Licitações e Contratos

Licitações, contratos de dez anos e o cenário concorrencial

Autor

  • Jonas Lima

    é sócio de Jonas Lima Advocacia especialista em Direito Público pelo IDP especialista em compliance regulatório pela Universidade da Pensilvânia ex-assessor da Presidência da República (CGU).

30 de junho de 2023, 19h22

A Lei nº 14.133/21 trouxe mudanças relevantes, incluindo a possibilidade dos contratos de até cinco anos, prorrogáveis até dez anos, para serviços e fornecimentos contínuos, ou seja, a grande parte das contratações de bens e serviços comuns, o que causa receio nos mercados, em face dos efeitos práticos dessas regras.

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Fornecedores se perguntam se haverá competição sem existirem mercados por longos anos? Quais as balizas para os gestores públicos na tomada de decisões? O que esperar da imaginada concentração de mercados e dos desafios dos contratos de longo prazo?

Considerações preliminares sobre concentração econômica
Nos termos do artigo 170, incisos IV e VII, da Constituição Federal, a livre concorrência e a redução das desigualdades regionais e sociais são princípios da ordem econômica.

Diante disso, não basta considerar que o artigo 88 da Lei nº 12.529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, apenas trata de processos formais de análise de atos de concentração econômica de centenas de milhões de reais, nem que nos termos do artigo 90, parágrafo único da mesma lei, não são considerados atos de concentração contratos associativos, consórcio ou "joint venture" para participação em licitações públicas.

Em face do artigo 20 da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro, é preciso ponderar sobre as consequências práticas da extensão de contatos por uma década, no aspecto que aqui está em destaque (não está em discussão o contexto de contratos de investimentos e outros de objetos específicos).

E o fato é que para muitos contratos do dia a dia, de bens e serviços comuns, vai acontecer razoável fechamento do mercado por uma década. O desafio é mostrar que nem tudo precisa ficar engessado dessa forma, paralisando a dinâmica de atores do mercado por tanto tempo.

Receio de empresas do mercado e gestores públicos
Licitantes têm demonstrado preocupação em relação aos contratos de dez anos devido ao temor de que isso possa resultar em concentração de mercado e em uma redução das oportunidades para empresas de menor porte. E isso é razoável para se acreditar.

A duração estendida dos contratos pode gerar a preferência por grandes empresas, que têm maior capacidade financeira e recursos para se comprometer com projetos de longo prazo. Essa situação poderia criar um cenário de concorrência desigual e prejudicar a entrada de novos players no mercado, de modo que as compras públicas estariam sendo motor de extinção de mercados já em curtíssimo prazo, pela iminência da final transição para o regime da nova lei.

Gestores públicos, de outro lado, também têm suas preocupações. Eles precisam equilibrar a necessidade de estabilidade contratual e a busca por soluções inovadoras e eficientes, tudo em contexto de possíveis variações de demandas, outros aspectos e necessidades.

Além disso, devem levar em consideração a evolução tecnológica e a possibilidade de mudanças nos produtos e serviços ao longo dos anos, que poderiam exigir a adaptação dos contratos existentes ou a realização de novas licitações.

Condicionantes e detalhes dos contratos de dez anos
Na verdade, o mito que se criou sobre os dez anos precisa ser explicado com a atenta leitura do texto dos respectivos dispositivos da Lei nº 14.133/21, verbis:

"Art. 105. A duração dos contratos regidos por esta Lei será a prevista em edital, e deverão ser observadas, no momento da contratação e a cada exercício financeiro, a disponibilidade de créditos orçamentários, bem como a previsão no plano plurianual, quando ultrapassar 1 (um) exercício financeiro.

Art. 106. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 5 (cinco) anos nas hipóteses de serviços e fornecimentos contínuos, observadas as seguintes diretrizes:

I – a autoridade competente do órgão ou entidade contratante deverá atestar a maior vantagem econômica vislumbrada em razão da contratação plurianual;
II – a Administração deverá atestar, no início da contratação e de cada exercício, a existência de créditos orçamentários vinculados à contratação e a vantagem em sua manutenção;
III – a Administração terá a opção de extinguir o contrato, sem ônus, quando não dispuser de créditos orçamentários para sua continuidade ou quando entender que o contrato não mais lhe oferece vantagem.

§ 1º. A extinção mencionada no inciso III do caput deste artigo ocorrerá apenas na próxima data de aniversário do contrato e não poderá ocorrer em prazo inferior a 2 (dois) meses, contado da referida data.
§ 2º. Aplica-se o disposto neste artigo ao aluguel de equipamentos e à utilização de programas de informática.

Art. 107. Os contratos de serviços e fornecimentos contínuos poderão ser prorrogados sucessivamente, respeitada a vigência máxima decenal, desde que haja previsão em edital e que a autoridade competente ateste que as condições e os preços permanecem vantajosos para a Administração, permitida a negociação com o contratado ou a extinção contratual sem ônus para qualquer das partes.

Art. 108. A Administração poderá celebrar contratos com prazo de até 10 (dez) anos nas hipóteses previstas nas alíneas 'f' e 'g' do inciso IV e nos incisos V, VI, XII e XVI do caput do art. 75 desta Lei."

Isso significa que ainda existe um marco relevante da anualidade, houve uma inovação para se ir diretamente aos cinco anos e com prorrogação até os dez, isso sendo o maior temor dos mercados, bem como os contratos de dez anos, diretamente, mas em inovação, segurança nacional, transferência de tecnologia de produtos estratégicos para o Sistema Único de Saúde (SUS) e insumos estratégicos para a saúde.

Em resumo, existe determinado cenário do que mais preocupa a maioria dos mercados: os bens e serviços comuns com contratos de cinco anos com potencial prorrogação até dez anos.

Nesse caso, é preciso considerar que órgãos públicos mudam estruturas de pessoal (para mais ou para menos), mudam localização e demandas de atuação em suas finalidades, passam a adotar outros sistemas de tecnologia para gestão, transporte e tantas outras demandas, o que, na prática, indica que parte considerável dos mercados nem poderá ficar paralisada com mesmos moldes do contrato original por até dez anos. Até mesmo contratos como os de agenciamento de viagens e de vale refeição possuem inovações com passar de anos, que justificam mudanças.

Isso tudo indica que a quase perpetuação de empresas contratadas por mais tempo deve ocorrer em nichos de mercado onde as atividades sejam mais de terceirização e, ainda assim, isso não será algo que se pode dizer que vai mesmo perdurar, porque mudanças várias podem ocorrer tanto para práticas de mercado, normas, regulações, como para a realidade do próprio órgão.

Experiência dos Estados Unidos
A experiência dos Estados Unidos com contratos de longo prazo pode oferecer insights valiosos sobre os possíveis resultados dessa mudança. Nos EUA, contratos de longa duração são utilizados há décadas em diversos setores, incluindo infraestrutura e serviços públicos. No entanto, essa prática não levou a fechamento do mercado em geral. Isso porque se criou modo de abrir espaços para preservar as "small business" (pequenas empresas) e outros nichos tratados em programas socio-econômicos, como aqueles destinados a empresas de veteranos de guerra e outros.

 

Ademais, a regra de contratação simultânea de múltiplos fornecedores, que surgiu naquele país e agora está presente na Lei nº 14.133/21 deu concretude ao modo de contrato via marketplace, como o GSA Advantage, do governo federal americano, incentivando a competição e a diversificação de fornecedores em simultaneidade, repita-se, evitando a dependência de um único contrato de longo prazo (centralizado = monopolizado).

Conclusões
A introdução dos contratos de até dez anos ou diretamente de dez anos traz tanto oportunidades quanto desafios para as empresas licitantes e os gestores públicos. Embora exista o receio bem justificado de concentração de mercado, a legislação busca mitigar o risco com mecanismos de proteção, como a obrigatoriedade de licitação ajustada a planejamentos estratégicos e anuais e a necessidade de revisão e adaptação de contratos ao longo do tempo, inclusive, em respeito ao princípio da eficiência, do artigo 37 da Constituição Federal.

Autores

  • é advogado especialista em licitações e contratos, pós-graduado em Direito Público pelo IDP e Compliance Regulatório pela Universidade da Pensilvânia e sócio do escritório Jonas Lima Sociedade de Advocacia.

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