Processo Tributário

Mandado de segurança coletivo: alcance subjetivo da coisa julgada

Autor

  • Rodrigo Dalla Pria

    é advogado doutor em Direito Processual Civil mestre em Direito Tributário pela PUC-SP professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet) professor e coordenador do curso de extensão Processo Tributário Analítico (Ibet) coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente coordenador do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico (Ibet) e membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP).

7 de maio de 2023, 8h00

Por expressa determinação constitucional, os direitos líquidos e certos violados ou ameaçados por ato de autoridade (tributária inclusive) podem ser individual ou coletivamente tutelados pela via do mandado de segurança [1]. No primeiro caso, os titulares do direito lesionado atuarão em juízo em nome próprio, como tutores de direitos de sua própria titularidade, na condição de legitimados ordinários. No segundo, diversamente, a atuação em juízo dar-se-á por intermédio de terceiro que, a despeito de agir em nome próprio, estará a pleitear a proteção de direitos alheios, consubstanciando típica legitimidade extraordinária, atribuída aos entes representativos de classe expressamente elencados no artigo 21 da Lei nº 12.016/2009 [2].

É precisamente a condição de legitimadas extraordinárias que permite às entidades associativas, sindicais e partidárias atuarem em nome próprio na defesa dos direitos de seus afiliados à revelia de autorização expressa destes, circunstância esta que não impede que cada qual, caso preferiram, haja individualmente [3]. Eis, aí, a ratio que subjaz tanto ao verbete 629 do STF, segundo o qual "a impetração do mandado de segurança coletivo por entidade de classe em favor dos associados independe da autorização destes", quanto à orientação firmada pela Corte Suprema por ocasião do julgamento do ARE nº 1.293.130/SP (Tema de Repercussão Geral nº 1.119) [4].

Essa diferenciação que se estabelece, concretamente, entre os sujeitos legitimados a figurar nos polos ativos dos mandados de segurança individual e coletivo tem repercussão direta na delimitação da amplitude subjetiva da coisa julgada formada em cada uma dessas diferentes espécies de mandado de segurança.

Com efeito, em se tratando de mandado de segurança individual, a conformação subjetiva da demanda tende a coincidir com os limites subjetivos da coisa julgada incidente sobre a decisão de mérito que vier a acolher ou não a pretensão mandamental deduzida. E é natural que seja assim, dada a própria definição legal (artigo 18 do CPC) de legitimidade ordinária, segundo a qual o titular do direito de ação é o mesmo titular do direito material violado [5].

Fenômeno diverso ocorre no âmbito do mandado de segurança coletivo, no qual os sujeitos legitimados para agir em juízo não são os titulares dos direitos materiais reconhecidos por eventual decisão de mérito que vier a acolher a pretensão deduzida. Neste caso, o que se verifica é uma verdadeira assimetria entre a conformação subjetiva da demanda e os limites subjetivos da coisa julgada.

Essa reflexão se mostra muito relevante para que não caiamos na tentação de utilizar a tese enunciada pela Súmula 629 do STF, bem como a orientação consolidada no Tema 1.119 do STF, como fundamentos para a delimitação da eficácia subjetiva da coisa julgada que recaia sobre decisão de mérito exarada em sede de mandado de segurança coletivo. Nesse tocante, o voto vencedor exarado pelo ministro Luiz Fux por ocasião do julgamento do ARE nº 1.293.130/SP, representativo da controvérsia, é claríssimo ao delimitar a questão a ser decidida naquele processo, fazendo-o nos seguintes termos: cumpre delimitar a questão controvertida nos autos, qual seja: legitimidade ativa para cobrança de valores reconhecidos em mandado de segurança coletivo impetrado por associação de caráter civil.

Desse modo, quando a tese enunciada no Tema 1.119 do STF dispõe que (1) é desnecessária a autorização expressa dos associados; (2) a relação nominal destes; (3) bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título executivo judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil, assim o faz, exclusivamente, para reafirmar a legitimidade ativa da entidade associativa para ingressar em juízo em nome de seus associados sem que precise cumprir aquelas formalidades, e não para dizer que é possível que um associado que haja ingressado na entidade após o trânsito em julgado possa se utilizar da eficácia executiva da decisão concedida no mandado de segurança coletivo.

Daí que não é possível inferir da tese firmada no Tema 1.119 do STF qual é a amplitude subjetiva da decisão de mérito, passada em julgado, exarada em mandado de segurança coletivo.

Em termos jurídico-positivos, a única disposição normativa que trata dessa questão é aquela constante do artigo 22 da Lei nº 12.016/2009, que restringe a eficácia da subjetiva da coisa julgada mandamental coletiva aos membros da entidade substituta [6]. Esse dispositivo, no entanto, não trata da possibilidade de aproveitamento da tutela mandamental coletiva por parte do associado que haja sido admitido como membro da entidade após o trânsito em julgado da decisão.

O que podemos afirmar, com alguma segurança, é que, por força do que estabelece o parágrafo primeiro do referido artigo 22 da Lei nº 12.016/2009, o associado que tenha impetrado o mandado de segurança individual e não haja desistido deste no prazo de 30 dias da ciência da existência da ação coletiva, não poderá ser beneficiado (e nem prejudicado) por eventual tutela exarada em favor da entidade. Se assim o é com relação ao associado ingresso em momento anterior a formação da coisa julgada, com mais razão ainda deve o ser em relação àquele que haja ingressado em momento posterior ao trânsito em julgado.

De mais a mais, admitir que um novo associado se valha dos efeitos patrimoniais retrospectivos de uma tutela jurisdicional coletiva para, por exemplo, pleitear a restituição ou a compensação de indébitos tributários relativos à fatos geradores ocorridos nos cinco anos anteriores à impetração do mandamus, é o mesmo que burlar as regras que disciplinam a prescrição do direito à restituição do indébito (artigo 168 do CTN). E isso, para não falar em possível fraude à jurisdição constitucional nos casos em que o Supremo Tribunal Federal, com vistas à resguardar a segurança jurídica, modula os efeitos das decisões que reconhecem a inconstitucionalidade de determinadas exigências tributárias, resguardando, no entanto, a eficácia retroativa da declaração de inconstitucionalidade para aqueles contribuintes que tenham questionado a exigência judicialmente por meio de ações individuais ajuizadas em momento anterior a prolatação da decisão com efeitos abrangentes oriunda do plenário da Corte Suprema.

 


[1] "Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

(…)

LXIX – conceder-se-á mandado de segurança para proteger direito líquido e certo, não amparado por 'habeas-corpus' ou 'habeas-data', quando o responsável pela ilegalidade ou abuso de poder for autoridade pública ou agente de pessoa jurídica no exercício de atribuições do Poder Público;

LXX – o mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por:

a) partido político com representação no Congresso Nacional;

b) organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há pelo menos um ano, em defesa dos interesses de seus membros ou associados;"

[2] "Art. 21. O mandado de segurança coletivo pode ser impetrado por partido político com representação no Congresso Nacional, na defesa de seus interesses legítimos relativos a seus integrantes ou à finalidade partidária, ou por organização sindical, entidade de classe ou associação legalmente constituída e em funcionamento há, pelo menos, 1 (um) ano, em defesa de direitos líquidos e certos da totalidade, ou de parte, dos seus membros ou associados, na forma dos seus estatutos e desde que pertinentes às suas finalidades, dispensada, para tanto, autorização especial."

[3] "Art, 121 (,,,)

§ 1º. O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva."

[4] "É desnecessária a autorização expressa dos associados, a relação nominal destes, bem como a comprovação de filiação prévia, para a cobrança de valores pretéritos de título executivo judicial decorrente de mandado de segurança coletivo impetrado por entidade associativa de caráter civil"

[5] "Art. 18. Ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico.”

[6] Art. 22. No mandado de segurança coletivo, a sentença fará coisa julgada limitadamente aos membros do grupo ou categoria substituídos pelo impetrante.

§ 1º. O mandado de segurança coletivo não induz litispendência para as ações individuais, mas os efeitos da coisa julgada não beneficiarão o impetrante a título individual se não requerer a desistência de seu mandado de segurança no prazo de 30 (trinta) dias a contar da ciência comprovada da impetração da segurança coletiva.

Autores

  • é advogado, doutor em Direito Processual Civil e mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, professor do programa de pós-graduação stricto sensu (mestrado) do Instituto Brasileiro de Estudos Tributários (Ibet), professor e coordenador do curso de extensão de "Processo tributário analítico" do Ibet, coordenador das unidades do Ibet em Sorocaba e Presidente Prudente e coordenador do grupo de estudos de "Processo tributário analítico" do Ibet.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!