Prescrição na ditadura

STJ pode avaliar prescrição de crimes da ditadura em caso contra Ustra

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19 de junho de 2023, 18h47

A 4ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deve analisar, nesta terça-feira (20/6) se reconhece a prescrição em um caso que beneficiou o general do Exército Carlos Alberto Brilhante Ustra, morto em 2015. 

O Recurso Especial em análise, sob relatoria do ministro Marco Buzzi, foi interposto pelos familiares do jornalista Luiz Eduardo da Rocha Merlino, que morreu em 1971, aos 23 anos de idade. Ele foi preso e torturado no DOI-Codi — centro de prisão e tortura ligado ao Exército em São Paulo —, que era comandado por Ustra.

Wilson Dias/ABr
O Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) entendeu que o crime já prescreveu — mas não levou em conta decisão do próprio STJ de 2014 envolvendo o general.

Na ocasião, a 3ª Turma entendeu que a Lei da Anistia, que abrange crimes políticos ocorridos entre 1961 e 1979, não pode ser estendida à esfera civil. Assim, não proíbe que pessoas suspeitas de cometer atos ilícitos durante esse período sejam alvo de processos que cobram indenização.

Desde então, decisões conflitantes têm exposto uma espécie de limbo jurídico sobre a Lei da Anistia no país: por um lado, o Supremo Tribunal Federal já declarou a constitucionalidade da norma; por outro, deixou de analisar sua compatibilidade com as convenções internacionais, o que deixa espaço aberto para interpretações divergentes.

No julgamento desta terça, está em jogo a imprescritibilidade dos danos decorrentes de tortura, por ofensa aos direitos humanos e ao direito da dignidade da pessoa humana, previstos no artigo 5º da Constituição e, justamente, nos diversos tratados internacionais de que o Brasil é signatário.

Quem explica é o advogado Aníbal Castro de Souza, que junto com Fábio Konder Comparato, representa a esposa do jornalista assassinado, Ângela Mendes de Almeida, e a irmã Regina Maria Merlino Dias de Almeida. "Há vários artigos da Declaração Internacional dos Direitos Humanos da Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA, que são tratados internacionais ratificados pelo Brasil que devem ser cumpridos", observa Souza.

Histórico
Em 2010, a família de Luiz Eduardo da Rocha Merlino ingressou com ação por danos morais sofridos pela morte do jornalista. Foi alegado que Ustra tem responsabilidade pela morte de Merlino porque, além de ter sido o comandante do DOI-Codi no período em que o jornalista esteve preso no local, o general também teria participado pessoalmente das sessões de tortura.

De acordo com a versão oficial apresentada pelo Exército para a morte do jornalista, Merlino teria cometido suicídio quando foi transferido para uma prisão no Rio Grande do Sul. Na viagem, a vítima teria se jogado na frente de um veículo.

Dois anos depois do ingresso da ação, a juíza Cláudia Lima Menge, da 20ª Vara Cível do Foro Central da Capital paulista, condenou Ustra ao pagamento de R$ 50 mil por danos morais a cada uma das autoras da ação.

A juíza reconheceu em sua decisão que a Lei de Anistia não trata da responsabilidade civil pelos atos praticados no chamado período de exceção da ditadura, o que permitiu a condenação.

Em recurso do espólio do general, no entanto, a 13ª Câmara Extraordinária de Direito Privado do TJ-SP reformou integralmente a sentença reconhecendo a prescrição do crime. Votaram pela prescrição da ação os três desembargadores da segunda instância Luiz Fernando Salles Rossi, Milton Carvalho e Mauro Conti Machado.

Assim a decisão derrubou a condenação da primeira instância sob o argumento de que a família esperou 39 anos para entrar com o processo, 22 anos depois da Constituição.

Os advogados de Ustra alegaram numa apelação à decisão, que o caso já estava prescrito, além de terem alegado a autoria de torturas a Merlino. Foi a vez dos familiares de Merlino recorrerem, desta vez ao STJ.

AResp 2.245.100

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