Reflexões Trabalhistas

Luta por direitos da comunidade LGBT+ e a homofobia no trabalho

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30 de junho de 2023, 8h00

Em todo o mundo, no dia 28 de junho se comemora o Orgulho LGBTQIAPN+ (LGBT+). Contudo, a igualdade de direitos das pessoas LGBT+, especialmente no Brasil, ainda está longe de ser uma realidade.

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A data é uma homenagem à Rebelião de Stonewall, que, para muitos historiadores, marca o início da mobilização social organizada pelos direitos da comunidade LGBT+, nos países de cultura ocidental. Em 1969, a polícia invadiu o Stonewall Inn, um conhecido bar gay, localizado no bairro de Greenwich Village, em Nova York, pela terceira vez na mesma semana, sob a alegação de venda de bebidas alcoólicas. Na madrugada de 28 de junho, funcionários e frequentadores do local foram presos e agredidos. Naquela época, as relações entre pessoas do mesmo sexo eram consideradas crime em quase todos os estados americanos. Em Nova York, por exemplo, a homossexualidade só deixou de ser criminalizada nos anos 1980.

Dessa vez, no entanto, a comunidade LGBT+ foi às ruas protestar. As manifestações duraram seis dias e mobilizaram milhares de pessoas, dando origem à primeira marcha do Orgulho Gay, em 1970, e fazendo com que o assunto ganhasse verdadeiro debate público.

No Brasil, a criminalização da LGBTQIAPN+fobia data de 2019, pelo julgamento da ADO [1] 26 e do MI [2] 4.733, quando o Supremo Tribunal Federal decidiu que a homofobia deveria ser considerada crime imprescritível e inafiançável, pela aplicação analógica da Lei nº 7.716/1989.

Apesar disso, porém, segundo o relatório anual da Antra (Associação Nacional de Travestis e Transexuais), pelo 14º ano consecutivo, o Brasil é o país com o maior número total de homicídios de pessoas travestis e transexuais. O levantamento aponta que 131 pessoas trans foram mortas no país em 2022. A maioria das vítimas tinha entre 18 e 29 anos, próximo da expectativa de vida de uma pessoa trans no Brasil, que é de 35 anos [3].

A LGBTQIAPN+fobia, ou seja, o ato ou manifestação de ódio, rejeição ou repulsa à população LGBT+, é popularmente conhecida pelo termo "homofobia", que abarca todas as expressões de identidade de gênero e orientação sexual que estigmatizam as pessoas fora do padrão cis/hétero.

Nesse sentido, a temática vem sendo objeto de ações na Justiça do Trabalho, quando da análise de ocorrências homofóbicas no ambiente de labor.

Em decisão da 26ª Vara do Trabalho de São Paulo, uma empresa foi condenada ao pagamento de indenização de R$ 12 mil reais a título de danos morais a garçom que, durante seu expediente, foi hostilizado pelo empregador, por usar cosmético (batom líquido) e ser homossexual [4].

A conduta de repreender o empregado sob a alegação de que por usar batom, estaria "incomodando os clientes" demonstra claro exemplo de preconceito e discriminação, reconhecido pela decisão judicial, que asseverou que "se o incômodo tivesse ocorrido, a empresa deveria ter pedido ao freguês "ofendido" que deixasse o estabelecimento, pois não é aceitável que a orientação sexual, a maquiagem ou a vestimenta de uma pessoa seja alegada como causa de ofensa a alguém".

Outra importante decisão foi proferida pela 17ª Turma do TRT-2 [5], desta vez em prol de empregado transexual. O tribunal majorou a indenização por danos morais para R$ 10 mil reais, após confirmar que o empregador desrespeitou a identidade de gênero e o pedido pelo uso do nome social da vítima no ambiente de trabalho. A atitude afrontou, dentre outros dispositivos, a Convenção 111 da OIT [6], que trata da discriminação no ambiente laboral [7] e a Lei 9.029/1995, que veda a prática discriminatória em todas as fases da relação de emprego. No caso, o agressor (colega de trabalho da vítima), insistiu na utilização do nome civil feminino em vez do nome social do profissional, em atitude claramente transfóbica. O empregador foi então condenado por ter sido displicente na punição do agressor e por não ter retificado os documentos do trabalhador com seu nome social.

No geral, entretanto, as condenações dos tribunais ainda nos parecem muito tímidas e merecem ser revistas, como aconteceu em acórdão da lavra do ministro relator Alberto Bastos Balazeiro, no processo TST – RR 00118138520165090002, publicado em 18/11/2022, que mesmo após o TRT ter aumentado a indenização de R$ 1.500 para R$ 10 mil, ainda a majorou para R$ 50 mil, por entender que o valor era módico diante da violação perpetrada:

"I – AGRAVO DE INSTRUMENTO EM RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. DESRESPEITO À HONRA SUBJETIVA. OFENSAS DECORRENTES DE INJÚRIA RACIAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. Ante a possível afronta ao art. 5º, V e X, da Constituição da República, dá-se provimento ao agravo de instrumento para o amplo julgamento do recurso de revista. Agravo de instrumento a que se dá provimento. II – RECURSO DE REVISTA. LEIS NºS 13.015/2014 E 13.467/2017. INTERVALO PREVISTO NO ART. 384 DA CLT. LIMITAÇÃO DA CONDENAÇÃO AO TEMPO DE DURAÇÃO DA SOBREJORNADA. IMPOSSIBILIDADE. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que não há nenhuma restrição para a concessão da pausa prévia à jornada extraordinária da mulher. Isso porque o art. 384 da CLT não fixa tempo mínimo de sobrelabor para a concessão do período de descanso. Na hipótese dos autos, o Tribunal Regional restringiu o direito ao intervalo previsto no art. 384 da CLT aos dias em que a sobrejornada for superior a 30 minutos, contrariando a jurisprudência atual, iterativa e notória desta Corte. Precedentes. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento. DANO MORAL. ASSÉDIO MORAL. DESRESPEITO À HONRA SUBJETIVA. OFENSAS DECORRENTES DE INJÚRIA RACIAL. QUANTUM INDENIZATÓRIO. TRANSCENDÊNCIA POLÍTICA RECONHECIDA. 1. A questão dos autos gira em torno do valor a ser arbitrado para a indenização por danos morais decorrentes de desrespeito à honra subjetiva, diante das ofensas por injúria racial perpetradas pelo preposto da reclamada. 2. A jurisprudência desta Corte Superior, no tocante ao quantum indenizatório fixado pelas instâncias ordinárias, vem consolidando orientação no sentido de que a revisão do valor da indenização por danos extrapatrimoniais, patrimoniais e estéticos somente é possível quando exorbitante ou insignificante a importância arbitrada a título de reparação de dano moral, em flagrante violação dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade. Precedentes. 3. O Tribunal Regional concluiu pela existência, no ambiente de trabalho, de injúria racial e notícias de discriminação por condição sexual (homofobia), descortinando a existência de um ambiente de opressão, gerando inclusive insurgência dos empregados da filial de Curitiba que reportaram os fatos à matriz, em São Paulo, razão pela qual, reformando a sentença, majorou o valor da condenação ao pagamento da indenização por danos morais de R$ 1.500,00 (mil e quinhentos reais) para 10.000,00 (dez mil reais). 4. Ocorre que o valor da indenização atribuído pelo Tribunal Regional decorrente das ofensas deferidas pelo preposto da reclamada, admite sua revisão, porque excessivamente módico ante a violação do bem jurídico tutelado – honra subjetiva. 5. Nestes termos, à luz dos princípios da razoabilidade e da proporcionalidade e, levando em consideração a extensão do dano, a culpa e o aporte financeiro da reclamada – pessoa jurídica (capital social de 5 milhões de reais) -, bem como à necessidade de que o valor fixado a título de indenização por danos morais atenda à sua função social e preventiva, capaz de convencer o ofensor a não reiterar sua conduta ilícita, uma vez que "não há notícia nos autos de que tenham sido tomadas providências para fazer cessar o assédio moral" perpetrado, verifica-se que o valor atribuído à indenização é excessivamente módico, razão pela qual resta majorado o quantum indenizatório pelo dano decorrente do assédio moral para R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais), nos termos do art. 5º, V e X, da Constituição da Republica. Recurso de revista de que se conhece e a que se dá provimento.”

Vale salientar a necessidade de que o Poder Judiciário continue a realizar ações com foco na temática contra discriminação de pessoas LGBT+, diversidade e inclusão, como descrito pelo relatório de gestão de 2022 do TRT-2 [8], por meio de sua Comissão de Diversidade e Igualdade; e, pelo relatório de gestão de 2022 [9] do TST, que trouxe como uma das realizações de sua Assessoria de Acessibilidade, Diversidade e Inclusão (Asdin) o "acolhimento de servidores da comunidade LGBTQIAPN+ para escuta acerca de suas vivências e desafios em expressar suas identidades no ambiente laboral do TST, com vistas à eliminação de qualquer tipo de preconceito ou discriminação e maior abertura às diferenças de opinião e à participação de todos".

Em síntese, a luta pelos direitos da comunidade LGBT+ tem encontrado avanços consideráveis. No entanto, assim como as outras formas estruturais de opressão no tecido social, existem obstáculos que exigem um trabalho árduo e multidisciplinar de toda a sociedade.

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