Direto do Carf

Classificação fiscal de pneus: o mundo está errado e só o Brasil certo?

Autores

  • Diego Diniz Ribeiro

    é advogado tributarista e aduanerista ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento professor de Direito Tributário Direito Aduaneiro Processo Tributário e Processo Civil doutor em Processo Civil pela USP mestre em Direito Tributário pela PUC-SP pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV/SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • Antonio Carlos Atulim

    é advogado e consultor no escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária auditor-fiscal da Receita Federal aposentado ex-conselheiro e ex-presidente de colegiados na 3ª Seção do Carf e no antigo 2º Conselho de Contribuintes ex-membro da CSRF e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

28 de junho de 2023, 8h00

Na coluna de hoje abordaremos um acórdão específico que, embora envolva caso bastante particular, ilustra bem o problema que se quer aqui apontar: os erros no processo hermenêutico de classificação fiscal, ao não se respeitar as regras universais para tal finalidade. E o caso que será aqui analisado com esse propósito é aquele recentemente julgado pela Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) e que implicou a reforma do Acórdão nº 3402-005.462.

Spacca
Referido Acórdão, proferido por Turma Ordinária do Carf, havia provido recurso voluntário do contribuinte, considerando que pneus para emprego em furgões, vans e chassis devem ser classificados no código NCM 4011.20.90 e não no código NCM 4011.99.00, pretendido pela fiscalização.

A Regra Geral de Interpretação nº 1 do Sistema Harmonizado (RGI -1) determina que a classificação fiscal deva ser efetuada com base nos textos das posições e das Notas de Seção e de Capítulo, sem que o classificador possa fazer nenhuma outra consideração.

O texto da subposição 4011.20, que vinha sendo adotada pelos contribuintes, descreve "pneumáticos novos, de borracha, do tipo utilizado em ônibus (autocarros) ou caminhões".

Já o texto da subposição 4011.90, pretendida pela Receita Federal, apresenta a descrição genérica "outros". Vale dizer: outros pneus que não possam ser enquadrados nas suposições precedentes, ou seja, que não são pneus do tipo empregado em veículos de passeio, em veículos pesados, em veículos aéreos, em motocicletas, em bicicletas ou em máquinas agrícolas.

Ao contrário do entendimento manifestado pela CSRF, o problema não reside no fato de o contribuinte ter adotado conceitos da legislação interna para interpretar o Sistema Harmonizado, mas sim na aplicação errônea da RGI – 1 por parte da Receita Federal, uma vez que o órgão está atribuindo à expressão "do tipo", existente no texto da subposição 4011.20, o significado da palavra "destinado".

É cediço que a interpretação dos textos da Nomenclatura deve ser literal para minimizar o subjetivismo do classificador e, assim, fomentar uma segurança jurídica de índole material. E a interpretação literal consiste em interpretar os textos utilizando os significados denotativos das palavras fornecidos pelos dicionários.

O verbete "tipo" possui diversos significados na Língua Portuguesa. No texto da subposição 4011.20 a palavra "tipo" foi empregada, à evidência, com o significado de "espécie" [1]. Logo, a referida subposição abriga pneus da espécie utilizada por caminhões e ônibus e não pneus destinados a equipar especificamente a caminhões e ônibus. Essa espécie de pneus se diferencia dos pneus empregados em veículos de passeio por ter uma maior capacidade de carga.

Conforme o Manual Técnico da Associação Latino-americana de Pneus e Aros (Alapa), a diferenciação entre os tipos de pneus era feita em função do número de lonas. Com o avanço da tecnologia o número de lonas foi abandonado, passando-se a utilizar o índice de carga, existindo até uma tabela de correlação entre o número de lonas e o índice de carga [2].

Desse modo, quando o texto da subposição 4011.20 menciona pneus "do tipo" utilizado em ônibus e caminhões, a referência é a pneus que possuam índices de carga superiores aos índices de carga das espécies de pneus comumente utilizados em veículos de passeio, a fim de diferenciá-los daqueles classificáveis na subposição 4011.10 (do tipo utilizado em automóveis de passageiros).

Portanto, ao contrário do que decidiu a CSRF, o contribuinte do caso aqui analisado não empregou conceitos estabelecidos por normas nacionais para interpretar o Sistema Harmonizado. Ele apenas utilizou o significado literal das palavras na Língua Portuguesa para efetuar o enquadramento dos seus pneus reforçados na subposição 4011.20 do Sistema Harmonizado, ou seja, respeitando as regras universais de interpretação para fins de classificação fiscal.

A classificação fiscal dos pneus em questão na referida subposição é, inclusive, corroborada por pesquisa efetuada nas nomenclaturas utilizadas nos Estados Unidos [3] e na União Europeia [4], disponíveis na internet, que revela que os pneus reforçados que apresentam índices de carga superiores aos índices de carga de pneus utilizados em veículos de passeio devem realmente ser classificados na subposição 4011.20 do Sistema Harmonizado.

Percebe-se, portanto, que a interpretação dada pela Receita Federal se contrapõe à forma universal de classificação fiscal, que pressupõe a convocação de uma interpretação literal com o fito de evitar subjetivismos e, com isso, incertezas classificatórias.

Com a inusitada decisão da CSRF em reformar o Acórdão 3402-005.462 o colegiado chancelou entendimento segundo o qual o resto do mundo está errado e só o Brasil correto.

 


[1] Dicionário online Caldas Aulete da Língua Portuguesa:

tipo1 (ti.po)

sm.

1. Tudo o que tem traços distintivos para identificar um grupo de coisas, seres ou pessoas; espécie; modelo: carro do tipo conversível: pessoas com traços do tipo asiático; (…)

[2] Conforme o Manual Técnico da Associação Latino-americana de Pneus e Aros:

[3] https://www.trade.gov/harmonized-system-hs-codes

Autores

  • é advogado tributarista e aduanerista, sócio do Daniel & Diniz Advocacia, ex-conselheiro titular do Carf na 3ª Seção de Julgamento, professor de Direito Tributário, Direito Aduaneiro, Processo Tributário e Processo Civil, doutorando em Processo Civil pela USP, mestre em Direito Tributário pela PUC-SP, pós-graduado em Direito Tributário pelo Ibet e pesquisador do NEF da FGV-SP e do grupo de estudos de Processo Tributário Analítico do Ibet.

  • é advogado e consultor no Escritório Daniel & Diniz Advocacia Tributária, auditor-fiscal da Receita Federal aposentado, ex-conselheiro e ex-presidente de colegiados na 3ª Seção do Carf e no antigo 2º Conselho de Contribuintes, ex-membro da CSRF e especialista em Direito Tributário pelo Ibet.

Tags:

Encontrou um erro? Avise nossa equipe!