Opinião

Os perigos da nova tese do STJ sobre a retroatividade da nova Lei de Improbidade

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26 de junho de 2023, 16h22

No Informativo de Jurisprudência nº 776, disponibilizado no  último dia 30 de maio, o STJ (Superior Tribunal de Justiça) divulgou novo entendimento quanto à retroatividade das disposições mais favoráveis aos acusados previstas na Lei nº 14.230/21 O tema foi assim ementado: "Em atenção ao Tema 1199/STF, deve-se conferir interpretação restritiva às hipóteses de aplicação retroativa da Lei n. 14.230/2021, adstringindo-se aos atos ímprobos culposos não transitados em julgado".

Com o intuito de colaborar com o debate, não se pode deixar de registrar que se trata de entendimento perigoso que nem sequer guarda relação com o decidido pelo STF no Tema nº 1.199.

Isso porque, em momento algum, o STF se debruçou sobre retroatividade de todas as inovações mais benéficas aos acusados promovidas pela Lei nº 14.230/21. Na delimitação da controvérsia, inclusive, especificou a Corte que a análise da possibilidade ou não de retroatividade se daria com relação à abolição da modalidade culposa e às novas disposições em matéria de prescrição:

"Definição de eventual (IR)RETROATIVIDADE das disposições da Lei 14.230/2021, em especial, em relação: 1) A necessidade da presença do elemento subjetivo  dolo  para a configuração do ato de improbidade administrativa, inclusive no artigo 10 da LIA; e 2) A aplicação dos novos prazos de prescrição geral e intercorrente."

E, mais, o STF decidiu: 1) pela possibilidade de retroatividade, para os processos em curso, da exigência do elemento subjetivo dolo para a configuração de qualquer ato de improbidade; 2) pela impossibilidade de retroação dos novos prazos e marcos prescricionais (sobre a decisão, veja aqui).

Ora, tendo a Corte admitido a retroatividade no caso da exclusão da modalidade culposa, e recusando a possibilidade de retroação dos novos marcos prescricionais, infere-se a existência de um critério de avaliação adotado, que pode ser aplicado a outros casos.

Nesse sentido, importante buscar os motivos que levaram o STF a negar a possibilidade de aplicação imediata dos novos marcos prescricionais, objeto de análise no tema de repercussão geral. De acordo com a Corte Constitucional, os prazos prescricionais "…garantem a segurança jurídica, a estabilidade e a previsibilidade do ordenamento jurídico; fixando termos exatos para que o Poder Público possa aplicar as sanções derivadas de condenação por ato de improbidade administrativa". Dessa forma, não haveria como se reconhecer a prescrição considerando que a inexistência de regra anterior não permitiria que se imputasse qualquer omissão do Estado. Nesse sentido:

A prescrição é o perecimento da pretensão punitiva ou da pretensão executória pela inércia do próprio Estado. A prescrição prende-se à noção de perda do direito de punir do Estado por sua negligência, ineficiência ou incompetência em determinado lapso de tempo.

Sem inércia não há prescrição. Sem inércia não há sancionamento ao titular da pretensão. Sem inércia não há possibilidade de se afastar a proteção à probidade e ao patrimônio público.

Isto é, se o autor da ação respeitou o prazo vigente à época do ajuizamento da ação não há como se reconhecer a prescrição com base na superveniência de lei nova, sob pena de violação ao princípio da segurança jurídica. Se o autor não se manteve inerte e ajuizou a ação tempestivamente, de acordo com os prazos legais vigentes, não há prescrição ainda que haja modificação nesses mesmos prazos em momento posterior. Esse é o núcleo da decisão tomada pelo STF, restrito à situação específica da prescrição.

Ou seja, reconheceu o STF a existência de características e efeitos específicos quanto aos prazos prescricionais que justificam a não aplicação do mesmo entendimento adotado para a norma que excluiu improbidade culposa. Existem motivos relevantes a justificar a retroatividade em um caso e a irretroatividade no outro.

Diante disso, pergunta-se se a todas as demais inovações trazidas pela Lei n. 14.230/21 se aplicam as mesmas considerações tecidas pelo STF no caso dos novos prazos prescricionais, a justificar o entendimento do STJ que somente se admite a retroatividade da norma que aboliu a modalidade culposa? A resposta é negativa.

Basta notar, por exemplo, que em decisão monocrática recente, nos autos do ARE nº 1.346.594/SP, o ministro Gilmar Mendes decidiu que previsão de taxatividade do rol do artigo 11, inovação introduzida pela Lei nº 14.1230/21, também retroage. Argumentando 1) que a imputação promovida pelo autor se restringiu a subsumir a conduta do réu ao caput do artigo 11, e que 2) a conduta praticada não se amolda às especificidades dos incisos do artigo 11, o ministro julgou improcedente a ação. Aqui, inclusive, tem-se muito mais proximidade com a questão da modalidade dolosa do que com a questão da prescrição, o que depõe contra o entendimento alcançado do STJ.

Enfim, o próprio STF tem aplicado a ratio decidendi do Tema nº 1.199 a outros dispositivos da Lei nº 14.230/21, reconhecendo a retroatividade para os processos em curso. Inclusive, pode se extrair dos votos no ARE 843.989/PR que a retroatividade das novas disposições aos processos em curso é a regra, cabendo ao julgador argumentar quando for reconhecer a irretroatividade, indicando os motivos relevantes que subsidiaram o seu entendimento.

Nesse contexto, o entendimento do STJ, a título de prestigiá-la, se afasta da tese fixada pelo STF. A análise da Suprema Corte se centrou em duas disposições: a) a norma que aboliu a modalidade culposa e b) os novos marcos prescricionais. E, se algo pode ser retirado dessa decisão para os demais casos, é que os fundamentos utilizados para negar a retroatividade às inovações em matéria de prescrição podem e devem servir de norte para a interpretação das demais disposições da Lei nº 14.230/21.

A ver, pois, como o STJ aplicará essa nova tese aos casos concretos. Deixará de reconhecer a possibilidade de retroação a todas as normas da Lei de Reforma, salvo aquela que aboliu a modalidade culposa de improbidade? A ver.

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