Opinião

Mês da diversidade: os avanços conquistados pela comunidade LGBTQIA+

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  • Anelise Borguezi

    é pós-graduada em Direito pela Universidade de São Paulo (USP) e sócia do Borguezi e Vendramini Advocacia para Mulheres e Minorias.

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25 de junho de 2023, 7h17

Entre alguns dos direitos conquistados pela comunidade LGBTQIA+, podemos citar a criminalização da homofobia, o direito à utilização de nome social, o direito ao casamento civil e/ou regularização de união estável por casais homoafetivos, o direito de adoção por casais homoafetivos e o direito a receber benefícios previdenciários de pensão por morte e auxílio reclusão do cônjuge ou companheiro(a).

Apesar de alguns avanços como os acima citados, a população LGBTQIA+ ainda é bastante vulnerável, visto que o Brasil é o país que mais mata pessoas transexuais e travestis de acordo com dados coletados de 2008 a setembro de 2022 pela Trans Murder Monitoring (TMM) [1].

Além disso, muitas das conquistas alcançadas acabam atingindo majoritariamente à população LGBTQIA+ branca, de classe média ou alta. Ou seja, as pessoas LGBTQIA+ não-brancas e pobres continuam sofrendo com a marginalização perante a sociedade brasileira.

Frisa-se, também, que muitos dos direitos foram conquistados graças à jurisprudência, ou seja, com base em decisões recorrentes de juízes e tribunais do país. Isso faz com que tais direitos e conquistas tenham pouca segurança jurídica, uma vez que julgadores são substituíveis, assim como suas opiniões e decisões. A título de exemplo, temos a criminalização da homotransfobia, que ocorreu por decisão do STF em 2019, quando o tribunal decidiu por equiparar homotransfobia ao crime de racismo previsto na Lei nº 7.716/89. Contudo, apesar de esse ser o entendimento atual do STF, a criminalização da homofobia não foi à nossa legislação penal, ou seja, qualquer alteração no entendimento do tribunal poderia acarretar no retrocesso de tal conquista.

A homotransfobia está enraizada na cultura brasileira, sendo bastante comum e até "aceitável", em alguns contextos sociais,  xingamentos e piadas ofensivas à população LGBTQIA+. Assim, é arriscado que muitas das conquistas da comunidade estejam previstas apenas em jurisprudências. É imprescindível a atuação de todos os entes do Estado para melhor garantir e assegurar a manutenção dessas conquistas e promoção de novas.

Importante ressaltar, que os direitos conquistados em favor da comunidade LGBTQIA+ dificilmente teriam se concretizado não fosse a mobilização e luta deste movimento. Os poderes executivo, legislativo e judiciário são bastante morosos no Brasil e, além disso, são majoritariamente formados por pessoas que não entendem a luta e não fazem parte da comunidade, portanto a atuação do movimento LGBTQIA+ é determinante para provocar os poderes e exigir que as pautas levantadas por eles sejam discutidas e aplicadas em termos de políticas públicas, leis, direitos e decisões judiciais.

Há um longo caminho a percorrer. Ainda são bastante recorrentes as formas de preconceito mais veladas, como, por exemplo, cantos homotransfóbicos em partidas de futebol e piadas preconceituosas entre uma roda de amigos ou até em shows de comédia. Apesar de aparentemente menos nociva, essa forma de expressão do preconceito é também muito perigosa, pois perpetua padrões de comportamento baseados no ódio, além de possibilitar a escalada para formas mais perigosas, como a violência física.

A população LGBTQIA+ pode contar, atualmente, com programas como o Bolsa Família e Minha Casa, Minha Vida promovidos pelo governo federal. Além disso, na cidade de São Paulo foi criado o Programa Transcidadania, que visa promover a inclusão social de pessoas trans por meio da oferta de bolsas-auxílio, capacitação profissional e acesso a serviços de saúde, educação e assistência social.

Em termos de saúde pública, é imperativo destacar que uma das principais lutas se refere à estigmatização em relação ao HIV/Aids, visto que apenas em 2020 o STF alterou a regra quanto à possibilidade de doação de sangue por homens homoafetivos. Além disso, o movimento LGBTQIA+ foi crucial para a ampla divulgação de conhecimentos sobre a prevenção e tratamento contra o HIV/Aids para toda a população brasileira.

É importante mencionar, também, a luta contra a patologização da homoafetividade e da transgeneridade. Por exemplo, foi apenas em 1990 que a Organização Mundial da Saúde retirou "homossexualismo" da CID-10. Desde então, passou a se adotar o tema "homessexualidade" visto que o sufixo -ismo remete à doenças.

Ainda há muito a se conquistar. Apesar de existirem algumas leis e entendimentos jurisprudenciais que prevejam os direitos da comunidade, isso não significa que o direito é garantido em sua plenitude.

De acordo com o Manifesto 2023 da Parada LGBTQIA+ de São Paulo, no programa federal de moradia popular Minha Casa, Minha Vida, por exemplo, não há qualquer diretriz que garanta uma cota específica de moradias para pessoas LGBT+ de baixa renda. A falta de previsão ou direcionamento específico para a comunidade ocasiona em direcionamento, mesmo que disfarçado, de tais benefícios para a população cisgênero e heterossexual.

Ainda, segundo o levantamento da Pesquisa do Orgulho, promovida pelo Datafolha com a Havaianas e a organização All Out, pelo menos 37% da população LGBTQIA+ tem dificuldade de acesso à educação, enquanto quase 40% enfrentam diariamente o preconceito em serviços de saúde.

O que podemos perceber é que, apesar dos avanços e conquistas, ainda há um longo caminho a percorrer no que diz respeito aos direitos da população LGBTQIA+. Isso porque, muitos dos direitos não foram devidamente convertidos em lei, tratando-se apenas de decisões proferidas pelos tribunais brasileiro, que não raras as vezes, mudam de opinião em poucos anos.

Além disso, a inclusão da população LGBTQIA+ em programas de inclusão social deve ter diretrizes claras e objetivas para que se dê da maneira mais justa e plena possível, tendo em vista que atualmente tais programas são direcionados majoritariamente às famílias formadas por pessoas cisgênero e heterossexuais.

De forma geral, pode até se ter a ilusão de que o Brasil é um país bastante avançado no que diz respeito aos direitos e garantias da população LGBTQIA+. Contudo, tal percepção não é real quando analisamos os dados, dentre eles, o já citado em que o Brasil lidera o ranking de assassinatos contra pessoas transgêneros e travestis.

Ou seja, essa inclusão por meio de leis e decisões judiciais é pouco efetiva se não acompanhada de um movimento geral e colaborativo da sociedade brasileira em se desconstruir preconceitos estereótipos enraizados em relação à população LGBTQIA+.

 

[1] Fonte link: TMM numbers – TvT (transrespect.org)

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