitação pelo Judiciário?

De início, acerca do seguro garantia judicial, são os ensinamentos de Rafael Guimarães, Ricardo Calcini e Richard Wilson Jamberg, na clássica obra Execução Trabalhista na Prática (Edição Mizuno) [2]:

Spacca
"O seguro garantia judicial é o contrato pelo qual a seguradora presta a garantia de adimplemento da obrigação de pagar do devedor no processo judicial, nos limites da apólice. Esta espécie securitária equipara-se a dinheiro para fins de garantia do juízo da execução, assegurando ao devedor não ter bens expropriados sem uma decisão terminativa da fase executória, tratando-se, em tese, de meio menos oneroso, porquanto permite ao devedor manter o valor da execução em capital de giro enquanto discute questões da execução, notadamente eventual impugnação à sentença de liquidação (art. 844, § 3º, CLT).

[…]. Na seara trabalhista, a Lei nº 13.467/2017 permitiu a substituição do depósito recursal por fiança bancária ou seguro garantia (art. 899, § 11, CLT), assim como passou a permitir a garantia do juízo em execução por tal modalidade (art. 882 da CLT)."

É certo que o Código de Processo Civil (CPC) de 2015, em seu artigo 835, §2º [3], já possuía previsão para a substituição da penhora em dinheiro por fiança ou seguro garantia, desde que houvesse o acréscimo de 30% do valor do débito. No mesmo sentido, o artigo 16 da Lei nº 6.830, de 22 de setembro de 2022 [4], que dispõe sobre a cobrança judicial da Dívida Ativa da Fazenda Pública, previa a possibilidade da juntada de fiança bancária ou seguro garantia no caso de oposição de embargos pelo executado.

Aliás, há que se relembrar que a Portaria nº 440, de 21 de junho de 2016, disciplinou os procedimentos legais acerca do uso da fiança bancária e do seguro garantia judicial pela Procuradoria-Geral Federal [5].

Entrementes, com o advento da Reforma Trabalhista pela Lei 13.467/2017, o artigo 899 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi alterado, de modo que, ao incluir o novo §11, passou-se a admitir, doravante, a substituição do depósito recursal também por seguro garantia judicial [6].

Sabe-se que muitos foram os questionamentos e divergências para a aceitação à época dessa substituição pelos tribunais trabalhistas, tanto que o Tribunal Superior do Trabalho (TST) editou o Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1, de 16 de outubro de 2019 [7], republicado em obediência ao artigo 2º, do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1, de 29 de maio de 2020 [8], normalizando o uso do seguro garantia judicial e da fiança bancária em substituição ao depósito recursal e da garantia de execução trabalhista. E para que seja possível a aceitação do seguro garantia judicial, se faz necessária a observância dos requisitos do artigo 3º do respectivo ato [9].

Ocorre que, no âmbito dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs), o assunto ainda é polêmico, propiciando inúmeros debates para a aceitação do seguro garantia judicial em virtude dos pressupostos necessários para o conhecimento dos recursos trabalhistas ou da garantia da execução.

Nesse sentido, o TRT de São Paulo da 2ª Região não conheceu de um apelo empresarial por entender que, no ato de sua interposição, não foram apresentados os documentos necessários no prazo alusivo ao recurso [10]. Em seu voto, a desembargadora relatora ponderou: "Ainda, o Ato Conjunto do TST.CSJT nº 01/2019 não dispõe sobre a concessão de prazo para suprir a irregularidade. Ao contrário, em razão da impossibilidade de o magistrado aferir sobre a validade/idoneidade da apólice apresentada, determina o seu não conhecimento, como pode ser visto de seu art. 6º".

Nesse mesmo diapasão, outra questão emblemática diz respeito à comprovação do pagamento do prêmio para a validação da substituição do depósito recursal por fiança bancária ou seguro garantia judicial. Aliás, o TRT do Rio de Janeiro da 1ª Região já foi provocado a emitir um juízo de valor sobre o tema, de sorte que, para os integrantes da Turma julgadora, este era um fator condicionante para o conhecimento do recurso, e que acarretou em sua deserção [11]. Conforme observou o desembargador relator:

"[…] a finalidade do seguro garantia é a garantia do Juízo, não pode haver cláusula de desobrigação, ainda que de forma bilateral, como a que prevê a desobrigação por mútuo acordo entre segurado e seguradora, tampouco é possível admitir que a aceitação do seguro garantia esteja sujeito à análise de risco, visto que se trata de condição estranha objeto do seguro. Não há como negar, portanto, que o seguro garantia ofertado pela recorrente em substituição ao depósito recursal, apresenta condicionantes que limitam sua liquidez e efetividade, revelando-se, portanto, imprestável ao fim a que se destina, eis que não atendida a finalidade dos arts. 884 e 899 da CLT, o que impõe o não conhecimento do recurso interposto pela reclamada, por deserto."

Em sentido o contrário, para o TRT de Campinas da 15ª Região as diretrizes do Ato Conjunto TST.CSJT.CGJT nº 1/2019 não trazem nenhuma exigência de comprovação do prêmio como requisito de validade à aceitação do seguro garantia [12].

Noutro giro, em mais um caso julgado pelo TRT de São Paulo da 2ª Região, decidiu-se pela deserção de um recurso ordinário que, não obstante ter sido apresentado o seguro garantia em substituição ao depósito recursal, não houve comprovação no prazo alusivo ao recurso do registro da apólice junto à Superintendência de Seguros Privados (Susep) [13].

De mais a mais, os tribunais trabalhistas também divergem caso a parte recorrente inicialmente efetue o depósito judicial em espécie e, ato seguinte, venha requerer a sua substituição pelo seguro garantia judicial. Isso ocorreu, por exemplo, com um recurso analisado pelo TRT do Rio de Janeiro da 1ª Região que entendeu não ser possível a substituição em momento posterior em razão da preclusão consumativa [14]. Já para o TRT Paulista da 2ª Região, ao analisar situação idêntica, não haveria nenhum óbice para a realização deste procedimento, sendo juridicamente viável.

A par do exposto, pode-se observar que inúmeras são as contendas envolvendo o seguro garantia judicial. Por isso que se, por um lado, o uso do seguro garantia judicial alivia o fluxo de caixa das companhias, "repercutindo, ainda, na distribuição de lucros das empresas, além do pagamento de premiações e bônus a executivos, diretores e demais funcionários da companhia"; por outro lado, existe a controvérsia acerca da falta de liquidez imediata, assim como a complexidade das cláusulas existentes na apólice [15].

Em arremate, revela-se imprescindível o debruçar sobre esta importante temática, de forma a possibilitar, a um só tempo, maior efetividade ao processo judicial trabalhista em favor dos credores, e, de igual sorte, menor onerosidade financeira para as empresas.

 


[1] Se você deseja que algum tema em especial seja objeto de análise pela coluna Prática Trabalhista, entre em contato diretamente com os colunistas e traga sua sugestão para a próxima semana.

[2] Execução trabalhista na prática – Leme, SP: Mizuno, 2021, páginas 212 a 213.

[3] Art. 835. A penhora observará, preferencialmente, a seguinte ordem: (…). §2º. Para fins de substituição da penhora, equiparam-se a dinheiro a fiança bancária e o seguro garantia judicial, desde que em valor não inferior ao do débito constante da inicial, acrescido de trinta por cento.

[4] Disponível em https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l6830.htm. Acesso em 08.05.2023.

[6] Art. 899 – Os recursos serão interpostos por simples petição e terão efeito meramente devolutivo, salvo as exceções previstas neste Título, permitida a execução provisória até a penhora. (…). §11. O depósito recursal poderá ser substituído por fiança bancária ou seguro garantia judicial.

[9] Art. 3º – A aceitação do seguro garantia judicial de que trata o art. 1º, prestado por seguradora idônea e devidamente autorizada a funcionar no Brasil, nos termos da legislação aplicável, fica condicionada à observância dos seguintes requisitos, que deverão estar expressos nas cláusulas da respectiva apólice: I – no seguro garantia judicial para execução trabalhista, o valor segurado deverá ser igual ao montante original do débito executado com os encargos e os acréscimos legais, inclusive honorários advocatícios, assistenciais e periciais, devidamente atualizado pelos índices legais aplicáveis aos débitos trabalhistas na data da realização do depósito, acrescido de, no mínimo, 30% (Orientação Jurisprudencial 59 da SBDI-II do TST); II – no seguro garantia para substituição de depósito recursal, o valor segurado inicial deverá ser igual ao montante da condenação, acrescido de, no mínimo 30%, observados os limites estabelecidos pela Lei 8.177 e pela Instrução Normativa 3 do TST; III – previsão de atualização da indenização pelos índices legais aplicáveis aos débitos trabalhistas; IV – manutenção da vigência do seguro, mesmo quando o tomador não houver pago o prêmio nas datas convencionadas, com base no art. 11, §1º, da Circular 477 da SUSEP e em renúncia aos termos do art. 763 do Código Civil e do art. 12 do Decreto Lei 73, de 21 de novembro de 1966; V – referência ao número do processo judicial; VI – o valor do prêmio; VII – vigência da apólice de, no mínimo, 3 (três) anos; VIII – estabelecimento das situações caracterizadoras da ocorrência de sinistro nos termos do art. 9º deste Ato Conjunto; IX – endereço atualizado da seguradora; X – cláusula de renovação automática. §1º. Além dos requisitos estabelecidos neste artigo, o contrato de seguro garantia não poderá conter cláusula de desobrigação decorrente de atos de responsabilidade exclusiva do tomador, da seguradora ou de ambos, tampouco cláusula que permita sua rescisão, ainda que de forma bilateral; §2º. No caso de seguro garantia judicial para substituição de depósito recursal, o recorrente deverá observar as diretrizes previstas no item II da Instrução Normativa 3 do TST, no que diz respeito à complementação em caso de recursos sucessivos, quando não atingido o montante da condenação, ou em casos de sua majoração. § 3º. Na hipótese do parágrafo anterior, a complementação de depósito em espécie poderá ser feita mediante seguro garantia.

Autores

  • é professor sócio consultor de Chiode e Minicucci Advogados | Littler Global. Parecerista e advogado na Área Empresarial Trabalhista Estratégica. Atuação especializada nos Tribunais (TRTs, TST e STF). Docente da pós-graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie. Coordenador Trabalhista da Editora Mizuno. Membro do Comitê Técnico da Revista Síntese Trabalhista e Previdenciária. Membro e Pesquisador do Grupo de Estudos de Direito Contemporâneo do Trabalho e da Seguridade Social, da Universidade de São Paulo (Getrab-USP), do Gedtrab-FDRP/USP e da Ceilo Laboral.

  • é pós-graduado lato sensu em Direito do Trabalho e Processual do Trabalho pela Escola Paulista de Direito, pós-graduado lato sensu em Direito Contratual pela PUC-SP, pós-graduando em Direitos Humanos pelo Centro de Direitos Humanos da Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, membro da Comissão Especial da Advocacia Trabalhista da OAB-SP, auditor do Tribunal de Justiça Desportiva da Federação Paulista de Judô e pesquisador do núcleo O Trabalho Além do Direito do Trabalho, da USP.

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